Peterson Rodrigues, da D20: "Tivemos que mostrar domínio completo da franquia, desde o lore até a experiência de jogo” (D20/Divulgação)
Repórter de Negócios
Publicado em 26 de maio de 2025 às 10h22.
Última atualização em 26 de maio de 2025 às 13h59.
De uns anos pra cá, os jogos de tabuleiro deixaram de ser passatempo de nicho para virar um negócio global bilionário.
Com fãs dispostos a investir pesado em edições colecionáveis, campanhas de financiamento e acessórios, o setor vem ganhando espaço nas prateleiras — e no bolso — de consumidores em todo o mundo.
É nesse cenário que a D20 Culture, uma editora brasileira especializada em criar universos narrativos, deu um passo inédito.
A empresa vai anunciar hoje o lançamento, a partir de uma licença com a Warner Bros., do primeiro jogo de tabuleiro do mundo baseado nas trilogias cinematográficas de “O Senhor dos Anéis” e “O Hobbit”.
É a primeira vez que uma empresa brasileira licencia uma propriedade intelectual da Warner para criar um jogo de tabuleiro oficial — algo até então inédito fora dos grandes estúdios norte-americanos.
O objetivo maior é vender o produto no mercado interno, sim, mas principalmente no exterior.
Com a expansão para o mercado externo, a empresa projeta dobrar sua receita e alcançar 40 milhões de reais até 2026.
“Precisávamos mostrar que éramos capazes de fazer um lançamento à altura da marca que contratamos", afirma Peterson Rodrigues, CEO da D20. "E isso significou puxar o freio de mão em 2024 para preparar tudo para 2025”.
Para além do jogo, a aposta é clara: tornar a mecânica replicável e transformar a empresa numa desenvolvedora global de IPs geek.
A D20 nasceu como um produto de streaming voltado ao público geek em 2022.
A ideia inicial era produzir conteúdos semanais. Mas logo o foco migrou para a criação de propriedades intelectuais completas: histórias, universos, personagens e produtos derivados. O objetivo? Criar marcas que pudessem virar jogos, filmes, mochilas, séries ou eventos.
“A gente pensa por exemplo em um jogo de tabuleiro, mas queremos fazer produtos 360º com a história do jogo. Filmes, cenas, mochilas, tudo o que for possível, porque a gente desenvolve a propriedade intelectual, a história, a marca”, afirma Rodrigues.
Peterson Rodrigues já tinha uma trajetória consolidada no mercado de games e e-sports. Ele foi fundador e CEO da Gaming Culture, uma agência especializada no segmento, onde atuou de maio de 2020 até janeiro de 2024. Além disso, Peterson acumulou cerca de 10 anos de experiência profissional em vendas, tanto no mercado B2B quanto B2C, e já trabalhava há mais de 5 anos de forma profissional com games e e-sports antes de criar a D20 Culture.
Hoje, a D20 opera como um estúdio criativo com forte atuação em licenciamento e produção. Entre os cases já lançados estão jogos licenciados como o RPG de “Avatar” (da Nickelodeon) e o board game do Castelo Rá-Tim-Bum, feito em parceria com a TV Cultura. Ambos os produtos venderam bem no Brasil e serviram como laboratório para os projetos mais ambiciosos.
A virada institucional da D20 veio em 2023, quando o humorista e apresentador Fábio Porchat se tornou sócio com um aporte de 2,15 milhões de reais. O objetivo era expandir os negócios para além dos jogos, mantendo a essência criativa.
“Queria expandir os negócios e começar a entrar em outros ambientes, mas que não fugissem do meu lado criativo”, diz Porchat. “Quando me falaram sobre a D20, entendi que teria um espaço para pensar em conteúdos, jogos e expandir para criar filmes, séries, eventos. Serão muitas possibilidades”.
A parceria com a Warner não foi simples.
O processo envolveu mais de um ano de negociações, criação de protótipos e um plano de negócios detalhado que validasse a capacidade da D20 de operar no mercado internacional.
“É um fandom muito fiel, não dá para errar. Tivemos que mostrar domínio completo da franquia, desde o lore até a experiência de jogo”, diz Ricardo Wendel, diretor de operações.
O jogo começa com a Sociedade do Anel e já tem sete expansões aprovadas.
A versão nacional será lançada via Catarse. A internacional, pelo Kickstarter — plataforma que concentra grande parte da comunidade global de colecionadores e jogadores.
“O Brasil é o oitavo maior mercado do mundo em board games, mas ainda é pequeno frente aos Estados Unidos. Então montamos toda a estrutura: produção na China, distribuição com ex-Amazon, mídia especializada. Está tudo amarrado para escalar”, afirma Wendel.
Mais do que consumidores, os geeks são fãs engajados que buscam experiências profundas e colecionáveis. Esse é o público que sustenta o crescimento dos jogos de tabuleiro em todo o mundo. “É um jogo fácil de entender, difícil de dominar. E isso conecta com o que o fã quer: viver a história na pele do herói”, diz Wendel.
A lógica do board game se baseia em exploração, estratégia e cooperação. E foi essa estrutura que a D20 usou para criar uma experiência inédita dentro do universo de Tolkien, sem violar o cânone da obra. “Você joga em grupo, enfrenta desafios, enfrenta o vilão. Mas a história muda a cada partida, então não tem narrativa engessada. É roleplay puro, mas analógico”, explica.
Apesar de estar focada no lançamento de Senhor dos Anéis, a D20 já desenha os próximos passos.
A meta é deixar de adaptar IPs de terceiros e passar a criar marcas próprias para o mercado global.
“Hoje fazemos IPs originais com marcas famosas. O passo seguinte é criar nossas próprias marcas e levá-las para o mundo. Mas isso só funciona quando você já construiu reputação no mercado”, afirma Wendel.
Entre os projetos da empresa estão jogos com temáticas como saúde mental (“Fuga do Sanatório Moreau”) e até um card game com lendas do heavy metal. Também há planos para expandir em outras mídias, como animações e games digitais — para isso, não descartam futuras rodadas de investimento.
O jogo de Senhor dos Anéis foi viabilizado com capital próprio e uma rodada privada com investidores estratégicos — fãs do universo geek e aliados na expansão global. Para produtos futuros, a empresa estuda novas captações, mas aposta principalmente na força do próprio modelo de negócio.
“A gente tem quase 3.000 pessoas na fila de espera para comprar o jogo. Isso mostra que o próprio produto pode financiar sua expansão”, afirma Ricardo.