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Empresas contratam refugiados com ajuda de programa social

Projeto que une refugiados em busca de emprego no Brasil e companhias dispostas a recebê-los já efetivou 57 pessoas desde 2012


	Emprego: refugiados no Brasil têm ajuda de projeto para conseguir vaga de trabalho
 (Wikimedia Commons)

Emprego: refugiados no Brasil têm ajuda de projeto para conseguir vaga de trabalho (Wikimedia Commons)

Luísa Melo

Luísa Melo

Publicado em 4 de julho de 2016 às 15h10.

São Paulo - Depois de organizar um protesto contra o fechamento de uma rede de televisão de oposição ao governo, Fernando* passou a perseguido e teve de deixar a República Democrática do Congo, em 2012.

Ele, que em seu país trabalhava para uma ONG que defende os direitos internacionais, chegou ao Brasil como refugiado e sem perspectiva de arranjar um emprego – condição essencial para que consiga trazer para cá a mulher e os cinco filhos que deixou para trás.

Passada a luta para conseguir a carteira de trabalho, levou ainda quatro meses até que o congolês encontrasse uma colocação.  "Foi tudo muito difícil no começo. Eu não estava bem de saúde e enfrentava problemas com o idioma, porque não encontrava quase ninguém que falasse francês, ou mesmo inglês", conta.

A vaga veio por meio do Programa de Apoio para a Recolocação de Refugiados (PARR), mantido pela empresa de consultoria jurídica de imigração EMDOC em parceria com o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR). Mas, mesmo com todos os percalços, Fernando se sente privilegiado. "Comparando com os outros que estavam na mesma situação, eu tive uma oportunidade", diz.

Apesar de ter um dos maiores territórios africanos e uma grande quantidade de recursos naturais, a República Democrática do Congo vive há 20 anos um dos mais sangrentos conflitos entre etnias do mundo. O presidente do país, Joseph Kabila, foi eleito em 2006, mas tem contra sua gestão diferentes grupos rebeldes.

Fernando conheceu o PARR durante sua estadia na Casa do Migrante, da Pastoral do Migrante de São Paulo, através de uma das apoiadoras do projeto, a Cáritas, entidade de promoção social da Igreja Católica.

Ele foi o segundo refugiado a participar do programa e se tornou funcionário da própria EMDOC, em uma espécie de teste. Quase dois anos depois, o congolês ainda integra o quadro de empregados da companhia e atua na divisão financeira, área na qual pode aproveitar os conhecimentos absorvidos em sua licenciatura em gestão administrativa.

A primeira contratação do PARR, também feita pela empresa, não havia dado certo. "Não funcionou porque não estávamos preparados, mas serviu como uma oficina para o amadurecimento. Hoje, orientamos melhor as organizações que vão recebê-los", disse João Marques, fundador e presidente da EMDOC.

O projeto nasceu de uma ideia do próprio executivo e colocá-la em prática envolveu vários desafios. Não só foi trabalhoso conseguir as aprovações, apoiadores e estrutura necessários, como também vencer o preconceito.

Todo o processo levou cerca de 8 meses, tempo que João Marques teve para convencer seus 25 sócios de que sua criação tinha futuro. “Quebrar o paradigma de que quem precisa fugir de seu país é bandido ou foragido não foi fácil”, conta.

O PARR

Basicamente, o PARR une refugiados aptos a serem contratados (aqueles reconhecidos pelo Ministério da Justiça e que já têm carteira de trabalho) e empresas disponíveis a empregá-los, por meio de uma plataforma online.

As companhias interessadas precisam atender alguns pré-requisitos determinados pela ACNUR (as do ramo de bebidas alcóolicas e de armamentos, por exemplo, não são aceitas) e se inscrever no site do projeto. 

Já os refugiados são contatados pela Cáritas, que já trabalha com acolhida a esse público na Casa do Migrante. Depois, eles são entrevistados pela equipe da EMDOC, que analisa suas competências e experiências e monta um currículo, que também é cadastrado online.

No caso de as informações combinarem, o refugiado passa pelo processo seletivo normal da empresa que tem interesse em admiti-lo. Feita a efetivação, o trabalhador é acompanhado por profissionais da EMDOC durante os primeiros 90 dias no emprego.

A empresa mantém dois funcionários dedicados integralmente ao projeto, além de um grupo de empregados voluntários. Eles realizam um treinamento cultural sobre o Brasil junto aos estrangeiros e orientam as empresas sobre como elas podem melhor integrá-los, com dicas do tipo evitar questionar o porquê do refúgio e outros aspectos muito pessoais.

Hoje, 71 companhias e 441 currículos estão cadastrados no site do projeto. Desde o início das atividades, em 2012, 57 refugiados e solicitantes de refúgio já encontraram emprego por meio dele e a expectativa é de que, até o fim do ano, sejam cem contratados.

Uma rede de hotéis que prefere não ter o nome divulgado efetivou recentemente seis refugiados, que ainda estão em fase de teste. Se o resultado for positivo, outras 50 vagas podem ser abertas para receber cadastrados do programa nos próximos anos.

“As vantagens para as empresas são muitas. O funcionário geralmente é mais qualificado do que a vaga inicial demanda, é remunerado normalmente e não há custo com expatriação. Além disso, é uma mão de obra não muito ligada ao turnover, porque essas pessoas estão recomeçando, estão a fim de trabalhar”, defende Marques.

Todo os gastos para manter o projeto são bancados pela EMDOC. “Não há nenhum interesse lucrativo, esse não é o foco”, garante.

Caso de sucesso

A GInter, transportadora especializada em mudanças internacionais, contratou três funcionários por meio do PARR em fevereiro do ano passado e tem aprovado a iniciativa. Dois deles vieram do Congo e um, da Nigéria. Todos trabalham na equipe operacional, fazendo embalagens e carregamento.

“Pela qualidade da mão de obra, o nível educacional (um dos congoleses, por exemplo, era engenheiro no seu país) e a vontade e necessidade que eles têm de trabalhar, tem sido uma excelente experiência”, diz Robson Granero, diretor executivo da companhia.

Ele conta que a diversidade de línguas nativas (os congoleses falam francês e o nigeriano, inglês) é um diferencial na hora de lidar com os clientes, em geral executivos estrangeiros que vieram expatriados para o Brasil para trabalhar em multinacionais parceiras da GInter.

“No dia a dia, como eles têm facilidade de comunicação, acabam se sobressaindo até mesmo aos líderes de equipe. Isso é bastante importante e tem sido observado para o plano de carreira deles”, afirma.

Ao ingressar para a empresa, os estrangeiros recebem um suporte especial do RH e da gerência.  “Mas eles se adaptaram tão bem que, a partir de agora, sempre que tiver vaga aberta vamos tentar buscar pessoas desse programa. A maioria vem sem a família e o emprego é tudo que eles precisam para trazê-la para cá ou para construir uma vida melhor, por isso há muita dedicação”.

De acordo com as últimas estatísticas do Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE), do Ministério da Justiça, 5.208 refugiados foram reconhecidos pelo órgão até dezembro de 2013. Entretanto, não é possível estimar quantos deles estão ativos no mercado de trabalho brasileiro.

*Fernando é um nome fictício usado por questões de segurança.

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