Testes em massa: as companhias empregam cerca de 350.000 funcionários no Canadá (Tara Walton/The New York Times)
Carolina Ingizza
Publicado em 17 de fevereiro de 2021 às 09h21.
Última atualização em 17 de fevereiro de 2021 às 10h45.
À medida que cresce a frustração no Canadá com o peso dos lockdowns e o ritmo lento das vacinações, um consórcio formado por algumas das maiores empresas do país criou um programa de testagem rápida com o objetivo de proteger seus 350.000 funcionários e publicar um manual para empresas de todo o país sobre como reabrir com segurança.
O programa, que se acredita ser o primeiro desse tipo entre o grupo dos sete países mais industrializados do mundo, o G7, já atraiu a atenção do governo Biden.
As 12 empresas, que incluem a maior companhia aérea e a maior rede de supermercados do Canadá, trabalharam lado a lado durante quatro meses para criar um manual de operações de 400 páginas sobre como realizar testes de antígeno rapidamente em diversos locais de trabalho. O grupo começou a fazer os testes de maneira experimental no mês passado e planeja expandir o programa para 1.200 empresas de pequeno e médio porte.
Elas também planejam compartilhar os resultados dos testes com as autoridades de saúde do governo, aumentando consideravelmente o número de testes oficiais e fornecendo um estudo informal da disseminação do vírus entre pessoas assintomáticas.
"É como se estivéssemos em guerra – as pessoas se unem para fazer algo que é do interesse de todos", disse Marc Mageau, vice-presidente sênior de refino e logística da Suncor Energy, a maior produtora de petróleo do país, que começou a testar os funcionários no mês passado.
O programa enfrenta alguns problemas inerentes – os testes de antígeno, que costumam gerar falsos negativos e uma falsa sensação de segurança. Além disso, o número de testes disponíveis no Canadá é limitado, e alguns especialistas argumentam que eles devem ser reservados para escolas e asilos, em vez de empresas não essenciais.
Embora as vacinas sejam consideradas a melhor arma do mundo para derrotar a pandemia, a maioria dos especialistas acredita que serão necessários muitos meses, se não um ano inteiro, para que o Canadá atinja níveis de vacinação que permitam às empresas retomar o ritmo operacional anterior à covid-19.
O Canadá está lidando com a segunda onda da pandemia, que levou a um recorde de novos casos e a 21.300 mortes. Em resposta a isso, muitas partes do país estão em lockdown, com restaurantes, teatros e lojas não essenciais de portas fechadas.
A economia canadense se contraiu cerca de cinco por cento durante a pandemia. Alguns setores, como o imobiliário e o fabril, estão em alta, mas o número de vagas de trabalho caiu em outros setores, como os de entretenimento e hospitalidade, que dependem de um vasto público.
"Pense no centro de Toronto. Não há mais ninguém nas ruas. Todo o entretenimento parou. Chegou o momento de encontrar uma maneira de reabrir os setores que foram fechados", afirmou Joshua Gans, professor de Gestão Estratégica da Universidade de Toronto, um dos conselheiros do projeto e autor do livro "The Pandemic Information Gap: The Brutal Economics of Covid-19" (Desigualdade de informação: a economia brutal da Covid-19, em tradução livre).
As empresas que participam do consórcio foram reunidas no início do ano passado por Ajay Agrawal, fundador do Laboratório de Destruição Criativa da Universidade de Toronto, que auxilia startups de ciência e tecnologia. Elas foram inspiradas pela mais canadense das musas: a escritora Margaret Atwood.
"Quando teremos um teste barato, fácil de aplicar e à venda em qualquer farmácia?", perguntou Atwood em maio do ano passado, durante uma reunião virtual com líderes empresariais e outras pessoas que se uniram para debater ideias sobre a recuperação econômica durante a pandemia.
O grupo concluiu que o problema era a "desigualdade de informação". Como não há maneira de dizer quem está assintomático, todos são tratados como uma ameaça potencial.
Atwood imaginou algo parecido com um teste doméstico de gravidez. "Isso seria transformador", disse ela.
Ao perceber que o governo não conseguia lidar sozinho com a crise de saúde, o grupo resolveu assumir a tarefa e formar um consórcio liderado pelo Laboratório de Destruição Criativa.
O grupo se concentrou em testes de antígeno devido à rapidez, ao preço e à praticidade: produzem o resultado em poucos minutos, não precisam de laboratório e, no Canadá, custam entre US$ 5 e US$ 20.
Contudo, eles são menos precisos e produzem mais falsos negativos que os testes de reação em cadeia da polimerase, ou PCR, que custam até 20 vezes mais. Os três testes de antígenos aprovados para uso no Canadá detectam entre 84 e 96,7 por cento das pessoas infectadas com o vírus.
No Reino Unido, os testes de antígeno usados em uma campanha de testagem em massa identificaram apenas 40% dos casos de covid-19 detectados por testes de PCR.
Por essa razão, muitos especialistas no Canadá e em outros países argumentaram inicialmente que era melhor expandir o número de testes de PCR. Porém, à medida que a pandemia se estendeu e o país não foi capaz de atingir as metas de testagem, esse pensamento mudou, de acordo com o dr. Irfan Dhalla, codiretor do painel consultivo de testes e exames de covid-19 do Canadá, que recomendou que o país aumente o número de testes rápidos. "Um teste rápido de antígeno é obviamente melhor que teste algum, desde que não seja usado como passe livre. Seja no trabalho, seja na escola, você ainda terá de usar máscara e se manter fisicamente distante o máximo que puder", explicou Dhalla.
Os membros do consórcio esperam que, no longo prazo, o programa de testes ajude a reduzir as taxas de infecção o bastante para permitir o retorno a restaurantes e a reuniões de diretoria cheias de gente. Mas, enquanto isso, eles planejam usar os testes como uma camada extra de proteção.
As empresas do consórcio também estão testando os funcionários duas vezes por semana, aumentando a chance de identificar casos positivos.
"Todos estão esperando por uma solução fácil, mas percebemos que isso não existe. Os testes também não resolvem tudo", admitiu Laura Rosella, professora associada de Epidemiologia da Universidade de Toronto e orientadora do projeto.
Em setembro, mais de cem funcionários do consórcio começaram a trabalhar em conjunto, pagos pelas próprias empresas, para criar um plano. Dois generais aposentados se voluntariaram para ajudar a fazer a gestão da logística.
Em novembro, o grupo foi registrado como uma ONG chamada CDL Rapid Screening Consortium, e cada empresa participante contribuiu com US$ 230 mil para custos operacionais.
Trabalhando em equipes, os funcionários pesquisaram cerca de 50 tipos diferentes de testes de antígeno desenvolvidos no mundo todo, analisaram o que seria necessário para colocar em prática a testagem – desde o número de funcionários até o número de roupas de proteção – e estimaram o custo total.
O resultado é um manual de operações de 400 páginas que inclui desde formulários de consentimento padronizados até a lista de compra de materiais necessários para operacionalizar o programa.
Um dos desafios foi a dificuldade de adquirir os testes. O consórcio precisou comprá-los do governo, já que ainda não estão disponíveis para o grande público no Canadá e existe grande demanda de escolas e asilos.
Sobre as escolas, os lares de idosos e outros locais de trabalho essenciais, Dhalla comentou: "É importante começar os testes lá. À medida que ganharmos experiência, poderemos conversar sobre o retorno ao trabalho, nos casos em que o trabalho remoto é viável."
Em janeiro, cinco das empresas começaram a testar o programa em ambientes como farmácias e estações de rádio. Por enquanto, cerca de 400 funcionários se voluntariaram, e quase 1.900 testes foram realizados. Apenas três tiveram resultado positivo, de acordo com Sonia Sennik, diretora executiva do Laboratório de Destruição Criativa: "Eles não foram ao trabalho nem espalharam a doença. Conseguimos interromper a cadeia de transmissão nessas três ocasiões."
As empresas descobriram que o programa diminui a ansiedade dos funcionários não apenas em relação ao retorno ao trabalho presencial, mas também em relação à volta para casa todos os dias, explicou Sennik.
"Eu me sinto aliviado", disse Mohamed Gaballa, funcionário da Air Canada que fez o teste durante uma parada no Aeroporto Internacional Pearson, de Toronto. Depois de 15 minutos, ele recebeu a seguinte mensagem por e-mail: "O resultado do seu teste foi negativo. Você pode continuar com suas atividades do dia."
"Isso fez falta no Canadá por tempo demais", afirmou Dan Kelly, presidente e CEO da Federação Canadense de Empresas Independentes, que representa 110 mil empresas de pequeno e médio porte.
Segundo ele, as empresas pequenas encontram mais dificuldades para implementar um programa como esse. Além do custo dos testes, também existe o custo das equipes que os aplicam.
Kelly imaginou que o programa não funcionaria em restaurantes e lojas movimentadas – lugares nos quais há muito mais clientes não testados do que funcionários testados, a menos que o plano também fosse testá-los. Porém, em cozinhas, pequenos armazéns, pequenas fábricas e escritórios, "esse teste seria muito útil", comentou.
"Em condições normais, a ideia de pequenas empresas fazerem testes em todos os funcionários seria uma fantasia. Mas, nesse caso, em vista do desespero das pequenas empresas para voltar a abrir, ou para continuar abertas, existe potencial para isso", disse Kelly, que faz parte do grupo consultivo sobre testes da covid-19 na indústria junto ao governo canadense.