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As denúncias contra a Amazon por trás da doação bilionária de Bezos

Funcionários demitidos após acidentes de trabalho e pressão contra impostos em prol dos mais pobres estão no currículo da Amazon.

BEZOS: no acumulado de 2018, a Amazon valorizou 52,84% e já tem valor de mercado de 867,8 bilhões de dólares / REUTERS/Lindsey Wasson/ File Photo (Lindsey Wasson/Reuters)

BEZOS: no acumulado de 2018, a Amazon valorizou 52,84% e já tem valor de mercado de 867,8 bilhões de dólares / REUTERS/Lindsey Wasson/ File Photo (Lindsey Wasson/Reuters)

Mariana Desidério

Mariana Desidério

Publicado em 15 de setembro de 2018 às 07h00.

Última atualização em 15 de setembro de 2018 às 07h00.

São Paulo – A notícia de que Jeff Bezos vai criar um fundo de 2 bilhões de dólares voltado à filantropia trouxe à tona os fantasmas da gigante do varejo fundada por ele.

Anunciado ontem, o fundo do CEO da Amazon vai ajudar iniciativas voltadas a ajudar famílias sem teto e criar pré-escolas para comunidades de baixa renda. A verba que o homem mais rico do mundo destinou para a filantropia é pouco mais que 1% de sua fortuna, avaliada em 160 bilhões de dólares. Mas não foi só a discrepância que chamou a atenção.

Uma reportagem publicada pelo jornal britânico The Guardian em junho relata casos de funcionários que se machucaram em serviço e acabaram sem casa e sem condições de voltar ao trabalho. Em todos os casos, eles trabalhavam nos estoques da Amazon, famosos por sua eficiência e rapidez.

Um dos casos é o de Vickie Shannon Allen, de 49 anos, que trabalhava em um armazém da Amazon no Texas. Em 2017, ela precisou atuar sem um equipamento de proteção e machucou as costas.

Depois de idas e vindas em que a funcionária ficou dias sem receber e teve seu atendimento de saúde suspenso, a Amazon ofereceu a ela uma indenização de 3.500 dólares. Em troca, Allen não poderia falar sobre o tema. Ela não aceitou.

Num outro caso, uma funcionária de um centro de distribuição na Pensilvânia foi demitida cinco semanas após sofrer um acidente de trabalho. Pouco depois da demissão, ela perdeu sua casa.

Há ainda relatos de funcionários que urinam em garrafas para evitar ter que ir ao banheiro, tamanha é a cobrança por produtividade nos estoques da companhia. Casos como esses são descritos no livro “Hired: six month undercover in low-wage Britain” (em tradução livre: “Contratado: seis meses em empregos de baixa-remuneração na Grã-Bretanha”). O livro foi escrito pelo jornalista James Bloodworth, que trabalhou na empresa para contar a história (ele pode ser encontrado, veja só, na Amazon).

Situações parecidas são descritas pela plataforma Organise, que atua em prol dos direitos do trabalhador. Uma pesquisa da entidade diz que 74% dos funcionários da Amazon evitam ir ao banheiro por medo de perderem produtividade.

Em ambos os casos, a companhia divulgou um posicionamento. “A Amazon criou mais de 130 mil empregos só no último ano e agora emprega 560 mil pessoas em todo o mundo. Garantir a segurança desses associados é nossa prioridade número um”, disse a porta-voz da empresa ao The Guardian.

Ao site The Verge, que noticiou a pesquisa feita pela Organise, a companhia afirmou que “oferece um local de trabalho seguro e positive para milhares de pessoas no Reino Unido, com pagamentos competitivos e benefícios desde o primeiro dia”. A empresa também levatou dúvidas sobre a veracidade da pesquisa noticiada.

Lembrete

Na visão de Cale Guthrie Weissman, jornalista da Fast Company, Bezos vai doar dinheiro para solucionar um problema que sua empresa perpetua. “Antes de aplaudir com tanto entusiasmo o esforço de filantropia, talvez também devêssemos olhar para quem está perpetuando essa pobreza”, escreveu.

O economista holandês Robert Went faz uma crítica semelhante. “Cada dólar doado por Jeff Bezos é em parte um lembrete de que muitos de seus funcionários merecem um aumento. Também é um lembrete de que a Amazon ajudou a esmagar o esforço recente da cidade de Seattle para resolver sua epidemia de desabrigados”, escreveu no Twitter.

O post de Went nos lembra de que o anúncio de Bezos aparece apenas três meses após uma disputa acirrada entre o bilionário e o município de Seattle, nos Estados Unidos.

A cidade considerou criar um imposto cujo dinheiro seria revertido justamente para serviços voltados a moradores de rua e para a criação de moradias acessíveis. Mas a Amazon não gostou da ideia, acusou a cidade de desperdiçar dinheiro e ameaçou reduzir as contratações no município se o imposto fosse implementado. A taxa não foi criada. Há disputas semelhantes em cidades como São Francisco, cujos aluguéis tornaram-se proibitivos depois do boom das empresas de tecnologia.

A Amazon também tem sido um grande alvo do senador norte-americano Bernie Sanders, em suas manifestações contra a desigualdade e os incentivos fiscais recebidos por grandes companhias nos Estados Unidos, também é alvo do próprio presidente do país Donald Trump.

Com tantas críticas, fica difícil se entusiasmar com a iniciativa filantrópica de Bezos – e 2 bilhões de dólares parecem pouco.

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