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Entenda a encrenca por trás da cisão da General Electric

A crise financeira de 2008 revelou um fato preocupante: a transformação do conglomerado em uma das maiores empresas de serviços financeiros do país a sobrecarregou com riscos que a levaram à beira do colapso

 (Bloomberg Businessweek/BLOOMBERG BUSINESSWEEK)

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Da Redação

Publicado em 29 de novembro de 2021 às 06h00.

Última atualização em 29 de novembro de 2021 às 09h02.

Por Rick Clough e Ryan Beene, da Bloomberg Businessweek

Não faz muito tempo, a perspectiva da General Electric (GE) desaparecer de vista seria quase ridícula. Em 2000, a empresa cofundada por Thomas Edison era a corporação mais valiosa do mundo, com valor de mercado de cerca de US$ 600 bilhões, e durante décadas ostentou uma classificação de crédito AAA — a  mesma do governo dos Estados Unidos.

Mas a crise financeira de 2008 revelou um fato preocupante: a transformação do conglomerado em uma das maiores empresas de serviços financeiros do país a sobrecarregou com riscos não percebidos que a levaram à beira do colapso financeiro. Isso levou dois diretores executivos – ambos ex-alunos da alardeada fábrica de talentos em gestão da GE — a  tentar arrumar a casa que Jack (Welch) construiu vendendo linhas díspares de negócios e tentando eliminar sua gigantesca dívida. Mas foi preciso um estranho para fazer o que aqueles que cresceram na GE não conseguiram ou não quiseram.

Larry Culp, o primeiro CEO da GE que não cresceu na hierarquia da empresa, anunciou em 9 de novembro a divisão da famosa gigante. Nos próximos três anos, a GE se dividirá em três empresas muito menores de capital aberto. A GE Healthcare será desmembrada no início de 2023, enquanto as divisões da GE que fabricam equipamentos de energia renovável e de combustível fóssil serão fundidas como uma única entidade um ano depois. Isso deixará a GE Aviation, que fabrica e faz manutenção de motores a jato, como a última grande operação a permanecer na empresa.

Divisão mais esperada

É uma dramática virada, que os investidores da GE dizem que já deveria ter ocorrido há muito tempo e marca uma decisiva mudança para a carreira de um executivo que recebeu aplausos da  indústria por transformar a pouco conhecida Danaher em um rolo compressor. E isso quase fecha a porta para a tendência dos conglomerados que definiu grande parte dos EUA corporativos do século 20. Após o desmembramento de outras empresas de diversidade de negócios, incluindo a United Technologies, os poucos remanescentes estão enfrentando dúvidas sobre por quanto tempo mais eles podem justificar essa abordagem em meio à pressão de investidores ativistas e acionistas comuns.

Culp, da GE, insiste que a separação nem sempre foi o plano. Quando ele assumiu o comando no final de 2018, havia muitos outros incêndios a serem apagados, desde a queda do preço das ações até pesadas dívidas e uma investigação dos reguladores de valores mobiliários dos EUA. A empresa  chegou a sofrer o constrangimento de ser expulsa do índice Dow Jones Industrial Average, onde esteve por mais de um século. “Foi uma época desafiadora”, diz Culp. “Algumas pessoas estavam sugerindo que talvez não chegássemos até a folha de pagamento.”

Em vez disso, ele diz que a decisão de se dividir só veio à tona nesta primavera, quando as restrições à pandemia começaram a diminuir e os esforços de recuperação da GE ganharam força. Culp reduziu o já valorizado dividendo da GE e vendeu grandes parcelas da empresa nos últimos anos para ajudar a aliviar o peso da dívida. Em 10 de novembro, a GE anunciou planos de recomprar até US$ 23 bilhões em títulos em uma das maiores recompras de dívida corporativa de todos os tempos. “Foi preciso Larry para consertar a empresa operacionalmente”, diz o analista da GE de longa data, Nick Heymann, da William Blair & Co. “Só então, ele conseguiu dividi-la”.

Empresa difícil de controlar

Os investidores e analistas da GE há muito questionam a estrutura da empresa — em particular, muitos pediram uma cisão da unidade de saúde. Deane Dray, analista da RBC Capital Markets, chamou isso de "a divisão mais esperada no setor de multi indústria".

O ex-CEO, Jeff Immelt, disse que achava a empresa difícil de controlar quando assumiu em 2001, e suas decisões de vender algumas divisões de finanças e operações de escoamento de petróleo foram elogiadas como movimentos para simplificar a estrutura da GE. Da mesma forma, seu sucessor, John Flannery, disse que consideraria uma ruptura após assumir em 2017.

Mesmo assim, os executivos, que passaram a maior parte de suas carreiras na GE, se recusaram a participar. Immelt teria resistido às tentativas de alienar a unidade de saúde, que ele dirigia anteriormente. Flannery foi criticado pela diretoria por não ser agressivo o suficiente em suas mudanças.

Culp costuma dizer que reduzir a dívida paralisante da empresa tem sido o "trabalho mais importante" desde que assumiu o comando, quando a GE tinha cerca de US$ 140 bilhões em dívida bruta total. Ele destinou receitas da venda de grandes operações, como seus negócios biofarmacêuticos e de leasing de aeronaves, para reduzir o saldo. As medidas ajudarão a GE a reduzir sua dívida para menos de US$ 65 bilhões até o final do ano.

O restante do passivo será dividido entre as três empresas. A aviação, uma das linhas de negócios mais robustas, assumirá uma carga maior, enquanto as operações menos estáveis de energia ​​terão uma carga mais leve. As três terão classificações de crédito de grau de investimento, diz a GE, embora detalhes de suas estruturas de capital devam ser decididos mais tarde. Outras decisões pendentes incluem como as empresas serão chamadas e se continuarão a ostentar o logotipo do monograma da GE, que, segundo Culp, foi avaliado recentemente em US$ 20 bilhões.

A divisão posicionará as linhas de negócios para um obter melhor desempenho, diz a GE. Ela estabeleceu metas de margem de lucro operacional de até 20% para as empresas independentes de saúde e aviação, ambas melhorias do último trimestre. Mesmo os negócios relacionados à energia podem subir para a casa de um dígito com o tempo, apesar das expectativas de crescimento lento, diz a GE.

Imagem prejudicada

Depois que a divisão for concluída, Culp liderará a o que restar da GE, que compreenderá principalmente aviação junto com seguros, algumas dívidas herdadas e quaisquer participações acionárias remanescentes na cisão de assistência médica e outras participações que planeja vender ao longo do tempo. John Slattery, que dirige o negócio de motores a jato da GE, permanecerá no cargo.

Culp chegou à GE com a fama de fazer as jogadas certas. Armado com um MBA em Harvard, ele assumiu a Danaher em 2001, quando a empresa fabricava produtos como bombas de gasolina e ferramentas Sears Craftsman. Nos 14 anos seguintes, ele reformulou a empresa por meio de mais de US$ 20 bilhões em aquisições, com foco nos setores de saúde e ciências biológicas. A Danaher, que se separou após a saída de Culp, hoje tem um valor de mercado de cerca de US$ 215 bilhões — 2.500% maior do que quando Culp foi nomeado CEO.

Se ele conseguir obter pelo menos uma fração desse tipo de ganho na GE, ele terá merecido uma grande recompensa. A enorme concessão de ações que ele negociou — e que foi duramente criticada pelos investidores e até agora rendeu a ele pelo menos US$ 124 milhões, embora as ações tenham ficado atrás do mercado mais amplo durante sua gestão — permanece em vigor após os desmembramentos e levará em consideração o desempenho das ações de todas as entidades, de acordo com os termos do prêmio. O que não sobreviverá, entretanto, é a imagem da GE como conglomerado quintessencial da América corporativa.

Tradução de Anna Maria Dalle Luche

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