Fábrica de Bitcoin: a Bitmain consegue energia elétrica mais barata para seus computadores diretamente do governo chinês (Giulia Marchi/The New York Times)
EXAME Hoje
Publicado em 25 de setembro de 2017 às 14h10.
Última atualização em 4 de outubro de 2017 às 16h06.
Dalad Banner, China – Eles trabalham em fábricas, no negócio de carvão e como fazendeiros. Todos se encheram de esperança quando o boom do carvão prometeu trazer indústrias e empregos para essa terra de planícies gramadas da Mongólia Interior. Quando o boom não veio, foram procurar trabalho em todos os lugares.
Hoje, vários encontraram vagas em empresas que fazem dinheiro – do tipo digital.
Aqui, no que é chamada pelos locais de Zona de Desenvolvimento Econômico de Dalad, fica uma das maiores fazendas de bitcoins do mundo. Os oito prédios com telhados de metal azul representam quase um vigésimo da produção diária mundial de criptomoedas.
Baseado no preço de hoje, a empresa emite US$ 318.000 em moeda digital todos os dias.
Do lado de fora, a fábrica – de propriedade de uma companhia chamada Bitmain China – não parece muito diferente dos outros prédios do parque industrial.
Entre seus vizinhos estão indústrias de substâncias químicas e fundições de alumínio. Alguns dos prédios da região nunca foram terminados. Em geral, as estradas são silenciosas, a não ser por um ou outro caminhão carregando carvão.
No interior da Bitmain, em vez de máquinas industriais pesadas, os trabalhadores lidam com fileiras e fileiras de computadores – quase 25 mil no total – processando os problemas matemáticos que criam bitcoins.
Os trabalhadores carregam laptops enquanto andam pelos corredores procurando falhas e checando as conexões dos cabos. Eles completam os tanques de água que impedem os computadores de derreter ou pegar fogo. Em volta deles, centenas de milhares de ventiladores enchem o prédio com um tipo de ruído branco.
Quem acredita nos bitcoins diz que será a moeda do futuro. Puramente eletrônica, pode ser mandada através das fronteiras anonimamente sem a supervisão de uma autoridade central. Isso a torna atraente para um grupo variado, e algumas vezes incompatível, de pessoas que inclui entusiastas da tecnologia, aqueles que lutam pelas liberdades civis, hackers e criminosos.
O bitcoin também é, em geral, produzido na China. O país faz mais de dois terços de todos os bitcoins emitidos por dia. A Bitmain, fundada pelo antigo analista de investimentos Jihan Wu, ganha dinheiro principalmente vendendo equipamentos para fazer bitcoins, assim como minerando a moeda em si.
A China, no entanto, tem sentimentos contraditórios em relação ao bitcoin.
Por um lado, o governo se preocupa com o fato de que o bitcoin permite que os chineses ignorem os limites rígidos sobre quanto dinheiro podem mandar para o exterior e também que possa ser usado para cometer crimes. Por isso, as autoridades chinesas estão tentando fechar as bolsas de bitcoin, onde a moeda é comprada e vendida. Apesar de não afetar a fabricação de bitcoin diretamente, isso poderia tornar mais cara a compra e a venda da moeda digital em um de seus mais importantes mercados, prejudicando o preço.
Por outro lado, a moeda digital pode representar uma oportunidade para a China impulsionar sua indústria de novas tecnologias, uma motivação por trás de seu extenso incentivo a outras áreas de ponta, como carros sem condutor e inteligência artificial. O país continua a oferecer a produtores de bitcoins, como a Bitmain, eletricidade barata – já que fazer a moeda digital exige uma quantidade imensa de energia elétrica – e outros subsídios.
Dalad Banner pode estar longe da cena de startups de internet de Pequim e do centro de produção de dispositivos eletrônicos do sul do país. Ainda assim, vários trabalhadores e moradores da região veem uma oportunidade digital para Dalad Banner e para o resto de sua parte da Mongólia Interior, uma área famosa na China por fábricas construídas pela metade e cidades tão vazias que às vezes são chamadas de fantasmas.
“Agora, a mina tem cerca de 50 funcionários”, afirma Wang Wei, gerente da Bitmain China de Dalad Banner, usando uma das várias metáforas para o trabalho feito aqui. “Acho que, no futuro, poderá ser responsável por centenas ou mesmo milhares de empregos, como as grandes fábricas.”
Morador da região, Wang, de 36 anos, que foi vendedor de carvão, comprou um bitcoin cerca de seis meses atrás. Desde então, o preço mais do que dobrou de valor. “Ganhei muito dinheiro”, garante.
A China também vê uma nova fonte de empregos em potencial, principalmente em lugares pouco desenvolvidos como Dalad Banner. O condado de 370 mil pessoas na beira do grande Deserto Kubuqi possui reservas de carvão e indústrias pesadas que dependem dele, como o aço. Mas está atrás de grande parte do país no desenvolvimento geral da economia. Faz parte da área urbana de Ordos, cidade a cerca de 560 quilômetros de distância de Pequim, famosa por seus prédios vazios.
Dalad Banner não é o tipo de lugar que à primeira vista parece feito para o trabalho com alta tecnologia. Na verdade, levou algum tempo para que os habitantes da região se acostumassem com a ideia, mesmo entre os trabalhadores.
“Não sabia nada sobre bitcoin antes”, conta Li Shuangsheng, morador de 28 anos que cuida das operações de uma das oito fábricas.
Ele saltou de emprego em emprego – a fábrica de produtos químicos era muito barulhenta e poluída, conta – antes de chegar recentemente à fábrica Bitmain China de Dalad Banner, uma das poucas oportunidades de emprego lucrativas nesta região pouco povoada.
Li ainda não possui um bitcoin, mas está feliz com o trabalho e vem estudando o assunto on-line quando o tempo que passa com a família permite.
“Agora estou começando a ter alguma ideia”, garante.
Muitos na fábrica já passaram pelos altos e baixos da economia local.
Bai Xiaotu foi demitido de uma fábrica de móveis estatal em 1997. Ele vinha trabalhando em vários tipos de empregos menores até que, em dezembro, conseguiu uma vaga como faxineiro na fazenda Bitmain de Dalad Banner.
“Olhe ao redor, existem fábricas abandonadas dos dois lados da nossa fazenda. Muitas empresas ainda não estão muito bem”, afirma Bai, de 53 anos, com o rosto fustigado pelo tempo.
Mas essa indústria ainda é nova para a maioria. Bai Dong, de 31 anos, filho de Bai Xiaotu, nunca havia ouvido falar de bitcoin quando seu pai conseguiu o emprego. Depois de pesquisar na internet, descobriu que o preço do bitcoin estava subindo depressa, e que a fazenda era uma das maiores do mundo. “Minha sensação a respeito do futuro da indústria é positiva”, diz ele.
Mas continua confuso a respeito do que é a mineração de bitcoin.
“Temos minas de carvão. E agora temos minas de bitcoin. São minas, mas qual é a relação entre elas?”, questiona.
Cao Li | © 2017 New York Times News Service