Negócios

Empreendedorismo na maturidade ganha espaço no Brasil

Ao iniciar seus próprios negócios, mulheres com 50 anos ou mais descobrem uma nova oportunidade de realizar seus sonhos

Fátima Bernardi e Nádia Cristina Gomes: elas fundaram a premiada cervejaria artesanal Maltês Craftbeer.

Fátima Bernardi e Nádia Cristina Gomes: elas fundaram a premiada cervejaria artesanal Maltês Craftbeer.

Daniel Salles
Daniel Salles

Repórter

Publicado em 9 de janeiro de 2025 às 16h00.

Por anos e anos, Helena Schargel cultivou o sonho de tirar um ano sabático. “A ideia me parecia maravilhosa”, lembra ela, nascida em Marília, no interior de São Paulo. Depois de uma longa trajetória como criadora de marcas femininas, ela deu início a um ano sabático, enfim, em 2018, quando estava com 78 anos. “Tinha me aposentado e estava sem nenhum plano profissional à vista”, recorda.

Tudo mudou quando ela participou de um evento chamado Café 50+, voltado para esta faixa etária. Schargel chegou atrasadíssima e foi uma das últimas a responder à pergunta feita a todos os participantes: “Você tem algum projeto em mente?”. Ela jura que não tinha até aquele momento. Respondeu, no entanto, que sim. E se pôs a detalhar a ideia de montar uma coleção de lingeries para mulheres acima dos 50 anos. “Esta ideia, provavelmente, estava escondida em algum canto da minha mente”, acredita.

Helena Schargel: ela criou uma coleção de lingeries para mulheres acima dos 50 anos. (Divulgação)

Terminado o evento, Schargel voltou para casa e passou a madrugada vasculhando a internet, para se certificar de que a proposta era realmente original, como supunha. Às 6h da manhã, telefonou para uma amiga que produz lingeries e ofereceu a ideia, prontamente aceita. Ela só impôs uma condição: fazia questão de posar para a campanha de divulgação vestindo os produtos da coleção. “Queria que o nosso público-alvo se sentisse à vontade com os nossos produtos”, argumenta.

A coleção, desdobrada em outras, foi lançada pela marca de lingerie Recco. E, assim, o ano sabático de Schargel durou apenas um mês. “Não me arrependi, nem por um minuto, de voltar a trabalhar”, diz ela. “Teria me arrependido, isso sim, de não ter empreendido àquela altura da vida”. Não por acaso, a criadora de marcas femininas se converteu em uma palestrante motivacional focada no público 60+, além de em exemplo de empreendedorismo para esta faixa etária. Uma de suas frases prediletas é essa: “empreender é se reinventar todos os dias”.

Empreendedorismo na maturidade

O empreendedorismo de quem está com 50 anos ou mais é uma das prioridades do Sebrae. Os esforços nessa direção estão integrados ao programa Plural, que destina recursos para que cada Sebrae estadual impulsione o empreendedorismo feminino, o afroempreendedorismo e os negócios dos demais grupos sub-representados. É o caso da turma que forma a chamada economia prateada.

2,2 milhões dos pequenos negócios no Brasil são
chefiados por pessoas com mais de 65 anos

A unidade da instituição em Fortaleza, no Ceará, estruturou este ano o programa Sebrae Sênior, que está desenvolvendo trilhas de capacitação específicas para quem decidiu empreender em idade avançada. “As pessoas estão vivendo mais e com mais energia e vontade de atuar”, observa Jefferson Cavalcante de Oliveira, que gerencia o Sebrae Sênior. “Por outro lado, elas estão sendo obrigadas a sair do mercado de trabalho cada vez mais cedo. Como elas vão se sustentar ou manter o padrão de vida de antes?”.

Negócios por vocação

O empreendedorismo na maturidade pode ser uma resposta. “Nosso intuito é estimular quem tem 50 anos ou mais a empreender não só por necessidade — após uma demissão, por exemplo —, mas por oportunidade ou vocação”, detalha Oliveira.

Foi o caso da analista de sistemas Fátima Bernardi, de 57, que fundou ao lado da esposa, a bióloga Nádia Cristina Gomes, de 56, a cervejaria artesanal Maltês Craftbeer – um trocadilho para malte e maltês, raça do cãozinho da família. O que começou em Florianópolis (SC) como hobby, ganhou corpo quando, em 2019, um restaurante entrou em contato para comprar a cerveja fabricada por elas até então em casa, de forma despretensiosa. Foi quando o casal decidiu formalizar a empresa e registrá-la junto ao Ministério da Agricultura e Pecuária. De lá para cá foram duas medalhas em um concurso nacional, o Brasil Beer Cup: uma de prata, no ano passado, com a cerveja Stout; e outra de bronze, esse ano, com a rauchbier.

Com uma produção mensal de 1.000 litros – e capacidade para mais 2.000 –, elas não abrem mão da sustentabilidade. A cervejaria usa água da chuva na limpeza da fábrica, e energia fotovoltaica em todo o processo produtivo. Além disso, faz o recolhimento de garrafas nos pontos de venda, usa um carro elétrico na entrega de mercadorias, e transforma os resíduos do malte em compostagem para a horta, de onde saem insumos usados na produção como amora, maracujá e pimenta-rosa. “Muitas empresas crescem e perdem a qualidade. Para nós, isso é inegociável”, diz a ex-analista de sistemas e hoje mestre-cervejeira Fátima Bernardi.

"Nosso intuito é estimular quem tem 50 anos ou mais a empreender não só por necessidade — após uma demissão, por exemplo —, mas por oportunidade ou vocação"Jefferson Cavalcante de Oliveira, do Sebrae Sênior

Que a economia prateada terá cada vez mais importância, ninguém duvida. Atualmente, quase 16% da população brasileira tem 60 anos ou mais. Em 1980, para efeito de comparação, essa parcela correspondia só a 6,1% do total. E a expectativa, para 2050 é que ela chegue a 30%, o que fará do Brasil o sexto país com mais gente com essa faixa etária. “Os empreendedores que não enxergam a turma com 50 anos ou mais como público-alvo estarão, cada vez mais, abrindo mão de oportunidades de negócio”, destaca o gerente do Sebrae Sênior.

De acordo com a consultoria Data8, o consumo de produtos e serviços por pessoas dessa faixa etária movimenta cerca de 2 trilhões de reais por ano no Brasil. Trata-se de uma clientela que responde por 23% do consumo de bens e serviços, com uma renda anual estimada em 940 bilhões de reais. Mundialmente, a economia prateada é tida como a terceira maior atividade econômica, movimentando cerca de 7,1 trilhões de dólares por ano.

Um setor que é conhecido por apostar na terceira idade como público-alvo é o do turismo. Para quem quer montar um negócio de olho na mesma parcela da população, uma pesquisa realizada pela Pipe.Social, plataforma criada para divulgar startps com impacto social, trouxe bons insights. Ela se debruçou sobre 343 negócios específicos para os maiores de 60 anos e concluiu que 40% do consumo nessa faixa etária corresponde a produtos para o autocuidado. Não à toa, as mulheres maduras correspondem a 10% da clientela dos salões de beleza.

O consumo de produtos e serviços por pessoas com 50 anos
ou mais movimenta cerca de 2 trilhões de reais por ano no Brasil.

Dados da Fundação Getúlio Vargas (FGV) indicam ainda que pessoas com mais de 65 anos compõem 17% da faixa dos 5% mais ricos do Brasil. E uma pesquisa do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) identificou que 41% dos idosos gastam mais com produtos de desejo do que com itens de necessidade básica. Para 66% dessa turma, afinal, aproveitar a vida é a grande prioridade.

Paulista de Murutinga do Sul, Amauri Raizer tinha 58 anos quando resolveu empreender novamente, em 2019. Ela tinha acabado de vender sua loja de equipamentos agropecuários, com a qual ganhou a vida por anos e anos. Então radicada em Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, ela planejava, a princípio, só aproveitar a vida dali em diante. Isso até a descoberta, em sua fazenda no município de Miranda, no mesmo estado, de pedras naturais como o quartzo.

Amauri Raizer ao lado da filha, Thais: ela tinha 58 anos quando
resolveu empreender novamente com uma grife de joias.

Daí para ela começar a transformá-las em joias artesanais foi um pulo. Inicialmente, a marca era chamada de Ave Maria Bio Joias. “É o nome do CNPJ, que escolhi sem pensar muito no assunto”, recorda Raizer, que trouxe sua filha, Thais Raizer, de 43 anos, para ajudá-la no negócio. “O problema é que muita gente começou a achar que as joias tinham um cunho religioso”. Para acabar com os mal-entendidos, a marca foi rebatizada, em 2021, como Madam.

Hoje a joalheria dispõe de uma loja em Campo Grande e de duas em Bonito, no mesmo estado. O ticket-médio é de 350 reais e a concepção das joias está a cargo de um trio de designers. Neste ano, a Madam começou a exportar para o Chile e para alguns países na Europa. “Se você tem um propósito, a idade não é um empecilho”, afirma a fundadora da Madam, que descarta a ideia de se aposentar. “Eu estava pronta para empreender, e com mais disposição do que muita gente mais nova. Me sinto mais viva trabalhando.”

Outra empreendedora que não concebe a hipótese de dar adeus ao trabalho é a chef Ana Soares. O pastifício dela, o Mesa III, vai completar 30 anos em 2025. A fábrica se encontra na Vila Romana, em São Paulo, e há uma segunda loja em Perdizes, na mesma cidade. A filial também dispõe de um café, reaberto recentemente, depois de um longo hiato — serve pratos como cappelletti de carne ou cogumelos, espinafre, manjerona e parmesão, e agnolotti de búfala e manjericão com molho de tomate. “Não é um restaurante”, explica a proprietária. “Enxergo como um local para as pessoas irem sem pressa, para comer e trocar receitas.”

Ana Soares, dona do Mesa III: aos 72 anos, ela quer ampliar o negócio. Foto: LAÍS ACSA

Aos 72 anos, Soares quer ampliar o negócio. “Enxergo várias possibilidades de expansão”, diz ela, que se dedica, principalmente, à criação de novos tipos de massa. “Se alguém diz que eu não deveria estar empreendendo nesta altura da vida, finjo que não escutei”. Paulista de Guararapes, ela montou o pastifício artesanal com o intuito de abastecer restaurantes diversos com massas — o III, do nome, remete ao ato de terceirizar. “Eu adoraria ter um restaurante e poder contar com massas como as nossas para servir”, afirma ela, que é fornecedora de endereços festejados como Maní, Mestiço e Capim Santo.

Hoje, comanda cerca de quarenta funcionários. Parte considerável do sucesso do negócio, ela admite, se deve à digitalização. “Considero-me uma pessoa totalmente analógica, mas reconheço a importância das ferramentas digitais”, registra. “E tem mais: não preciso saber executá-las, basta me cercar de pessoas que saibam fazer isso”.

A paulistana Regina Cimino, 61 anos, nunca duvidou da importância das ferramentas digitais para o sucesso de seu negócio — ela tem uma agência de viagens online e uma marca de cosméticos e produtos de beleza. Mas ela demorou a se convencer das vantagens de focar em sua própria faixa etária como público-alvo. Deu-se conta disso em 2019, quando criou o perfil Gi Cimino no Instagram. Sua razão de ser era divulgar os produtos de beleza e os cursos ministrados por ela.

Quem dava as caras no perfil inicialmente, no entanto, era a filha de Regina, Gilse Cimino, a Gigi, hoje com 28 anos. Pouco à vontade no papel de influenciadora, esta pediu para sair em pouco tempo, obrigando a mãe a assumir a função — e o codinome de Gi Cimino. Vencida a timidez inicial, a empreendedora começou a apostar a maioria das fichas em mulheres de sua faixa etária. “Eu achava, equivocadamente, que internet é só para quem é jovem”, recorda. “Descobri que há muita gente da minha idade interessada em maquiagem.”

Não demorou para ela se converter em uma influenciadora de respeito — com 130.000 seguidores no Instagram, já foi contratada por marcas como Boticário, L'Oréal e Avon. Ela não se limita a falar sobre beleza — adora estimular outras mulheres, por exemplo, a engrossar as fileiras do empreendedorismo sênior. “Quem tem mais de 60 anos pode e deve fazer tudo que tiver vontade”, defende. Ela conta que, volta e meia, algum hater aparece para dizer, por exemplo, que maquiagem para quem está com a pálpebra caída é um absurdo. “Resolvo isso tirando os óculos”, confessa, aos risos. “Assim não consigo ler essas bobagens.”

Segmento lucrativo

Dicas para quem quer apostar na clientela sênior

  • Segmente o público-alvo. Consumidores com mais de 50 anos formam um grupo bastante heterogêneo e que não deve ser tratado de maneira generalizada. Faça pesquisas e entrevistas que ajudem a identificar quais são os interesses, os hábitos e os valores do nicho escolhido.
  • Fuja dos estereótipos. Esqueça aquela imagem de idosos frágeis ou ranzinzas, que sempre necessitam da ajuda dos mais jovens. Nas campanhas de divulgação, utilize imagens de pessoas reais para que seu público se sinta representado.
  • Invista em um design mais inclusivo. Utilize fontes maiores e cores contrastantes para facilitar a leitura. E não esqueça de simplificar ao máximo a jornada de compra, permitindo que o cliente finalize seu pedido em poucos cliques.
Acompanhe tudo sobre:branded-contentConstruindo futuros

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