Frederico Trajano, do Magazine Luiza: foco em modelo de dark store para entregar itens de maior recorrência (Germano Lüders/Exame)
Carolina Riveira
Publicado em 26 de abril de 2020 às 13h03.
Última atualização em 27 de abril de 2020 às 10h27.
No começo de 2019, o Magazine Luiza estreou o mote "Tem no Magalu". O objetivo era convencer o consumidor de que a varejista, mais conhecida por vender eletrônicos e eletrodomésticos, estava se transformando em uma empresa que vende de tudo. Para chegar lá, a companhia da família Trajano investiu 115 milhões de dólares na compra da varejista de artigos esportivos Netshoes (e de sua marca de moda, Zattini), outros 31 milhões de reais na Estante Virtual, de livros, além da aquisição de startups de logística, tecnologia e gestão. Tentando ampliar a presença nacional, a empresa chegou em 2019 à marca de 1.000 lojas e 19 centros de distribuição, expandindo a operação para estados onde não tinha presença física, como Pará e Mato Grosso.
Agora, toda a capilaridade e transformação digital que fez a companhia se tornar a estrela do varejo na bolsa brasileira será posta à prova em meio ao coronavírus: por causa da pandemia, o Magalu acelerou a entrada em categorias de maior recorrência, como itens de supermercado. "Não era o plano do mês que vem. Virou o plano da semana que vem", diz o presidente Frederico Trajano.
Em entrevista exclusiva à EXAME, Trajano falou sobre as mudanças no Magalu, o desafio de ter as lojas físicas fechadas e o plano para que os itens de supermercado não desviem a empresa de sua sustentabilidade financeira. A entrevista faz parte da reportagem de capa desta edição sobre as transformações no e-commerce durante a pandemia.
Durante o isolamento social, os números mostram alta no comércio eletrônico em categorias como alimentos e bebidas, produtos de limpeza e saúde, coisas que antes o consumidor comprava pouco online. É um movimento que veio para ficar?
Quando se observam os países que já passaram por um momento mais grave da crise, como a China, há algumas transformações. Uma delas é que houve uma radicalização da digitalização. Isso é um fato e a gente vê ele acontecendo também no Brasil, que é um país onde o comércio eletrônico ainda é muito subpenetrado. Não faz tanto tempo assim que estamos em isolamento, então mais mudanças ainda estão por acontecer.
O que mudou na operação digital do Magazine Luiza durante a pandemia?
No caso do Magalu, a gente já vinha em um processo. Éramos de longe o e-commerce que mais crescia no Brasil. E, hoje, nosso e-commerce está crescendo muito mais do que já vinha crescendo.
Lançamos uma plataforma, o Parceiro Magalu, para pequenos varejistas analógicos venderem online. O projeto provavelmente só seria lançado muito mais para a frente [se não fosse a pandemia]. Em menos de duas semanas, mais de 15.000 empresas aderiram. No marketplace do Magalu eu demorei três anos para atingir 15.000 empresas. Agora, nossos resultados estão sendo de 50 semanas em cinco dias, por assim dizer. Quase 100% das empresas que entraram nunca tinham feito uma venda online. E, se está fechado, como pode vender? Queríamos oferecer uma solução concreta neste momento. Cobramos taxa de 3,99% dos parceiros, o mercado às vezes cobra 10%.
Nesta pandemia, uma das maiores demandas dos consumidores são itens de supermercado. O Magalu está expandindo a participação nesse segmento? Vocês venderão alimentos perecíveis?
Estamos superabertos a todos os setores. Eu não consigo entrar em alimento perecível ainda. Mas a gente está entrando em tudo. O e-commerce como um todo está crescendo, todas as categorias. Artigos esportivos, por exemplo, esperaríamos que ia cair muito. Mas está sendo o contrário na Netshoes. Como as pessoas não têm mais onde comprar no mundo analógico, foram todas para o online. Está crescendo exponencialmente toda a nossa linha de mercado, produtos de limpeza, higiene pessoal. O supermercado ganhou muita relevância. É uma categoria que não fatura muito, o tíquete médio é menor. Mas ganha-se em quantidade de produtos vendidos.
O foco no ano era moda e artigos esportivos. Supermercado não era nosso foco em 2020. A gente passou a ser relevante nessas categorias do dia para a noite. Não era o projeto do mês que vem e virou o projeto da semana que vem. Repriorizamos tudo. O Magalu as a service [“como serviço”, venda de serviços de varejo, como entregas e gestão, a lojistas parceiros] também se tornou um dos maiores focos.
O fato de varejistas então especializados em eletroeletrônicos e linha branca, como o Magalu, buscarem entrar em supermercado e itens de maior recorrência, mostra que houve uma lacuna nesse segmento que os supermercados especializados não conseguiram preencher no e-commerce?
Logo no começo da crise a gente priorizou muito a categoria de mercado porque vimos que o brasileiro nesse sentido estava mal assistido. Tirando um ou outro player especializado. No Brasil, no geral, o consumidor não tinha a opção de comprar sem sair de casa. No interior de São Paulo, em Franca, não dá para esperar duas semanas por um produto. Em cidades como São Paulo, Rio, Belo Horizonte, até funciona muito bem as opções que há hoje. Você tem empresas de entrega, tem até startups, algumas opções. Mas são serviços que estão concentrados em 15, 20 cidades. O Brasil tem mais de 5.000 municípios. E mesmo em grandes cidades há supermercado pedindo 15 dias para entrega.
O que o Magalu está fazendo para entrar com eficiência na categoria de supermercado?
Estamos focando o formato de dark store ["loja escura", em tradução literal, que só funciona para entrega e não para venda no local]. Os decretos estaduais não permitem retirada em loja. Então a gente transformou as lojas em minicentros de distribuição. Das mais de 1.000 lojas, cerca de 600 estão nesse formato. Em breve esperamos que sejam quase todas. Temos lojas em 800 municípios. E temos outros 19 centros de distribuição. Conseguimos alcançar um bom nível de serviço de entrega em todo o Brasil. É uma capilaridade que está sendo muito importante para nós. Lá fora, muitas operações online funcionam no modelo dark store. Estamos aumentando muito o estoque na categoria de supermercado nas lojas que estão fechadas para conseguir ter entrega em um dia. Também não cobramos frete em nenhum produto de mercado. Ovo de Páscoa, por exemplo, vendemos com Cacau Show, Kopenhagen.
Essas lojas que são minicentros de distribuição funcionam também para produtos de marketplace?
Por enquanto, o estoque das lojas é de produtos próprios. Mas estamos trabalhando para colocar também os parceiros nas nossas lojas, melhorando os prazos de entrega. Estamos falando com atacadistas, por exemplo, para que eles façam esse tipo de parceria.
Dá para concorrer com as redes especializadas e concorrentes que são vistos como vendedores “de tudo”, muito mais do que o Magalu?
Temos 20 milhões de downloads no aplicativo, que os supermercados não têm, e temos capacidade de entrega. Toda a plataforma a gente já tinha. Só não havia o estoque. Então, o que a gente está fazendo é ter profundidade de estoque de itens de mercado e capilaridade desse estoque dentro da nossa malha. Eu não diria que é todo mundo que tem [essa capacidade]. Na prática, pouca gente consegue ter os prazos que temos.
Quais são os maiores desafios dessas novas categorias?
O frete é um desafio. Mercado tem um tíquete baixo. Às vezes, a cesta de compra custa 70, 80 reais, mas, se o cliente pagar uma entrega de longa distância, chega a 30 reais. O consumidor não vai pagar 30 reais de frete. E, se a empresa subsidiar, fica com prejuízo. Então, no caso do supermercado, é essencial esse last mile ["última milha", a parte final da entrega]. Estamos apostando nessa linha de ter o estoque localizado para otimizar a logística. Um celular não precisa de uma logística muito boa. Se a empresa vende um iPhone de 3.000 reais, tudo bem pagar um frete de 30 reais.
Como essa corrida à despensa dos consumidores, até onde o Magalu está disposto a ir? Esse projeto é financeiramente sustentável?
A dark store é um modelo sustentável. No Parceiro Magalu a ideia é também poder habilitar o varejo local a vender – nesse caso, o próprio varejista entrega por enquanto. Esse também é um modelo sustentável. Há operações desse tipo lá fora que estão indo bem.
Confio muito no nosso plano de longo prazo. Falei no ano passado [em entrevista anterior à EXAME] que íamos fazer, e de fato estamos fazendo. O que mudou é que estamos radicalizando um pouco esses projetos. Todo aquele time que estava lá tocando projetos para as lojas físicas agora está concentrado no projeto digital. Estamos colocando muita energia em uma agenda. Estou com as lojas fechadas ao público, da noite para o dia perdi metade do meu faturamento [nesta semana, o Magalu começou a reabrir algumas unidades, após a realização desta entrevista]. Tenho de compensar ao máximo possível esse valor que estou perdendo direcionando para o online. E direcionando para os produtos que as pessoas precisam comprar agora. Por outro lado, segmentos como eletrodomésticos, telefonia, em que somos muito fortes, vão continuar muito relevantes em todo o varejo brasileiro.
Você disse que está conversando com atacadistas para eventuais parcerias. Estão nos planos parcerias com grandes redes de supermercado, como Carrefour e GPA?
Nosso foco é o pequeno e médio, também nesse processo que comentei de inclusão digital. Essa é a prioridade do meu time de desenvolvedores, porque há pouca solução para esse público. Essas grandes redes, de certa forma, têm condição de fazer as próprias parcerias, as próprias cadeias logísticas. Meu foco são redes de supermercados locais, pequenos e médios, que têm capilaridade para entregar localmente. Quero mais chegar a esse "Brasil profundo" do que à população só de grandes cidades.
A reportagem completa sobre a transformação digital do varejo brasileiro e a guerra pela despensa em meio à pandemia está na edição 1.208 da EXAME, disponível em todas as plataformas online.