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Fica, vai ter bolo de Natal

Jardel Sebba Você certamente já passou algum Natal sem árvore, sem peru ou mesmo sem a família por perto, por diferentes razões. Agora tente lembrar de um Natal que você não viu um panetone por perto. A guloseima natalina, que nasceu na Itália e chegou ao Brasil com os imigrantes pós-Segunda Guerra, é um fenômeno […]

O PANETONE: presente em 44% das casas brasileiras, o pão de natal não sentiu os efeitos da crise  / Veja Rio

O PANETONE: presente em 44% das casas brasileiras, o pão de natal não sentiu os efeitos da crise / Veja Rio

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Da Redação

Publicado em 23 de dezembro de 2016 às 12h42.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h44.

Jardel Sebba

Você certamente já passou algum Natal sem árvore, sem peru ou mesmo sem a família por perto, por diferentes razões. Agora tente lembrar de um Natal que você não viu um panetone por perto. A guloseima natalina, que nasceu na Itália e chegou ao Brasil com os imigrantes pós-Segunda Guerra, é um fenômeno que há muito deixou de ser um mero e sazonal bolo de frutas cristalizadas para se tornar ícone do fim de ano, que hoje varia enormemente de preço e de sabor e, ainda assim, não perde a essência.

Pesquisa Nielsen sobre os hábitos do Natal de 2015 identificou que 83% dos lares brasileiros tiveram uma ceia natalina. E, em 38,9% destes, o panetone esteve lá, e com presença destacadamente equilibrada nos três graus de poder aquisitivo identificados pelo instituto – e na frente do chester e do pernil, ícones da mesa de fim de ano. Dados da empresa de pesquisas Kantar Worldpanel levantados entre novembro de 2015 e janeiro de 2016, ou seja, do primeiro panetone a surgir na gôndola até o último a ser tirado de cena, apontaram a presença do bolo natalino em 44,5% das casas do país.

É muito, mas não é tudo. Além de transitar com desenvoltura entre classes sociais e ir das tradicionais frutas cristalizadas à recém-lançada versão Banana com Canela, o panetone ainda faz volume na balança comercial brasileira. Em 2015, foram 3.500 toneladas exportadas do produto, que renderam quase 11,8 milhões de dólares – a título de comparação, em 2011 os dois índices eram cerca de 35% menores. A exportação em 2015 seguiu para 36 países, sendo que a maior parte ficou nos Estados Unidos, mais de 2.000 toneladas, seguidos, curiosamente, pelo Peru, que comprou mais de 450 toneladas do produto.

“O consumo do panetone cresce, e isso se deve à grande quantidade de lançamentos e à diversificação de sabores que chegam ao mercado todos os anos”, celebra Claudio Zanão, presidente executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Biscoitos, Massas Alimentícias e Pães & Bolos Industrializados (Abimapi).

Zanão prevê que o consumo em 2016 deve ficar no mesmo patamar do ano passado, em torno de 500.000 toneladas. Ele não está sozinho no otimismo. Pesquisa do Departamento de Economia e Pesquisa da Associação Brasileira de Supermercados sobre as expectativas de venda de fim de ano em 2016, que foi divulgada em novembro, projetava o panetone, ao lado das frutas secas, como o produto típico com maior potencial de aumento de vendas, em torno de 2,12%.

Crise? Que crise?

Ou seja, nos últimos três anos, enquanto o mundo repetia a expressão “Natal da Crise”, o bolo natalino fingiu-se de surdo. Ano passado, por exemplo, uma análise da Confederação Nacional de Comércio de Bens, Serviços e Turismo previu o primeiro Natal com retração no consumo desde 2004, algo equivalente a 32,2 bilhões de reais em todo o país, um número 4% menor que o de 2014. Ainda assim, o panetone não se abalou.

“O panetone fala com todos os públicos. Lançamentos como o Alpino ou o Leite Moça falam para classes A e B, onde há um nicho de mercado, enquanto a versão churros fala para as classes C, D e E, onde se ganha no volume”, diz o presidente da Abimapi, que também vê na maior oferta de importados um estímulo ao crescimento do mercado. “A importação ainda é pequena, mas a oportunidade de consumir produtos de diferentes países ajuda a expandir o mercado, ao estimular a procura por um produto diferenciado”, avalia Zanão. “E, além de alimento, o panetone entrou na categoria de presente, muito em função de todas essas novidades”, conclui.

Foi exatamente nisso que a principal marca do país se afiançou no Natal de 2015. A Pandurata Alimentos, dona, entre outras, da Bauducco, segurou o preço e expandiu a oferta em cerca de dez por cento, algo estimado em 75 milhões de unidades de panetones.

Mas por que a estratégia de uma empresa (que comanda outras marcas conhecidas pelo panetone, como Visconti e Tommy, e outras como Ovomaltine, que distribui, e Hershey’s, com a qual tem uma joint venture) é tão determinante? Simples: Bauducco não só é a principal marca na história do panetone no Brasil, como detém mais da metade do mercado nacional.

A saga do bolo natalino no Brasil teria começado, segundo a empresa, a partir de um pedaço de massa trazido por Carlo Bauducco de Turim para São Paulo, em 1948. Quatro anos mais tarde, ele lançou o panetone com o seu sobrenome, e nos anos seguintes a empresa decolou. Dez anos depois, abriu sua primeira fábrica em Guarulhos, que expandiu a produção e a variedade de produtos.

Em 1965, surgiram os panetones em caixas, fundamental para quem quis transformar o bolo em presente de Natal, cinquenta anos depois. Em 1978, a empresa fundada por Carlo lançou o Chocottone, o que conquistou um público novo para o universo do panetone. A Pandurata não divulga dados sobre suas finanças, mas em março deste ano fechou acordo de empréstimo de 40 milhões de dólares com a International Finance Corporation (IFC), elo do Banco Mundial com o setor privado. Recentemente, já com cinco plantas industriais, a empresa abriu duas filiais internacionais, em Miami e em Buenos Aires.

Autointitulada a segunda maior fabricante de panetone do Brasil, com cerca de 16 milhões de unidades, a Village tem hoje no bolo natalino cerca de 60% do total de sua produção e 50% do que ela exporta. “A exportação ganhou atenção especial nos últimos dois anos, centrada principalmente na América Latina, e deve fechar 2016 respondendo por 9% do faturamento total da empresa”, conta Reinaldo Bertagnon, diretor de vendas da Village – e que não revela de quanto seria esse faturamento.

Segundo ele, a empresa não sentiu a crise porque ainda há muito espaço para crescer no mercado de panetone brasileiro. “Nas regiões Norte e Nordeste, por exemplo, o panetone com mais qualidade começou a ser trabalhado há apenas cinco anos”, revela Bertagnon.

Ser a segunda fabricante em um mercado cuja primeira tem mais da metade das vendas totais exige um esforço de diferenciação. “Todo ano, a gente lança novos produtos para fortalecer nossa marca”, explica o diretor da Village, “Nosso panetone light, por exemplo, foi lançado há nove anos e é um produto único neste mercado. Ele é um panetone sem adição de açúcar, sem lactose, sem gordura trans, tem 26% a menos de calorias e é feito com sucralose, atendendo tanto ao diabético quanto a quer apenas cortar a gordura”, exemplifica Bertagnon.

Novas marcas chegam a cada ano. Na fabricante de chocolates Cacau Show, as vendas de natal já são quase tão representativas quanto as da páscoa, e as filas nas lojas se formam mesmo com crise. Tudo graças aos panetones, que por lá podem ter sabores como brigadeiro e caju e canela. A concorrência segue pela mesma toada. “O Natal hoje representa para nós 25% do volume de vendas do ano”, diz Renata Moraes Vichi, vice-presidente executiva do Grupo CRM, dono das marcas Kopenhagen e Chocolates Brasil Cacau.

Segundo ela, em um ano “atípico” em termos macroeconômicos como foi 2016, as marcas estão trabalhando para manter o volume de vendas do ano passado – o que, em termos de panetone, dá um total de 900.000 unidades. Renata também percebeu a mudança de status do panetone, o que o levou a concorrer com produtos fora de seu meio. “Percebemos que nosso volume cresceu em 2015 porque o panetone começou a concorrer com opções de presente, como o mercado de vestuário ou o de cosmético”, conclui.

Há ainda quem olhe para diferentes lados do mesmo ponto de vista. O Grupo Pão de Açúcar aposta há mais de cinco anos nos panetones da marca exclusiva Qualitá, que em 2016 aumentou em mais de meio milhão de unidades, o equivalente a 50% no volume em relação a 2015. “Até o momento, aproximadamente 80% desse volume já foi vendido”, informa a assessoria de imprensa do grupo. Em outra frente, a dos panetones artesanais, este ano as padarias das lojas Extra, do Grupo Pão de Açúcar, produziram aproximadamente 3,4 milhões de unidades de panetones em todo o Brasil, 13% a mais que o ano passado. Este ano as padarias do Extra ainda lançaram o panetone de churros e de brioche de floresta negra.

Da tradição ao Limoncello

A origem do panetone é cercada por histórias variadas e não muito precisas. Por isso, convidamos um especialista no assunto para nos dar a versão definitiva – ou todas elas. Confira as quatro versões para a origem do panetone contadas pelo jornalista especializado em história da gastronomia, diretor da revista Gosto e colunista de VEJA, J.A. Dias Lopes:

1. “A primeira atribui a invenção a um homem chamado Toni, ajudante da cozinha de Ludovico Sforza, duque de Milão, no final do século 16. Como não tinha dinheiro para o dote e demais despesas do casamento da filha, ele preparou um pão doce e rico, que serviu na festa nupcial. Teria nascido assim o ‘pane di Toni’”

2. “A segunda também envolve Ludovico Sforza. Em um dos banquetes de Natal oferecidos pelo duque, o cozinheiro queimou a sobremesa, tornando-a imprestável. Mas contornou o problema servindo um pão doce que um subalterno chamado Toni fizera a título de experiência.”

3. “Outra versão, igualmente ambientada na corte de Ludovico Sforza, conta que um jovem de nome Ughetto, filho de Giacometto degli Atellani, escudeiro do duque, apaixonou-se por Adalgisa, a filha de um padeiro. Como a moça era pobre, os pais do rapaz contrariaram o namoro. Mas Ughetto teve a luminosa ideia de trabalhar na padaria da família da noiva e inventar um pão doce que fez sucesso e a enriqueceu, casando a seguir com Adalgisa.

4. “A última história credita a invenção a uma freira igualmente chamada de Ughetta. Ela vivia num convento de jovens religiosas, ameaçadas pela falta de recursos de passar um Natal pobre e sem graça e teve a inspiração de acrescentar à massa de pão um pouco de açúcar, bastante manteiga, ovos e pedacinhos de cidra. Colocou-a para levedar demoradamente e traçou com a ponta da faca uma cruz em cima, deixando-a assar e dourar, formando relevos típicos remanescentes no atual panetone artesanal milanês, ainda feito sem aditivos ou conservantes e com uma técnica complicada que exige mais de dois dias de trabalho.”

De acordo com a letra fria da lei instituída em 2005, só pode ser chamado de panetone italiano se for feito com farinha, sal, açúcar, ovos, nata e frutas cristalizadas. Como sempre acontece, todas essas regras, porém, nunca impediram que se encontrasse panetone até de Limoncello, clássico licor do sul do país. Como também não impede que uma empresa multinacional como a Starbucks lance em seu cardápio de fim de ano cafés sabor panetone, cobertos com frutas cristalizadas. É quase uma versão do Manifesto Antropofágico em plena ceia de natal. Relaxe a aproveite enquanto ele estiver por perto – em geral, pelo menos durante até a primeira metade de janeiro.

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