Fabiane Berta, fundadora do Grupo Ilumina: “Existe dinheiro circulando. O que falta são boas ideias, sustentadas por dados e propósito. Conecte-se com a sua causa, monte uma rede de apoio e vá em frente”
Jornalista especializada em carreira, RH e negócios
Publicado em 16 de maio de 2025 às 15h00.
Última atualização em 16 de maio de 2025 às 19h37.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que, até 2030, o número de mulheres na menopausa e pós-menopausa deve alcançar 1,2 bilhão em todo o mundo, com cerca de 47 milhões entrando nessa fase a cada ano. Já uma pesquisa da consultoria Korn Ferry, em parceria com a Vira Health, mostra que 47% delas enfrentam sintomas que impactam diretamente a rotina e o desempenho no trabalho. Os dados escancaram uma realidade historicamente negligenciada: a falta de políticas públicas, sociais e empresariais voltadas a um período natural — e inevitável — da vida.
Diante desse cenário, a ginecologista e pesquisadora Fabiane Berta, fundadora do Grupo Illumina, criou em 2023 o MyPausa, movimento que propõe uma reforma no cuidado à saúde feminina. Entre as iniciativas está o desenvolvimento do primeiro registro nacional sobre menopausa no Brasil. O estudo será realizado nas 27 capitais com a participação de 1.592 pessoas — incluindo mulheres cisgênero e homens trans entre 35 e 65 anos. A ideia é mapear aspectos epidemiológicos e investigar fatores clínicos e sintomatológicos, condições socioeconômicas, disparidades sociais, acesso à saúde, qualidade de vida e o nível de conhecimento sobre o tema para que nenhuma mulher fique à margem desse debate. A expectativa é de que as primeiras entrevistas sejam feitas no segundo semestre deste ano.
Recentemente, o mapeamento foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Alemão Oswaldo Cruz e pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa do Ministério da Saúde, e registrado na plataforma internacional Clinical Trials.
O trabalho envolve, ainda, a defesa da inclusão da terapia hormonal no SUS e a formação médica, com ações de capacitação e atualização. “O intuito é quebrar barreiras de acesso e combater o etarismo, a desinformação e a negligência médica que há décadas silenciam e isolam mulheres nessa fase”, afirma.
A vontade de transformar realidades acompanha Fabiane desde pequena. Filha de um mecânico e de uma artista plástica, cresceu em um ambiente pautado pela criatividade. “Montava foguetes com peças da oficina do meu pai e sempre falava que, um dia, teria uma ideia que mudaria o mundo”, lembra. A vocação científica a levou à Medicina, e o desejo de unir ciência ao cuidado feminino à Ginecologia.
Mas a trajetória não foi linear. Ao se deparar com os limites do sistema — consultas rápidas, prescrições padronizadas e pouca escuta –, cogitou abandonar a profissão. Pensou até em abrir uma esmalteria para promover rodas de conversa e acolhimento entre mulheres. O reencontro com a Medicina veio por meio da terapia hormonal. Foi nesse momento que entendeu o poder de uma prescrição bem-feita, baseada em escuta ativa e orientação qualificada. Decidiu seguir esse caminho e se especializou em áreas como Neurociência e Bioquímica.
Assim, em 2020, fundou o Grupo Ilumina, que reúne clínica de saúde e instituto de ensino e pesquisa voltado ao público feminino, tendo como base a anamnese de pertencimento, avaliação que explora como uma pessoa se identifica e se relaciona com o mundo social, incluindo família, amigos, grupos de interesse, comunidade e cultura. “Uma mulher na menopausa não sofre só com fogachos; pode enfrentar impactos emocionais, cognitivos, sexuais, profissionais e familiares. Tudo isso precisa ser considerado na consulta”, explica.
A vivência na clínica foi a base para a criação do My Pausa que, atualmente, conta com mais sete coordenadores e um grupo de médicos e pesquisadores — 90% mulheres — nas cinco regiões do país para realizar o mapeamento.
Mas para chegar até aqui, Fabiane enfrentou obstáculos. “O maior foi ser ouvida. As pessoas escutam, mas nem sempre ouvem — ainda mais quando você é jovem e mulher. Muitas portas sequer se abriram, e lembro de frases como ‘o que você tem de idade, eu tenho de carreira’”, conta.
Para driblar os desafios, ela apostou na combinação de ousadia, propósito, resiliência e colaboração. “Se você não se arrisca, não sai do lugar. Se não tem um propósito genuíno, não sustenta o projeto, nem encontra bons parceiros. E sem resiliência, desiste na primeira barreira”, diz.
Outro elemento fundamental foi montar uma equipe qualificada, diversa e com competências complementares. “É muita pretensão achar que entendemos de todas as áreas e processos. Enquanto estudo neurociência e farmácia, por exemplo, minha equipe busca as melhores práticas de gestão”.
Para as mulheres que sonham em empreender, a empresária deixa um conselho: “Existe dinheiro circulando. O que falta são boas ideias, sustentadas por dados e propósito. Conecte-se com a sua causa, monte uma rede de apoio e vá em frente”.
Ela destaca que o mundo está cada vez mais atento a iniciativas com impacto social e visão de futuro. A perda de produtividade relacionada à menopausa, por exemplo, pode ultrapassar US$ 150 bilhões por ano no mundo, segundo a consultoria Frost & Sullivan. No Brasil, o mercado de produtos voltados a esse público movimentou R$ 1,88 bilhão em 2024 e deve chegar a R$ 3 bilhões até 2030, de acordo com a Grand View Research. “O impacto é físico, emocional, social e econômico. Tratar a menopausa é cuidar de mães, esposas, líderes, donas de casa, médicas, jornalistas. É cuidar de metade do país”, resume. “E quando você escuta uma mulher, começa a curar muitas outras”.