Centro de inovação ACATE: sede da associação também é o local onde ficará o LinkLab, o mais novo coworking de Florianópolis (Acate/Divulgação)
Gian Kojikovski
Publicado em 17 de maio de 2017 às 16h14.
Última atualização em 20 de junho de 2017 às 16h18.
Reportagem publicada originalmente em EXAME Hoje, app disponível na App Store e no Google Play. Para ler reportagens antecipadamente, assine EXAME Hoje.
Para as empresas de tecnologia sediadas em Florianópolis, capital de Santa Catarina, conseguir um novo funcionário virou uma tarefa para ser resolvida com tática de guerrilha. A Resultados Digitais, startup que é responsável pela maior plataforma de marketing de conteúdo do país — a RD Station —, faz as propostas de trabalho por atacado em envelopes fechados. Eles são entregues, por exemplo, para dezenas de vendedores de um shopping que podem ter o perfil para alguma das vagas abertas na área de vendas da companhia. Foram 115 novos funcionários desde janeiro – até dezembro, serão 250 no total.
A RD, hoje com cerca de 500 funcionários, quer chegar a 1.400 em 2020. Entre as metas da empresa, como a de faturamento e novos clientes, também está a de número de pessoas contratadas a cada mês. Em Florianópolis, pelo menos 160 vagas estão abertas no setor de tecnologia no momento. É um retrato da pujança de um setor que não viu muito a cor da crise.
Casos como o da RD estão por todos os cantos da ilha. A HostGator, empresa americana de hospedagem de sites que tem sua sede brasileira na cidade, já contratou 50 pessoas desde 2016 e pretende adicionar outras 60 até o final do ano. A Softplan, que desenvolve softwares para a construção civil e o setor público, está com 50 vagas abertas para aumentar o time que hoje conta com 1.500 funcionários — eram 170 há 10 anos — em várias partes do país, mas a maior parte na cidade. Em escala menor, são dezenas de outras empresas com histórias parecidas.
O setor de tecnologia contribui para que Santa Catarina tenha a menor taxa de desocupação do país, com 6,2%, no dado divulgado em fevereiro. A média salarial do setor fica abaixo da de outras cidades, como São Paulo, o que é apontado como uma das das principais justificativas das empresas para escolher a cidade. Como o custo de vida em Florianópolis está entre os mais altos do país, a vida dos empregadores tende a ser mais fácil que a dos empregados.
Essa corrida por contratações do setor de tecnologia em Florianópolis revela a ponta de um ecossistema de inovação que vem ganhando destaque no país. Hoje, são 900 empresas na área de tecnologia na Grande Florianópolis e quase 20.000 pessoas trabalhando na área. O setor faturou 4,3 bilhões em 2015, ano do último dado disponível. Nos últimos 12 meses, as startups da região receberam quase 100 milhões de reais em investimento de capital de risco.
A cidade consegue replicar com sucesso ideias vindas de fora, como é o caso do LinkLab, um coworking que pretende colocar em um mesmo espaço grandes empresas e startups selecionadas em turmas. O projeto lança sua primeira chamada de startups na terça 16 e já tem suas oito cotas para grandes companhias patrocinadoras vendidas. Estarão no local a Ambev, de bebidas, a Marisol, de vestuário, a Engie, maior geradora privada de energia elétrica do país, entre outras. “Montamos nosso primeiro escritório de inovação em tecnologia da informação em 2012 em Palo Alto, na Califórnia, e expandimos para outros países, como Israel e China. No Brasil, somos parceiros do Cubo [outro coworking nos mesmos moldes do LinkLab, mas em São Paulo] e agora fechamos essa parceria com a Acate [associação catarinense de empresas de tecnologia]”, diz Luiz Henrique Gondim, diretor de TI da Ambev.
“Floripa foi a melhor combinação que encontramos entre geografia, ecossistema empreendedor forte e parceiros para direcionar nossos investimentos em inovação. Isso porque precisávamos de todos esses elementos reunidos em um lugar para darmos esse passo”, diz Roberto Dagnoni, da B3, que passou a apoiar projetos no local ainda como Cetip, antes da fusão com a BM&F Bovespa.
Por mais ambição
O cheiro de tinta e os móveis desorganizados fazem parte de um cenário comum para quem visita os escritórios de startups na capital catarinense, como fez EXAME Hoje. Uma brincadeira comum entre alguns círculos de empreendedores da capital catarinense é que as startups são empresas de mudança que às vezes produzem alguns softwares.
É o que acontece, por exemplo, com a Arctouch, uma empresa que desenvolve aplicativos para grandes clientes de fora do Brasil, como Audi, Yahoo!, Salesforce, Adidas. Embora já esteja em uma nova sede, o local ainda está inacabado. Faltam acabamentos, mas o espaço de convivência, com comida e cerveja liberada, está lá. Com sócios brasileiros e americanos, a área de vendas fica no Vale do Silício, mas praticamente toda a força de desenvolvedores é baseada em Florianópolis. “Com o desenvolvimento aqui, conseguimos oferecer aos clientes o produto com um preço competitivo e temos profissionais praticamente do mesmo nível dos americanos”, diz Cristiano Souza, diretor-geral da empresa no Brasil.
Na cidade, existem quatro fundos de capital de risco, duas incubadoras, duas aceleradoras, quinze centros universitários, dez institutos de pesquisa, além de programas de mentoria e troca de conhecimento entre executivos de empresas consolidadas e jovens empreendedores. É o ciclo completo para que as ideias virem pequenos negócios, depois médias empresas, e assim por diante.
A maior parte das companhias da cidade ainda busca seu lugar ao sol, mas algumas já chegaram lá. É o caso da Chaordic, que produz um algoritmo de recomendação para e-commerce, vendida para a empresa de tecnologia Linx em 2015 por 55 milhões de reais, e da Axado, que faz gerenciamentos de fretes para e-commerce, e foi adquirida pelo Mercado Livre em 2016 por 26 milhões de reais.
O maior desafio, para as empresas e para a cidade, é aumentar a ambição de suas companhias. Se Florianópolis quer virar referencia internacional em empreendedorismo digital, algumas de suas empresas têm que sair da casa das dezenas e ir para a das centenas de milhões de reais de reais de faturamento. Ainda não vimos sair de Florianópolis uma grande empresa do setor de tecnologia, do porte da Movile, de Campinas, ou da TOTVS, de São Paulo.
Um dos fatores que dificulta esse passo é o foco das companhias instaladas na cidade. As empresas mais promissoras da cidade são, principalmente, focada em prestação de serviços para outras companhias. Dão menos prioridade a serviços para consumidores finais – como, por exemplo, uma rede social. Desta forma, para crescer, precisam de eficientes forças de venda, e dependem de uma reputação construída aos poucos. Não têm crescimento astronômicos como os aplicativos do Vale do Silício, para ficar num exemplo limite.
Uma mudança importante para Florianópolis é a chegada do Peixe Urbano, empresa carioca de compras coletivas, que se mudou para a cidade no começo deste ano. Entre os motivos listados à época estavam os tributos e aluguel menores, qualidade de profissionais formados e apoio do poder público. O plano é ter 400 funcionários na cidade até dezembro.
Em outra frente, a Acate, uma das principais responsáveis pela organização do ecossistema local, pretende chegar a outros mercados. A associação inaugurou este ano uma sede em São Paulo e planeja levar o LinkLab para a cidade. Neste mercado de tecnologia, ficar parado, definitivamente, não é uma opção.