Negócios

Empresas correm para encontrar soluções contra covid-19 no transporte

Mesmo com a chegada de uma vacina, as companhias acreditam que o “novo consumidor” continuará em busca de segurança

China: voluntários em roupas de proteção desinfetam uma estação ferroviária, em Changsha
 (cnsphoto/Reuters)

China: voluntários em roupas de proteção desinfetam uma estação ferroviária, em Changsha (cnsphoto/Reuters)

EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 26 de julho de 2020 às 18h02.

Última atualização em 26 de julho de 2020 às 22h04.

A pandemia do novo coronavírus impõe alterações em todos os meios de transporte, em especial naqueles que levam muitas pessoas, que acabam ficando mais expostas a contaminações.

Para evitar que a fuga atual de passageiros se mantenha, companhias aéreas e empresas de transporte municipal e rodoviário trabalham no desenvolvimento de tecnologias que minimizem o contágio nesses ambientes e oferecem maior segurança aos usuários.

Algumas fabricantes já começaram a oferecer ônibus com itens como poltronas feitas com tecidos antivirais e proteção nas barras de apoio do passageiro. No caso dos aviões, onde o sumiço de passageiros foi mais notado, há estudos para uso de luz ultravioleta nos banheiros e de superfícies que eliminam micro-organismos.

Ainda que haja empecilhos, a indústria do transporte tem procurado soluções até mesmo para os automóveis que, apesar de não serem objetos de aglomeração, são compartilhados por diferentes pessoas dado o grande volume de usuários de aplicativos como Uber, 99 Táxi e de serviços de locação.

Mesmo com a chegada de uma vacina, as companhias acreditam que o “novo consumidor” continuará em busca de segurança, seja contra a covid-19, a gripe ou qualquer outro vírus que eventualmente surja.

“Independente do coronavírus, estamos agregando valor ao nosso produto, trazendo algo benéfico para as pessoas que pode ser entendido como qualidade de serviço. Não é uma aposta de curto prazo”, diz Rodrigo Pikussa, diretor do Negócio Ônibus da Marcopolo.

Algumas das tecnologias, porém, podem demorar para serem adotadas em larga escala. Isso porque encarecem o produto num momento em que as empresas estão com problemas de caixa para promover altos investimentos e também porque o consumidor pode não estar disposto a pagar o repasse desses custos.

O sócio da consultoria KPMG no Brasil, Ricardo Bacellar, acredita que os custos dessas inovações podem inibir novos projetos, principalmente aqueles que exigem mudanças na forma de produção. “Isso leva um tempo, pois, no caso das montadoras, são necessários muitos testes e homologações”. Em sua opinião, também não há garantias ainda de que essas tecnologias sejam de fato seguras contra contaminações - embora as empresas afirmem que todas elas foram testadas em laboratórios independentes e certificadas nos organismos responsáveis.

Fabricantes de aviões trabalham na criação de banheiro estéril

Com um sistema já bastante eficiente para filtrar o ar nas cabines, a indústria da aviação busca agora medidas que garantam que vírus e bactérias não resistam por muito tempo em assentos ou nos banheiros. As fabricantes de aeronaves têm trabalhado, em parceria com fornecedores, para desenvolver, por exemplo, um banheiro estéril e uma varinha de luz ultravioleta que possa ser mais uma ferramenta para desinfetar aviões.

A americana Boeing tem atuado na pesquisa de três tecnologias. A primeira seria um revestimento de assentos que os blindaria contra micróbios. Apesar de já existirem tecidos que fazem isso, eles demoram algumas horas para matar certos micro-organismos. A ideia é desenvolver algo que atue de modo mais rápido, diz o diretor de marketing de produtos da companhia, Jim Haas. Em coletiva de imprensa, Haas afirmou que algumas companhias aéreas já mostraram interesse pelo produto, mas não citou quais.

A Boeing estuda também adotar varinhas de luz ultravioleta na desinfecção das cabines e desenvolveu um protótipo de um banheiro com essa radiação, no qual 99,9% dos germes seriam exterminados em três segundos após cada uso. Haas, porém, afirma que deve demorar um pouco para vermos esses banheiros em operação. Apesar de não especificar quanto tempo, ele explica que os banheiros ainda dependem da certificação dos órgãos regulatórios do setor aéreo.

Para Haas, algumas das mudanças nas viagens aéreas devem permanecer mesmo depois de passada a pandemia, como a medição de temperatura dos passageiros antes do embarque. “Algumas das alterações na jornada da viagem serão permanentes. Vamos ver quais tecnologias e procedimento são eficientes e quais não trazem tanto benefício”, destacou.

A Embraer também trabalha no desenvolvimento de um banheiro estéril, no qual, além da luz ultravioleta, deve haver portas que abrem e fecham automaticamente e acionamento de descarga e torneira por sensores. A adoção de um banheiro como esse também dependerá do interesse das companhias aéreas pela tecnologia.

A exemplo da Boeing, a fabricante brasileira analisa os materiais antivirais para o revestimento de assentos e também para cobrir a tela de entretenimento a bordo. Nesse caso, seria adotada uma película transparente com capacidade de eliminar micro-organismos.

Na Airbus, pesquisas semelhantes estão em andamento. Segundo o presidente da companhia na América Latina e no Caribe, Arturo Barreira, no entanto, a adoção de torneiras automáticas nos banheiros, por exemplo, pode levar tempo. “Mudar tudo não é algo que se possa fazer imediatamente. As empresas aéreas ainda precisam ver quais mudanças realmente fazem diferença.”

Barreira destaca que, apesar de uma possível demora na adoção das novas tecnologias, a maioria dos aviões conta, desde 1994, com filtros Hepa (filtros de detenção de partículas de alta eficiência). Esse filtros, que também são adotados por hospitais e conseguem eliminar 99,9% dos germes, tornam as aeronaves ambientes onde a propagação do vírus é mais difícil.

Os aviões ainda têm um mecanismo que garante que entre ar novo na cabine a cada três minutos, no máximo. O ar flui de cima para baixo, e não da frente para o fundo, diminuindo o risco de contágio, diz Barreira.

Empresa de ônibus já vende modelo 'bioseguro'

A Marcopolo já está vendendo no Brasil e exportando para Argentina, Chile e Angola o ônibus rodoviário chamado de Biosafe com barras e pontos de apoio feitos com material plástico que recebe um aditivo para inativar os vírus em caso de contato, poltronas com tecidos feitos com o mesmo aditivo, assim como cortinas que separam os passageiros.

Os sanitários dos veículos têm luz ultravioleta para desinfecção acionada automaticamente quando a pessoa sai do local. A mesma radiação foi levada para dentro do sistema de ar-condicionado e inativa micro-organismos que estejam na corrente de ar.

Além disso, a empresa oferece aos clientes a opção de bancos individuais em três fileiras. “É uma alternativa de serviço diferenciado que, além do distanciamento, oferece mais privacidade ao passageiro”, afirma Rodrigo Pikussa, diretor do Negócio Ônibus da Marcopolo.

Os produtos foram desenvolvidos por um grupo formado por infectologistas, assessores técnicos, universidades, especialistas e startups e, segundo Pikussa, testados pelo laboratório da Universidade de Caxias do Sul (RS). Outro serviço oferecido é o de desinfecção do veículo, por meio de uma névoa seca formada com um desinfetante hospitalar certificado pela Anvisa.

O efeito da aplicação dura três dias. “Já estamos fazendo desinfecção de quarto de hotel, clínicas, salas de aula e outros ambientes e até criamos uma divisão chamada de Fip Space para cuidar desse negócio que surgiu por acaso”, conta Pikussa.

Outro negócio que nasceu dessa experiência foi a produção de totens para serem colocados na entrada dos ônibus, nas rodoviárias, para a realização de check-in sem contato entre passageiro e motorista. O equipamento mede a temperatura da pessoa, tem câmera que identifica se ela está usando máscara, sistema para ler o QR Code da passagem e um dispenser automático de álcool em gel.

O executivo informa que o preço da adaptação de um ônibus usado custa 20% do valor desse veículo. Já um modelo novo, que sai de fábrica com todos os sistemas, é mais vantajoso e custa 2% mais do que um normal. “Acredito que as pessoas vão estar mais seguras num ônibus nosso do que em alguns ambientes como shoppings e supermercados”, diz Pikussa.

Nas cidades, tecnologia ainda depende de testes

Com maior foco em ônibus urbanos, segmento que lidera no mercado brasileiro, a Caio desenvolveu materiais para encapsular todos as barras usadas como apoio pelos passageiros, seja na entrada do veículo, no teto ou no encosto dos assentos. Revestimentos também são instalados nas laterais e os bancos levam tecidos antibacterianos.

O desenvolvimento foi feito em parceria com a Chroma Líquido, empresa homologada pela Rhodia para a produção de tecidos com um inédito fio antiviral lançado recentemente. Esses tecidos serão usados nos bancos.

A poliamida do fio também será aproveitada na produção de plásticos para os tubos e laterais dos ônibus. Carpetes antivirais serão colocados no primeiro degrau para higienizar os calçados dos usuários. A eficácia do fio foi testada por laboratórios independentes, mas a Caio aguarda exames do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) para iniciar as vendas.

Os testes foram solicitados pela Secretaria de Transportes Metropolitanos de São Paulo, que estuda adotar essas alternativas no transporte público. Além de ônibus, a Chroma também está fazendo testes internos para uso do tecido antiviral no metrô.

O ônibus que a Caio está usando para demonstração já era de linha e recebeu capas nos bancos e revestimento nas barras, processo que pode ser estendido a toda uma frota. Se os materiais forem introduzidos na produção dos veículo, o custo será menor, diz Maurício Cunha, diretor industrial da companhia. “Recebemos várias consultas de empresas, mas vamos esperar o laudo do IPT para oferecer o produto oficialmente.”

A Caio também testa um equipamento que trata a qualidade do ar dos exaustores. “Trabalhamos numa solução que mantenha a velocidade de troca a cada dois minutos, mas que deixe o ar ainda melhor para evitar a circulação de vírus e bactérias.”/ C.S.

Carros podem ter separador de cabine

A indústria de automóveis ainda avalia o que deve ser adotado para tornar os carros mais seguros em termos sanitários. Usar tecidos antivirais e antibacterianos na produção dos bancos é a medida que está em estudo por pelo menos cinco montadoras, segundo a Chroma Líquido.

A empresa é responsável pelo desenvolvimento e produção de tecidos e é homologada pela Rhodia, que criou um fio de poliamida que neutraliza a ação de qualquer tipo de vírus e bactérias. Antes de o produto ser incorporado aos carros, porém, a empresa iniciará a venda de capas para bancos de automóveis no mercado de reposição.

Outro item que já está no mercado, direcionado principalmente a carros usados por motoristas de aplicativos e taxistas é um separador de cabine criado pela Toyota e adaptado a cada modelo de veículo da marca. O acessório parece uma cortina e veda a parte frontal da traseira do veículo, mantendo apenas uma abertura na parte inferior para realização de pagamentos. Custa entre R$ 340 e R$ 365.

A principal iniciativa até agora das fabricantes foi iniciar a prestação de serviços de higienização dos carros.

A Ford foi mais longe e criou um serviço de desinfecção similar ao realizado em UTIs de hospitais, que utiliza desinfetante com ação comprovada contra vírus, bactérias e fungos. O serviço custa R$ 129.

A Hyundai também oferece serviço superior ao da higienização, que inclui sanitização por ozônio para livrar a cabine do carro de fungos e bactérias, esterilização dos pontos de contato e limpeza do ar-condicionado e troca do filtro. Custa R$ 99. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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