Carlos Libera, sócio e líder do setor automotivo na América do Sul da Bain & Company (Arte/Exame)
Gabriel Aguiar
Publicado em 10 de dezembro de 2021 às 06h00.
Última atualização em 10 de dezembro de 2021 às 10h05.
Se houvesse uma retrospectiva da pandemia, a falta de semicondutores teria espaço garantido como ponto-chave na transformação da indústria automotiva: provocou paralisação da produção em todo e expôs a fragilidade de toda a cadeia de fornecimento. Só que o pesadelo dos fabricantes parece ter hora para acabar. “Nossa visão é de que a situação deverá começar a normalizar na segunda metade de 2022”, afirma Carlos Libera, sócio da consultoria Bain & Company na América do Sul.
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E como tudo isso aconteceu? “Os fabricantes quase não têm estoque de peças e, ao prever que haveria redução de demanda, romperam contrato de fornecedores. Mas a queda foi momentânea e, quando o mercado reaqueceu, a produção dos componentes já tinha sido alocada em outros setores que também tiveram aumento de consumo, como smartphones, computadores, videogames e todos os itens de tecnologia embarcada. E essa transferência foi realmente muito rápida”, diz.
Para entender a importância dos semicondutores, é necessário lembrar que esse componente está presente em todos os produtos eletrônicos da atualidade – de calculadoras a naves espaciais. E o grande destaque está na capacidade de conduzir corrente elétrica somente quando há estímulo, o que faz dele parte essencial dos chips, por exemplo. Some isso à produção nas mãos de poucos players (como Global Foundries, Samsung, TSMC e UMC) e o resultado é um balé entre oferta e demanda.
“Estamos falando de uma indústria grande em todo o mundo, com valor estimado de 500 bilhões de dólares. É uma cadeia muito complexa, demanda investimentos altíssimos e tem capacidade limitada. E, como todos os equipamentos também são caros, o aumento da produção não acontece de uma hora para outra. Para ter ideia, o segmento automotivo representa apenas 8% de toda a receita dos fornecedores de semicondutores. É uma participação muito pequena comparada ao todo”.
Como resposta à falta deste componente, a indústria automotiva precisou remover equipamentos e até prometer atualizações futuras aos clientes. Foi o que fez a General Motors, que confirmou a inclusão dos itens em veículos já vendidos quando a oferta dos semicondutores estiver normalizada. Por outro lado, os componentes utilizados por boa parte dos veículos são relativamente simples, o que facilita a volta do fornecimento em curto prazo.
“Durante a pandemia, houve momentos de ruptura da cadeia, fosse na produção de matéria-prima, como a sílica, ou pela própria paralisação das fábricas. Mas essas questões já foram resolvidas e não levaram tanto tempo. O que aconteceu foi o aumento do consumo represado e, até por conta desse momento que vivemos de isolamento, o uso de equipamentos eletrônicos. Para o setor automotivo, o principal problema é que os fornecedores transferiram a produção para outros setores”.
E o resultado dessa crise é sentida pelo consumidor: há filas de espera para comprar carros novos e os preços também subiram nos últimos meses – afetados pelo gargalo na produção, assim como por questões cambiais e aumento do custo de aço e borracha. E, de acordo com o especialista, ainda há mais demanda reprimida do que realmente é divulgado, já que a muitos compradores em potencial simplesmente descartam o interesse devido à falta de produtos (ou migra para seminovos).
“Dá para dizer que a grande vantagem dos fabricantes de automóveis é a capacidade de mobilização e de ‘fazer barulho’, já que tem grande importância na economia e no mercado de trabalho. E, como tem participação pequena na demanda por semicondutores, acaba sendo mais simples redirecionar a capacidade dos fornecedores do que para smartphones, por exemplo. Considerando que algumas fábricas estavam em construção e levam até dois anos para finalizar, tudo deve normalizar”.
Antes da pandemia, os fabricantes do setor automotivo não tinham contado direto com as empresas que produziam semicondutores: o contato era intermediado pelos fornecedores de itens completos, como centrais multimídia, faróis e sistemas eletrônicos do motor – inclusive, essas companhias têm participado de negociações para resolver entraves logísticos durante a atual crise. Para Carlos Libera, haverá reflexos em toda a cadeia de fornecimento e na própria relação entre as empresas.
“O setor automotivo deverá repensar o supply chain para diminuir a dependência de cadeias globais e ter mais resiliência para estes momentos. E claro que a pandemia trouxe impactos para toda parte logística e no planejamento do que é relevante para manter a produção em dia. Será uma mudança de estratégia: em vez de manter os estoques praticamente inexistentes, como acontecia até então, as empresas precisarão do mapeamento do que realmente é essencial para não parar”, diz.
De acordo com estudo realizado pela Bain & Company, a falta de semicondutores provocou redução de aproximadamente 1,3 milhão de veículos que seriam produzidos somente no primeiro trimestre deste ano (enquanto a Anfavea estima redução de 300 mil carros no país em 2021). Como resultado, o impacto na receita do setor automotivo deverá chegar a 60 bilhões de dólares neste ano fiscal. No caso da Ford, por exemplo, a perda de faturamento deverá chegar a 2,5 bilhões de dólares.
Mas não foram apenas prejuízos nos últimos meses, já que alguns fabricantes conseguiram manter o nível das vendas – como é o caso da Stellantis, que se manteve à frente do mercado enquanto rivais interrompiam a produção no Brasil –, com resultados positivos por conta da demanda aquecida. Mas o sócio da Bain alerta para outro problema específico do nosso país, porque, durante a recuperação, está prevista a eleição presidencial, que pode afetar a economia e até postergar o cenário.
Para os especialistas, a escassez de semicondutores na indústria não foi nenhuma surpresa, já que a oferta estava praticamente no limite da demanda do mercado. E a situação ficou ainda mais delicada com a popularização de equipamentos mais complexos – como sistemas de luzes integradas à Alexa, por exemplo – e adoção de internet 5G. Por outro lado, à medida que cresce a necessidade por esse componente, também aumenta a preocupação de influências geopolíticas frente ao tema.
“Os semicondutores são importantes em qualquer tipo de inovação e essenciais no desenvolvimento de qualquer economia. Então, existe uma questão política e comercial envolvida, com movimento de protecionismo e incentivo de cadeias no próprio país. Existem projeções de que a China concentrará 80% da produção em alguns anos e os EUA já têm tomado medidas para contornar isso. Mas o ponto principal é que os investimentos são altos e essa indústria deverá se concentrar ainda mais”.
E se independência é uma preocupação para outros mercados, o mercado brasileiro perdeu a única fábrica de semicondutores (não apenas do país, mas em todo o hemisfério sul, que ficava em Porto Alegre) em junho deste ano. O Centro de Excelência em Tecnologia Eletrônica Avançada (Ceitec) foi criado em 2008 e era responsável pela produção de chips para pedágio e rastreamento de animais. Segundo o Ministério da Economia, a empresa estatal trazia prejuízos aos cofres públicos.
“Sinceramente, acho que nunca seremos autossuficientes porque não faz parte dos planos. Só que, de alguma forma, a gente deveria desenvolver a capacidade de atender o mercado em caso de crise na oferta. Pelo menos para reagir em momentos como agora. Mas desenvolver toda essa indústria demandaria competitividade, porque os investimentos estão na casa dos bilhões de dólares, e não aconteceriam sem nenhum incentivo”, diz o líder do setor automotivo da Bain & Company.
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