Negócios

Flexibilizar a CLT pode gerar empregos, diz CEO da Amcham

Primeira mulher a comandar a Amcham em quase um século, Deborah Vieitas conversou com EXAME.com sobre diversidade nas empresas e sobre os rumos da economia


	Deborah Vieitas: "estamos numa boa trajetória para a retomada do crescimento", disse
 (Divulgação/amcham)

Deborah Vieitas: "estamos numa boa trajetória para a retomada do crescimento", disse (Divulgação/amcham)

Luísa Melo

Luísa Melo

Publicado em 11 de outubro de 2016 às 15h27.

São Paulo - Neste mês, Deborah Vieitas completa um ano no comando da Amcham Brasil – a primeira mulher a liderar a organização em 98 anos.

A Câmara Americana de Comércio do país é a maior do mundo, dentre as 104 que existem fora dos Estados Unidos. Ela tem mais de 5.000 associados, 13 unidades e mais de 300 funcionários no Brasil.

A associação empresarial promove o networking e debates entre executivos, aproxima as companhias do governo, realiza pesquisas de mercado e auxilia seus membros na mediação de conflitos e em serviços burocráticos como a retirada de vistos de negócios para os EUA.

Deborah Vieitas fez carreira no setor bancário. Antes de presidir a Amcham, ela foi CEO do banco português Caixa Geral no Brasil e liderou também a ABBI (Associação Brasileira de Bancos Internacionais).

À frente da Câmara Americana, abraçou a causa da diversidade no ambiente corporativo. Sob sua batuta, a organização criou um comitê que se reúne a cada dois meses para discutir o tema, lançou um curso e uma cartilha para preparar as companhias para adotar programas de inclusão e desenvolveu um workshop para capacitar empreendedoras para exportar. Mais de 650 diretores foram envolvidos nessas ações.

Outra bandeira que a executiva levantou foi a da competitividade e da produtividade. Ela defende que as empresas têm muito o que melhorar para conseguir sucesso nesses dois temas, mas que o governo precisa ajudá-las, por meio da instituição de um ambiente de negócios mais favorável.

Quanto ao último ponto, Déborah crê que o país está no caminho certo e que o governo Temer conseguirá aprovar as reformas de que a economia depende para voltar a crescer. "Estamos numa boa trajetória para a retomada", disse.

Na conversa com EXAME.com, ela defendeu a aprovação da PEC que limita os gastos públicos, a flexibilização das leis trabalhistas e a simplificação do sistema tributário do país. Também disse que, atualmente, as tarifas não são a maior barreira para o comércio internacional. Veja os melhores trechos da entrevista.

EXAME.com - É simbólico que a primeira mulher a comandar a Acham em quase um século abrace a causa da diversidade. Por que escolheu trabalhar esse tema?

Deborah Vieitas - A diversidade ainda é um tema novo e que ainda está mais presente nas grandes empresas do que nas pequenas. Todas as pesquisas com referência a mulheres no ambiente de trabalho, de dentro ou de fora do país, apontam que falta muito para a igualdade de gênero nas companhias, em todos níveis hierárquicos.

Eu, como mulher, não poderia deixar de promover isso. E a questão da equidade de gênero é só uma das facetas da diversidade. Há muitos outros quesitos para explorar.

Por outro lado, se esse assunto está ganhando importância, é porque as empresas sabem que estarão mais preparadas se forem mais diversas. As empresas devem ser um retrato do que a sociedade e seus consumidores são. Quanto mais elas absorverem esse tema, mais próximas estarão do consumidor.

EXAME.com - Como a Amcham pode ajudar as empresas a se engajar nessa causa?

Deborah Vieitas -  A gente tem um conjunto de iniciativas. Cumprimos nosso papel, que é trazer conteúdo e promover a discussão sobre o tema. Para uma entidade que quer criar um melhor ambiente de negócios e luta por isso, falar de diversidade é muito importante.

EXAME.com - Como foi sua trajetória profissional? Enfrentou preconceito por ser mulher?

Deborah Vieitas -  Eu faço parte de uma geração em que a presença das mulheres era limitada ainda nas faculdades. Escolhi uma profissão que tinha esse desenho [Deborah é formada em administração e jornalismo].

Fui trabalhar em banco porque eu tinha grande interesse na área internacional e, naquela época [início dos anos 1980], era onde havia mais oportunidades.

Nunca foi fácil, mas sempre procurei fazer o que eu gostava e estive muito focada em resultados, em fazer bem. Tive a experiência de trabalhar em empresas de capital nacional e multinacional. Nas de fora, havia mais abertura para a carreira de mulheres.

A sua trajetória é você quem você faz. Fui CEO de um banco (o português Caixa Geral) e também da ABBI (Associação Brasileira de Bancos Internacionais). Acho que isso mostra que, mesmo num espaço conservador, estamos conseguindo evoluir. Ter preparação e foco também ajuda.

EXAME.com -  A presença da mulher nas empresas diminui conforme a hierarquia aumenta. Pela sua experiência, a que você credita esse fato?

Deborah Vieitas - As empresas ainda não desenvolveram as formas adequadas para reter as mulheres que estão no momento de construir suas próprias famílias, de criar e educar seus filhos na primeira infância.

Elas têm feito muitas tentativas. Muitas oferecem o home office, por exemplo, mas a própria mulher tem um grau um de exigência grande e, muitas vezes, tem certa dificuldade de acomodar suas demandas em alguns momentos da vida.

EXAME.com - O que as companhias podem fazer para mudar esse quadro? Quais são os mecanismos adequados?

Deborah Vieitas - Essa é uma questão de flexibilidade e entendimento entre as partes, com foco principalmente nos resultados.

Para apoiar as mulheres, podem ser adotadas práticas sem custos, como por exemplo a obrigatoriedade de ter pelo menos uma candidata para as oportunidades de trabalho na empresa.

A minha vinda para a Amcham obedeceu a esse critério. A Câmara tinha essa vaga e decidiu que analisaria homens e mulheres para preenchê-la. É possível ter candidatos dos dois sexos, desde que todos tenham as qualificações necessárias.

Eu diria também que o coaching é um instrumento muito importante para as pessoas terem crescimento profissional, tanto os homens quanto as mulheres.

EXAME.com - Acha que a experiência tanto na linha de frente de um banco quanto na de uma associação é um diferencial para comandar a Amcham?

Deborah Vieitas - Uma entidade do porte da Amcham requer competências para gestão. Temos quase 300 funcionários, é uma instituição grande, com capilaridade no Brasil todo. São 13 unidades, de Fortaleza a Porto Alegre.

Mas a ABBI me ensinou a levantar bandeiras que são importantes para uma entidade. Temas como a troca de práticas empresariais e outras ações que fortaleçam o ambiente de negócios no Brasil e ajudem o setor privado a cumprir seu papel na economia.

EXAME.com - Por que Amcham levantou a bandeira da produtividade e como ela tem promovido esse tema?

Deborah Vieitas - Uma de nossas missões para 2016 e 2017 é falar sobre a competitividade. Dentro desse tema, há duas vertentes: o que as empresas podem fazer por si mesmas e onde o governo precisa agir.

Na primeira, da porta para dentro, é que entra a questão da produtividade e também da inserção nos mercados globais. Para isso, elas podem rever seus processos e adicionar tecnologia a eles.

Quando falo de tecnologia, é no sentido amplo. A tecnologia tem modificado modelos de negócios, trazido mercados que até então não existiam e podem não ser mais os mesmos futuro. As companhias têm que, ao mesmo tempo, repensar seus modelos de negócio e descobrir se seu produto pode ter competitividade internacional.

EXAME.com E quanto à responsabilidade do governo?

Deborah Vieitas - Da porta para fora, atuamos em três grupos de trabalho: como aumentar a eficiência tributária, já que nosso sistema é pesado e complexo e demanda uma locação pesada de recursos por parte das empresas; como aumentar o acesso das companhias brasileiras a outros mercados, com acordos comerciais e de investimentos; e como flexibilizar as leis trabalhistas, fazendo prevalecer as convenções coletivas, mesmo que elas não se enquadrem em tudo que está previsto na legislação trabalhista.

Este último ponto é para dar mais oportunidade de crescimento às empresas que têm horários diferentes dos convencionais, para que as pessoas possam trabalhar menos horas sem esbarrar muito na CLT, o que, inclusive, poderia gerar mais empregos.

EXAME.com - Como defender a flexibilização das leis trabalhistas sem trazer prejuízos para o funcionário, sem precarizar o mercado de trabalho?

Deborah Vieitas - É muito importante que os sindicatos estejam alinhados com seus associados. Eles devem estar preparados para essa discussão. O objetivo não é eliminar compatibilização dos interesses entre as duas partes.

EXAME.com - Uma pesquisa feita pela Amcham mostrou que, passado o processo de impeachment, a maioria dos empresários voltaria a investir. Mas esses aportes ainda não estão aparecendo na vida real. O que falta para isso acontecer?

Deborah Vieitas - Dos executivos que frequentam a Amcham, 61% disseram que vão retomar os investimentos no curto prazo. Mas é claro que eles também entendem que a economia só voltará a crescer com a concretização das medidas propostas pelo governo.

Vamos assistir progressivamente à retomada desses investimentos na medida em que se concretizarem as reformas.

EXAME.com - Pessoalmente, você acredita que as reformas serão colocadas em prática? Quais são as mais urgentes?

Deborah Vieitas - Sim. Nesse primeiro momento, o indicador mais relevante [de que as reformas sairão do papel] seria a aprovação da PEC do teto dos gastos públicos (A PEC 241, aprovada pela Câmara em primeiro turno na noite de segunda-feira, 10).

Dadas as turbulências que enfrentamos no cenário político, é necessário para a retomada do crescimento um ambiente mais favorável para os investidores. E o próprio presidente Temer, quando esteve em um evento da Amcham e da AS/COA (Americas Society and Council of the Americas), convidou os investidores a virem para o Brasil e assegurou que teremos oportunidades e segurança jurídica.

Estamos numa boa trajetória para retomar nosso crescimento progressivamente.

EXAME.com Acredita que o Brasil já voltará a crescer no próximo ano?

Acredito, sim, que vamos crescer em 2017. Nossa visão está alinhada com as previsões dos economistas mais otimistas. O crescimento será modesto, mas virá.

EXAME.com - Do ponto de vista da internacionalização de negócios, como você avalia o relacionamento Brasil-Estados Unidos hoje?

Deborah Vieitas - A relação está muito positiva. Temos recebido a visita de importantes autoridades americanas, como a do secretário do Tesouro americano, Jacob Lew [que esteve no Brasil na última semana de setembro].

A porta está aberta para o Brasil, mas o mundo hoje está muito mais complexo, com acordos comerciais em blocos econômicos.

EXAME.com - Quais são as principais barreiras comerciais atualmente?

Atualmente, as barreiras comerciais talvez sejam menos importantes do que outras barreiras criadas dentro desses blocos, como exigências referentes a meio ambiente e sustentabilidade, de convergência regulatória, de padrões para trabalho...

Temos que nos tornar competitivos, mas para um mundo que está se organizando em torno de outros padrões que não são as tarifas.

EXAME.com -  Quanto tempo você ainda deve ficar no comando da Amcham?

Deborah Vieitas -  Não existe um mandato definido para CEO, só para o conselho. Por enquanto, estou muito entusiasmada com o que tenho para fazer, estou apenas começando os projetos.

EXAME.com - Além do que já conversamos, que outra marca você acredita ter deixado nesse primeiro ano à frente da associação?

Deborah Vieitas -  Estou realizando todos os esforços para nos tornar mais digitais. Lançamos no nosso site mais de 100 vídeos ligados às nossas atividades e também criamos o Connect, plataforma online onde os sócios poderão apresentar oportunidades de negócios e buscar interesses. 

Desenvolvemos essa solução porque sabemos que, nesse contexto econômico difícil, os sócios têm menos oportunidade de trocas. Precisávamos encontrar uma ferramenta que os ajudasse.

Leia também:

Cota para mulheres é uma boa? Grandes executivos respondem

+ O problema do Brasil é a dívida das empresas, diz economista

Acompanhe tudo sobre:CLTComércioDiversidadeEmpresasImpostosLeãoLegislaçãoLeis trabalhistasMDB – Movimento Democrático BrasileiroMichel TemerMulheresMulheres executivasPEC do TetoPolítica no BrasilPolíticosPolíticos brasileiros

Mais de Negócios

Com US$ 123,5 milhões de dívidas, o BuzzFeed ainda tem salvação?

Com expansão de unidade, ArcelorMittal posiciona SC como polo de inovação em aço

Para Bill Gates, estes são os melhores livros de 2024

Elas criaram startup que conecta pequenos produtores a grandes indústrias