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Esta empresa abriu uma loja nos EUA. No dia seguinte, Trump anunciou a tarifa de 50%. E agora?

Criada em 2004, rede de moda urbana aposta em marca própria e operação logística local para iniciar expansão internacional

Igor Morais, fundador da Kings Sneakers:  “A concorrência tirou todo mundo da zona de conforto. E isso é bom. Faz o setor se mexer.” (Kings Sneakers/Divulgação)

Igor Morais, fundador da Kings Sneakers: “A concorrência tirou todo mundo da zona de conforto. E isso é bom. Faz o setor se mexer.” (Kings Sneakers/Divulgação)

Daniel Giussani
Daniel Giussani

Repórter de Negócios

Publicado em 21 de julho de 2025 às 14h11.

Na teoria, o plano era perfeito. Depois de duas décadas se consolidando no mercado brasileiro de streetwear (a moda urbana, principalmente com calçados), a Kings Sneakers estava pronta para um novo passo: a primeira operação internacional.

E não seria qualquer mercado — seria os Estados Unidos, berço do hip hop, dos sneakers e da cultura urbana que a marca sempre representou.

O site, com versão em inglês e espanhol, subiu na terça-feira, 8 de julho. Estoque nos EUA, operação logística com parceiro local, e marketing voltado para americanos e brasileiros na Flórida, Califórnia e Nova York.

Na quarta-feira, 9 de julho, Donald Trump foi à sua rede social, a Truth Social, e anunciou uma nova tarifa de 50% sobre produtos brasileiros.

O tarifaço entra em vigor no dia 1º de agosto — e pode afetar diretamente operações como a da Kings, que mal saiu do papel.

“Subimos o site, e no outro dia veio essa bomba”, diz Igor Morais, fundador da Kings. “Mas agora não tem como dar ré. A máquina está ligada. Vamos pra cima.”

Qual é a história da Kings

O começo da Kings Sneakers não tem nada de plano de negócios. Tem um porão na Galeria do Rock, 300 reais emprestados e um adolescente que cresceu vendo o pai vender jornal na rua.

Igor Morais nasceu no centro de São Paulo, entre a Santa Ifigênia e o que hoje é conhecido como Cracolândia. Filho de um nordestino que veio do Maranhão e montou uma pequena rede de bancas de jornal, ele cresceu num ambiente onde o que sustentava a casa era trabalho informal, olho clínico para oportunidades e muita insistência.

“Meu pai quebrou com quatro lojas na Galeria do Rock", diz. "No dia que ele ia entregar o ponto da loja 34, eu pedi pra ficar. Falei: me dá essa chance. Eu vou tocar”.

Com apenas 15 anos, sem capital ou experiência, ele fez um acordo com um amigo: pegou 300 reais emprestados e prometeu devolver o dobro em um mês. Com o dinheiro, comprou CDs de black music no centro e começou a revender dentro da Galeria. “No mesmo dia, transformei em 600 reais. E aí vi que podia fazer mais.”

Ele montou a primeira loja ali mesmo, em um espaço de 12 metros quadrados. Sem sócio, sem funcionário.

“Era tudo eu: vendedor, caixa, estoquista, gerente, faxineiro", diz. "Só fechava quando vendia o suficiente pra pagar as contas.”

O diferencial veio rápido. Enquanto outras lojas vendiam o que estava em alta, Igor tentava antecipar as tendências. Lia revistas importadas de hip hop, garimpava o que os gringos estavam usando, buscava identidade nas ruas. E foi assim que descobriu os tênis como produto de desejo — e escassez.

“Na época, não tinha sneaker no Brasil. Eu achava uns pares raros nos outlets, comprava no cartão, trazia pra loja de CD e botava na vitrine. Um dia trouxe seis, vendi tudo em horas. Ali eu entendi: o tênis era o que o público queria, mas ninguém estava oferecendo.”

Aos poucos, os CDs foram perdendo espaço para os tênis. O streaming matava o mercado da música física, enquanto o streetwear ganhava força nas ruas. Igor reformou a loja sozinho, criou um ambiente com som o dia todo e colocou os pares em exposição como se fossem obra de arte. “Só tinha o pé esquerdo na vitrine, porque eu não tinha grade. Cada par era único.”

Sem perceber, ele estava criando uma marca — não só de produto, mas de estilo, comportamento e referência urbana. A loja virou ponto de encontro de MCs, DJs, grafiteiros e consumidores que não encontravam seu espaço nas redes convencionais de moda.

Como as franquias viraram motor de expansão

No início dos anos 2010, Igor tinha quatro lojas na Galeria do Rock e uma no Shopping Tatuapé. Queria mais. Mas o limite do crescimento vinha do próprio bolso. “Eu sempre pensei grande, mas o fluxo de caixa não deixava. Não tinha como abrir 100 lojas com capital próprio.”

Foi aí que surgiu o plano de franquias. “Não foi glamour. Foi sobrevivência. Eu precisava crescer, mas não tinha o dinheiro. A franquia foi o caminho”, afirma.

O modelo deu certo. A Kings não contratou consultoria nem seguiu o manual do franchising tradicional. O sistema foi montado internamente, com apoio de pessoas que já viviam a operação.

“A gente fez tudo no feeling, mas com método. Escolhemos bem os franqueados e ficamos em cima.”

Hoje, a Kings é 100% franquia, com mais de 170 lojas no Brasil. Só uma unidade permanece como própria, em homenagem à origem na Galeria do Rock. O restante é operado por franqueados, com gestão centralizada de marketing, tecnologia, comercial e suporte.

“Parece que o trabalho diminui quando você vira franqueador, mas é o contrário. Trabalha mais. Só que é mais prazeroso”, diz Igor.

Recentemente, a empresa lançou o “Kings Space” — um modelo de loja compacta, com apenas 12 metros quadrados, que já vendeu 15 unidades em 2025.

Num mar de gigantes, como manter relevância?

O setor de streetwear mudou. Marcas como Nike, Adidas e New Balance não apenas dominam o mercado — elas também vendem direto ao consumidor, abrindo lojas próprias nos shoppings e outlets.

Na teoria, seria o fim para redes como a Kings, que vivem da curadoria e da venda multimarcas. Na prática, aconteceu o contrário. “Quando uma loja da Nike abre num shopping, nossa venda aumenta”, diz Igor.

A explicação está no comportamento do consumidor. “Nosso cliente entra na Nike, vê o tênis, mas vem pra Kings. Porque aqui ele encontra mais: camiseta, boné, cultura. Não é só produto. É identidade. Além disso, eu vendo em Manaus, no interior do Maranhão. Eles não têm capilaridade.”

A Kings também sente o peso da concorrência — mas vê nela um impulso. “Se todo mundo vende igual, o que diferencia é a história. A Kings tem uma história. E o cliente percebe.”

Além das multimarcas, a empresa também investe na própria linha, que hoje representa 8% do faturamento. “A gente tem uma marca que o cliente quer, não só porque é mais barata, mas porque representa um estilo.”

A aposta nos EUA

A ideia de ir para os Estados Unidos não nasceu da noite para o dia. O plano vem sendo desenhado há dois anos, com pesquisas, parcerias e construção de plataforma própria. A estreia foi em julho de 2025, com um site em dois idiomas, estoque local e operação de marketing focada em três estados: Califórnia, Flórida e Nova York.

O diferencial: a operação começa vendendo apenas a marca própria da Kings. Nada de Nike, Adidas ou Vans. “A gente quer apresentar nossa marca primeiro. Chegar devagar, mostrar quem somos. Depois a gente pensa em ser multimarca lá também.”

O investimento inicial é de 500.000 dólares, com meta de faturar 100.000 dólares até o fim de 2025, e meio milhão até o final de 2026. A ideia é, nos próximos dois anos, abrir a primeira loja física nos EUA.

Mas o timing não ajudou. Um dia após o lançamento do site, Donald Trump anunciou a tarifa de 50% sobre produtos brasileiros. A medida entra em vigor em 1º de agosto. E obriga a Kings a pensar rápido.

“Se ficar inviável importar, vamos fabricar lá. Já temos parceiros. Estamos preparados para tudo. Só não dá pra parar agora”, diz Igor.

Operar nos Estados Unidos exige adaptação. Todos os custos — logística, plataforma, mídia, atendimento — são em dólar. O desafio é manter a margem com um produto competitivo. A conta, por enquanto, fecha.

“Uma camiseta que custa 180 reais aqui, lá sai por 70 dólares. A margem funciona. E o público lá entende o que é streetwear. Não precisa explicar.”

No Brasil, os desafios também não são poucos. A Kings precisa comprar com um ano de antecedência. “A gente compra hoje com um dólar que pode virar outro daqui a 12 meses. Já errei nessa conta, e não tem como escapar.”

Além disso, a empresa depende de acertar as tendências. “Se a gente errar no que vai vender, perde. O jogo é esse. Comprar certo, vender muito. E repetir.”

O mercado tem visto novas marcas surgirem e consumidores mais exigentes. Para Igor, isso é positivo. “A concorrência tirou todo mundo da zona de conforto. E isso é bom. Faz o setor se mexer.”

Além do varejo

Mais do que vender produto, a Kings quer representar uma ideia. Em 2024, Igor e o irmão criaram o selo musical Sombras, com planos de lançar artistas e álbuns conectados ao universo urbano.

“Era um sonho antigo. A música sempre foi parte da nossa história. Começamos vendendo CD. Agora vamos produzir conteúdo. Não é só moda. É cultura.”

O storytelling é parte central da estratégia. E isso vale para o Brasil e para os Estados Unidos. “O nosso público não quer só comprar. Quer se ver representado. Quer identidade. E isso a gente tem.”

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