Vodafone: "empresa tem interesse no Brasil, faz sentido operar no mercado daqui e acho que vai acontecer", diz especialista (Bloomberg)
Da Redação
Publicado em 19 de outubro de 2014 às 10h40.
São Paulo - A cidade de São Paulo recebeu, nesta última semana, a edição de 2014 da Futurecom, evento sobre inovação nas áreas de informática e telecomunicações. E entre estandes enormes, como o da Qualcomm e o da Ericsson, estava um mais discreto, da IEEE, a instituição de engenheiros elétricos e eletrônicos, responsável pela regulação de padrões de sistemas.
A entidade esteve representada por Raul Colcher, porta-voz que palestrou sobre “Tendências Dominantes na Apropriação das TIC”. Engenheiro formado pelo IME, doutor pela UFRJ e dono de um currículo extenso, Colcher falou com INFO sobre o tema da palestra e uma boa variedade de assuntos – 4G, leilões, crise de empresas no país, entrada de novas operadoras no mercado e Internet das Coisas, todos ligados de alguma forma com o tema principal. Confira a seguir.
Você deu uma palestra nesta Futurecom que girou em torno das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC). Quais os pontos principais que foram discutidos na apresentação?
O principal tópico tratado foi a apropriação das TICs pelas empresas brasileiras. Essas tecnologias de informação (ou informática) e telecomunicação são de duas áreas que hoje são muito difíceis de diferenciar. Do ponto de vista tecnológico, elas são basicamente uma coisa só atualmente. Os produtos de informática fomentam a indústria de telecomunicação, e o mesmo vale para o contrário. A ideia que expus na minha apresentação foi a de que a forma como essas tecnologias são apropriadas é distinta em cada país, devido às diferenças econômicas e regulatórias – mesmo que as indústrias estejam completamente globalizadas, em ambas as áreas. Essas divergências causam mudanças na forma como as soluções são usadas, e tentei explorar um pouco disso no caso brasileiro. Falei um pouco sobre como essas diferenças são exploradas no caso dos grandes sistemas de informação, de novas tecnologias emergente, big data e internet das coisas, e no ambiente brasileiro de exploração do serviço público de telecom. O ambiente daqui tem uma série de situações específicas – o comércio varejista, por exemplo, é hoje o setor mais dinâmico na apropriação de tecnologia, informação e comunicação, o que não vale para qualquer lugar. As operadoras daqui também estão vivendo um momento de incertezas, relacionado ao ambiente regulatório, econômico e mercadológico – temos duas delas que estão sem saber o que vai acontecer com elas (TIM e Oi, no caso). E estes são alguns exemplos.
A TIM ainda conseguiu participar e levar um lote de 700 MHz no último leilão do 4G, mas a Oi ficou de fora por questões econômicas. Mas o que essa instabilidade nas duas operadoras pode significar para a implementação – já atrasada – dessa tecnologia por aqui?
Esse foi um dos elementos que tratei quando falei de telecomunicações. O 4G ainda está relativamente incipiente no Brasil, com penetração ainda inferior à que foi prevista inicialmente, por razões de limitação de investimentos e atraso no 3G. Se você perguntasse para a maior parte das operadoras se aquele foi o momento certo para fazer este último leilão, elas iam preferir ter esperado um pouco mais. O leilão acontece mais em função de eventos futuros, creio. O fato é que essa venda da frequência mais amigável do 4G, que exige menos investimentos para a mesma qualidade do serviço, acabou deixando uma das operadoras de fora, e isso pode trazer várias consequências daqui para frente. Uma imediata aparecerá nos comerciais dessas empresas: a Oi já era a menor delas na disputa, e agora ficará com um discurso pior do que o das concorrentes – que vão dizer que têm mais condições de prestar o serviço com mais qualidade em caráter nacional. Então, em minha opinião, isso vai levar a uma situação de desestabilização e resultar em um novo momento no quadro de operadoras daqui.
E no caso da TIM? Há uma solução para os dois?
Essa é outra que está em uma situação meio instável, por causa da questão da participação da Telefónica da Espanha. Pela regulação brasileira, essa situação tem que ser resolvida de alguma maneira, mas isso ainda não está muito claro. Ainda assim, embora os dois problemas sejam muito diferentes, a solução para cada um deles pode influenciar a outra. As possibilidades incluem, por exemplo, “fatiar” a TIM para poder fazer um acordo com a GVT. Isso, no entanto, não seria uma solução boa do ponto de vista de que hoje a Oi não tem capacidade de absorver nada. E também não seria bem vista pelo CAD e pela Anatel, porque implicaria em concentração do mercado brasileiro e porque a própria reguladora deflagrou um processo de diminuição da tarifa interoperadora. Novamente, isso é um exemplo de apropriação de tecnologia que só vemos por aqui. Como por aqui há usuários que compram aparelhos de dois chips para poder ligar para números de outras operadoras sem tarifas altas, a Anatel criou um programa para reduzi-las – e isso altera radicalmente o jogo para as operadoras, visto que este é o elemento básico do planejamento estratégico delas.
Dados esses fatores impeditivos, qual seria a solução mais provável e viável, então? A entrada de novos nomes, talvez?
Pela regulamentação vigente, você nem poderia considerar um processo de fusão, especialmente porque teria que liberar a frequência. O que eu acho – e aí é um exercício de pura especulação – é que novos nomes podem entrar no mercado. Temos várias apostas aqui, e dois nomes citados em conversas de bastidor são Vodafone e AT&T, duas que já manifestaram interesse. No caso da Vodafone, ela definiu a estratégia de entrar através de uma MVNO [Mobile Virtual Network Operator] – ou seja, ela definitivamente tem interesse no Brasil, faz sentido operar no mercado daqui e acho que vai acontecer. Outra possível seria a AT&T, uma gigante, que economicamente, tem todas as chances. Mas tendo em vista a história dela aqui no Brasil, meu palpite é que ela não está disposta a fazer qualquer negócio a qualquer preço. Ela está à procura de uma oportunidade de bom negócio, e se ele aparecer – seja na forma de oferta da autoridade regulatória ou de uma empresa em condições favoráveis –, acho que a empresa poderia examinar e eventualmente entrar no mercado brasileiro. Enfim, se eu tivesse que apostar, seria na entrada de uma nova operadora. Mas ainda teríamos problemas na Oi, porque o ambiente de governança é muito complexo, o que já frustrou a estratégia das empresas que tinham controle sobre ela.
Mas focando na rede 4G: apesar da crise de duas das marcas, uma delas está disputando mercado e a briga ainda incluir outra dupla. Você ainda vê um cenário favorável para o desenvolvimento e crescimento desta tecnologia por aqui?
Sim, pois há uma lógica tecnológica. Essencialmente, o leilão deve aumentar a oferta de banda larga móvel. E visto sobre este prisma, existem possibilidades enormes, porque a tendência é tornar cada vez menos viáveis e mais obsoletos os esquemas de telefonias e banda largas fixas. Com o 5G isso vai ficar ainda mais evidente, porque ele dá a possibilidade de utilizar diferentes canais para ter bandas de dimensões praticamente ilimitadas. Você poderia montar seu Wi-Fi e levá-lo com você, transformar seu telefone no seu roteador. Você fica livre. Com isso, temos uma obsolescência acelerada de sistemas fixos, e a médio e longo prazo, se tivermos sistemas móveis de melhor qualidade, para que iremos querer um telefone plugado na parede? A possibilidade de se montar sistemas flexíveis e poderosos é virtualmente ilimitada, e essa liberdade propõe coisas extremamente interessantes e criativas que podem mudar radicalmente o ambiente em que estamos.
No entanto, planos de 4G ainda podem ser um pouco caros e fora de mão para alguns usuários, não? Imagino que os valores diminuam, mas você apostaria quando a popularização do serviço deve ao menos começar a acontecer?
Ainda existe um problema de escala, e qualquer coisa que vai crescendo em adoção ao mesmo tempo vai diminuindo no preço. Então, essa lógica tem que funcionar. Demora, às vezes, e no Brasil especialmente. A entrada da tecnologia aqui foi mais lenta por razões de investimento, mas acho que daqui um ano teremos uma realidade diferente. Já ouvi estatísticas de operadoras que estão com 4G em 100 cidades e tem 3G em praticamente todos os municípios. Elas têm metas com a Anatel, e algumas serão cumpridas – mesmo que as do 3G só sejam quando ele estiver, rigorosamente falando, obsoleto.
Por fim, você acha que, com essa popularização do 4G, a Internet das Coisas de que tanto falamos hoje deve “explodir” de vez no Brasil?
É uma explosão difícil de avaliar, especialmente se você olhar a trajetória da internet. O primeiro grande gerador de tráfego foi a comunicação interpessoal, e depois ela foi sucedida pelo WWW e a possibilidade de explorar multimídia e intermídia, a comunicação pessoa-processo. Em cima disso, vieram investimentos em IP para voz e vídeo, que foi outra explosão, e agora temos a Internet das Coisas. Ela foi muito atrasada pela indisponibilidade de endereços IP. O IPv6 é essencial, faz parte do quadro do conceito, e no Brasil a introdução dele foi um pouco atrasada por ser algo complicado. Então a explosão vai acontecer, só que em outro ritmo. Imaginemos uma curva de aprendizado: quando estamos no início dela, parece que a evolução é lenta. Mas então ela faz um “joelho” para depois crescer. Estamos na fase inicial, mas estamos chegando ao tal “joelho”. Quando a tecnologia explodir, quem não estiver preparado vai ver e pensar: “Mas como que isso aconteceu?”. Vai parecer algo súbito, mas não foi. Foi a inflexão da curva que aconteceu ali naquele momento. Em minha opinião, a Internet das Coisas vai ser mais do que tudo que nós temos hoje, somado.
E por estimativas de aumento de tráfego, esse crescimento será enorme mesmo.
Sim, será monstruoso, será difícil até de avaliar. Por isso que essa banda larga móvel é fundamental, já que boa parte das coisas que a gente está acessando envolve a mobilidade. É a plataforma de acesso – um telefone que serve até para fazer ligações. Ele servirá para mobilizar sistemas domésticos, corporativos, B2B, B2C, integração com sistemas urbanos... Tudo isso ligado a dispositivos que vão controlar processos. A partir daí, toda a questão de segurança e privacidade vai aparecer, e isso vai implicar em uma oportunidade para quem quiser resolvê-las. É um universo novo que vai se abrir, que nós não conseguimos nem avaliar o tamanho. A questão de explosão não é nem de “se”, e sim de “quando” vai acontecer.