Retroescavadeira da Massey Ferguson, da AGCO (Divulgação/Nilson Konrad)
Da Redação
Publicado em 16 de novembro de 2013 às 15h02.
São Paulo - As previsões para o Brasil, se é que é possível fazer alguma nesse momento, vão da possibilidade do país sair ileso da crise financeira global, como diz o jornal britânico Financial Times, à afirmação do prêmio Nobel de Economia de 2001, Joseph Stiglitz, de que não estamos imunes à crise. Pelo contrário. Segundo ele, o Brasil corre o risco de sofrer uma bolha na agricultura, o setor que até poucas semanas atrás era tido como um dos mais promissores por aqui.
“Podemos ter uma bolha na agricultura brasileira, porque muitos investidores estrangeiros colocaram seu dinheiro nas commodities nos últimos meses, fugindo do dólar”, diz Stiglitz. Como conseqüência, segundo ele, isso gerou uma alta nos preços dos alimentos, mas também pressionou para cima o preço da terra brasileira. Com a crise, o primeiro impacto é o fim dos créditos e dos investimentos e as dívidas contraídas no Brasil podem ser um problema no campo. “Tudo indica que os preços das commodities vão cair. A bolha no Brasil pode estar no campo. Ninguém está imune à crise. O Brasil, por melhor preparado que esteja, também não está imune”, diz Stiglitz.
Os dois principais fabricantes de máquinas agrícolas do país, John Deere e AGCO, disseram a EXAME que não acreditam no pior. Para eles, o consumo de alimento é o último a cair numa crise. “Chineses e indianos - estamos falando mais ou menos de 1/3 da população mundial - estão se alimentando de uma maneira cada dia melhor, e uma vez que você melhora a alimentação, você está mais inclinado a desistir da compra de um outro bem.
Talvez espere pela nova geladeira, pela televisão, mas não deixa de se alimentar melhor”, diz André Carioba, vice-presidente da AGCO para a América do Sul. “O nosso cliente agricultor diz que as commodities estão mais baratas do que semanas atrás, mas muito acima do que estavam há dois ou três anos”. Além disso, segundo ele, os estoques mundiais de grãos não estão muito elevados. “Pelo contrário, os estoques são historicamente baixos, o que indica que precisamos produzir para manter o circuito vivo”, diz Carioba.
A AGCO Corporation produz tratores e colheitadeiras que são distribuídos através de mais de 3.000 concessionárias e distribuidores independentes em mais de 140 países. Ela é dona das marcas Massey Ferguson e Valtra, entre outras. Com sede em Duluth, Geórgia, faturou 6,8 bilhões de dólares em 2007.
Carioba diz que os fabricantes de máquinas agrícolas, ônibus e caminhões em geral já estão com suas vendas praticamente fechadas até o final do ano, portanto, não houve impacto imediato nos negócios com o agravamento da crise. “O que preocupa um pouco são as linhas de crédito. Aí sim, os cintos estão mais apertados. O nosso negócio depende, em grande medida disso”, diz Carioba. Segundo ele, o produtor que precisar financiar um trator de 100 mil reais amanhã, pode sentir as coisas um pouco travadas num primeiro momento. “Os bancos vão estar olhando para ele com uma lupa porque querem mais segurança para soltar o dinheiro”.
O cenário para o próximo ano é o foco da indústria no momento. “Nem com bola de cristal dá para saber o que vai acontecer, mas não se justifica um câmbio de 2,30 reais. É um absurdo porque, a rigor, no Brasil, não aconteceu nada. Eu estaria muito mais preocupado se o que está acontecendo agora tivesse acontecido 3 ou 4 anos atrás, quando o Brasil estava mais vulnerável”, diz. As fabricantes de máquinas estão confiantes nas linhas de crédito do governo federal e de alguns estados como São Paulo. O governo do estado de São Paulo lançou um programa similar ao Finame.
“Esses programas já foram lançados e devem apoiar a produção e as vendas ao longo do ano de 2009”.
Este ano foi excepcional para a indústria de máquinas agrícolas. A AGCO prevê encerrar o ano com vendas quase 40% acima do ano passado. “Não enxergo hoje um crescimento muito acentuado para o ano que vem. Talvez uns 5%, dependendo muito de como que vai continuar essa extrema volatilidade que estamos vivenciando hoje. E hoje eu estaria defendendo um crescimento do PIB na casa de 3,5%”, diz Carioba.
A AGCO exporta bastante, principalmente, com a marca Massey Ferguson para Argentina, Uruguai, Paraguai, Chile, Bolívia, até América Central. Para esses países 95% das máquinas saem das fábricas brasileiras, o equivalente a 25% da produção. Há também um nicho adicional em regiões, como a África, alguns países da Europa, e até da América do Norte.
“Se saírmos de um patamar de dólar a 1,50 real, para 1,90 ou 2,00 reais, temos mais chance pra ser competitivos novamente nas exportações”, diz Carioba.
Com relação ao planejamento estratégico para o próximo ano, o executivo é cauteloso. “Sinceramente, eu adoraria adiar, só que não dá pra esperar muito, no máximo seria questão de dias, mas não dá pra esticar mais um mês porque temos que entregar os nossos números para a matriz. Então, colocaremos alguma ressalva, lembrando que pode haver alguma coisa inesperada que pode ter um impacto no nosso negócio”, diz Carioba.
“Vamos ter um ano extremamente complicado pela frente, mas o Brasil está numa posição relativamente boa, temos um belo de um futuro pela frente no mundo agrícola de maneira geral. Os bancos vão colocar crédito com maior cautela. E, claro, um banco menos generoso pode atrapalhar um ou outro negócio. Não facilita. O dinheiro vai ser menos fácil. Mas vamos contornar essa crise”.
Para Paulo Herrmann, diretor de marketing da John Deere, a elevação do dólar deve aumentar o preço das matérias-primas e componentes, especialmente dos motores que a empresa traz da Argentina. O conteúdo importado no produto da empresa está entre 20% a 30% e dependem do câmbio. “O impacto existe, mas não existem decisões sobre o que fazer. Nesse momento é melhor cautela que decisões precipitadas”, diz Herrmann. A empresa exporta 30% da produção.
Este ano, a empresa acredita que os efeitos não serão muito sentidos. “O ano de 2008 é favas contadas”, diz. O executivo diz que a direção da empresa deve esperar para fechar o planejamento para 2009. “Estamos avaliando. Conversando com pessoas do setor e trocando idéias. Da somatória de conversas vamos montar o quebra-cabeça. No meio de um furacão não se toma decisões”, diz Herrmann. A expectativa é que a rentabilidade pode diminuir para 15% no setor depois de alcançar um pico de 30% este ano. Outro consenso na empresa é que as commodities agrícolas são diferentes das minerais e dos produtos agrícolas usados para produção de combustíveis porque elas estão ligadas ao consumo humano.
A grande incógnita é o crédito. “Aí é que pega. E por isso eu não consigo planejar”, diz Herrmann.
Segundo ele, houve uma enxugada mundial em termos de crédito e a agricultura brasileira é muito alavancada. Raramente o agricultor tem recurso próprio. O pecuarista, ao contrário, usa recurso próprio, tem perfil diferente. O agricultor precisa do agente financeiro. Se ele não financiar o custeio, ele não planta. Se ele não financiar o investimento, ele não compra a máquina. “É aí que reside o perigo e aí que reside a grande questão”, diz o executivo.
O setor depende do Finame (via moderfrota, com dinheiro do Fat). É tido como certo que haverá mais seletividade e que vai diminuir o volume de dinheiro. “Hoje já tem muita máquina parada na mão de concessionária, vendida na ponta, mas esperando que o banco libere o financiamento. O processo não flui naturalmente da concessionária para o cliente. Aqui tem um pouco de apreensão”, diz Herrrmann. Para ele, os agentes financeiros serão mais comedidos na concessão de credito e ninguém sabe se terão os recursos necessários.
A John Deere, como as outras grandes empresas do setor, é capitalizada e não tem esse problema. Hoje, as empresas maiores não têm problemas no curto prazo, mas o agricultor sim. Embora a perspectiva do negócio seja boa, os critérios mais rigorosos na concessão de crédito podem diminuir as vendas. Este ano o setor todo está crescendo entre 30% e 40%. “Para 2009, estamos revendo a expectativa. Se repetir 2008 será excepcional. Se mantivermos o volume de 2008 será lucro para nós”, diz Herrmann.
A John Deere inaugurou uma nova fábrica em 2007 na qual investiu 100 milhões de dólares entre 2004 e 2006. Ela foi planejada num momento em que havia crise no agronegócio. Os investimentos anuais têm se mantido na faixa de 100 milhões de dólares. “Não tomamos decisão de ajustar ainda. Vai depender de como as coisas vão andar a partir do início do ano que vem. Vamos deixar em stand by”, diz Herrmann.
“Nada tira do Brasil o potencial agrícola. O que estamos vendo não é uma crise brasileira. É um profundo processo de limpeza no sistema de concessão de crédito. Enquanto não se limpar, não se sabe o tamanho da sujeira. É como dente cariado, não sabe quão profundo está até mexer”.
Segundo a empresa, os fundamentos do Brasil estão bons. Há reserva cambial forte, inflação controlada, crescimento do PIB acima de 5% este ano, mercado interno consumidor, mas o país é curto de crédito. “Somos uma família sem posses. Bens mais caros precisam de empréstimo. Precisam de recursos de terceiros”. A oportunidade que ele vislumbra na crise é das empresas brasileiras ficarem mais competitivas lá fora e aumentarem as exportações.
Com o câmbio, o executivo não está preocupado. “A fuga de capitais não é por falta de confiança no Brasil. Estão tirando dinheiro daqui porque precisam pagar contas em outra parte do mundo. Ninguém esta tirando dólar do Brasil para aplicar em outra parte do mundo. Só para pagar contas. Minha preocupação é com a capacidade do nosso sistema financeiro em financiar o custeio porque nossa agricultura é apoiada fortemente nesses instrumentos de crédito”, diz. “A verdade é que o preço das commodities chegou ao lugar adequado. Que ainda é muito acima do valor histórico. Que o dólar a 1,60 real era ruim para a agricultura. Que o dólar a 1,90, ou onde ele parar, faz mais sentido.”