Bullguer: de dívida de aproximadamente 113 milhões de reais, a grande parte é com ex-investidores (Bullguer/Reprodução)
Repórter de Negócios
Publicado em 12 de dezembro de 2023 às 15h18.
Última atualização em 12 de dezembro de 2023 às 17h31.
Pouco mais de um ano após entrar (discretamente) em recuperação judicial, a rede de hamburguerias paulistanas Bullguer teve seu plano de reestruturação aprovado pela maioria dos credores na última quinta-feira (7). Trata-se do plano de ação da marca para se erguer de uma dívida de aproximadamente 113 milhões de reais, que foi impulsionada, principalmente, por uma crise societária e agravada pela pandemia.
"Queremos olhar para dentro e reestruturar o negócio para honrar com esse plano", diz Alberto Abbondanza, um dos fundadores da empresa, em entrevista exclusiva à EXAME. "É um plano longo de pagamento. Vamos nos organizar para fazê-lo. Vamos otimizar a operação aqui dentro. Seja fazendo uma redução na parte de mão de obra com incremento de tecnologia, com uso de tótens de autoatendimento, seja com produtos que cheguem pré-prontos na nossa loja, ganhando assim eficiência".
"Sempre fomos muito transparantes com fornecedores, até porque muitos deles cresceram conosco", continua. "Nesse momento, queremos estar alinhado com fornecedores, agradecer eles por segurarem as pontas e, agora, fazer desse limão uma limonada. Nosso chef tem trabalhado em novos cardápios, opções de lanche, ano que vem deve entrar bastante coisa legal, produto legal para alavancar nossas vendas. Com o peso que tiramos das costas da recuperação, a gente consegue olhar para nosso negócio, focando 100% na qualidade do produto”.
A Bullguer tem hoje 29 lojas, a grande maioria em São Paulo. Foi uma das pioneiras no conceito de "smashburguer", que é aquele hambúrguer fininho.
A Bullguer foi criada em 2014 da junção e da vontade de três amigos de infância, Ricardo Santini, Alberto Abbondanza e Thiago Koch.
Thiago vinha de uma trajetória como chef de cozinha, tendo trabalhado em restaurantes premiados de São Paulo como Le Vin, Beato e Epice. Já Alberto e Ricardo tinham experiência administrativa no setor de restaurantes, sendo sócios de pequenos empreendimentos no setor, como pizzaria e restaurante de comida saudável.
Os três resolveram se juntar e apostar no mercado de hamburguerias, moda que despontava em São Paulo em 2014.
Como não tinham todo dinheiro para abrir o negócio àquela época, convidaram alguns amigos (que convidaram outros amigos) para apostarem na ideia, injetando capital. Assim, a empresa se instituiu com os três sócios-fundadores e uma sociedade de investidores pessoas físicas.
O negócio, rapidamente, deslanchou. “Para que se tenha ideia do sucesso imediato da Bullguer, é importante destacar que já no mês de dezembro de 2015, apenas nove meses após a inauguração da primeira loja, foi atingida a incrível marca de 94.000 hambúrgueres vendidos”, diz parte da petição inicial do pedido de recuperação judicial.
Os próximos anos foram de crescimento para a empresa, que chegou a ter 31 lojas, operar em modelo de franquia e expandir para fora da capital paulista. Ainda hoje, a Bullguer tem unidades no Rio de Janeiro, Belo Horizonte (MG) e Brasília (DF). Também se arriscou em Porto Alegre (RS), mas fechou poucos meses após abrir.
A crise começa mesmo em 2019, quando a relação entre os sócios fundadores e os sócios ocultos se estremeceu, com aqueles que financiaram a rede querendo realizar os lucros. A saída foi a empresa comprar as quotas dos sócios investidores, numa negociação de pagamentos mensais.
“A recompra é feita na maior paz, sem nenhum problema. Eles recebem um valor de entrada de 1 milhão de reais, e há um plano de pagamento por alguns anos, contando que a empresa iria crescer”, diz o advogado Arthur Ferrari Arsuffi, do escritório Reis, Souza, Takeishi & Arsuffi, que assessora o Bullguer.
Mas aí veio a pandemia, e a Bullguer passou a não conseguir realizar os pagamentos na forma negociada. A tentativa foi tentar compensar a queda nas vendas com o crescimento via delivery, mas a rede esbarrou na dificuldade de gerar margem com as taxas cobradas pelos aplicativos de entrega de comida.
"Isso vem em bastante em linha com o que as demais empresas do segmento alimentício, especialmente restaurantes, vem sofrendo em relação à pandemia. A maioria não conseguiu se recuperar, e a Bullguer não foge dessa regra", analisa Paulo Bardella Caparelli, sócio do escritório Galvão Villani, Navarro, Zangiácomo e Bardella Advogados, especialista em recuperação judicial.
Nisso, novas negociações tiveram que ser feitas, o que estremeceu, ainda mais, a relação societária. Em 2021, começou uma disputa judicial com parte dos sócios ocultos entraram com ação de execução contra a empresa, ocasionando bloqueio de recursos em conta.
Com tantos ingredientes (crise societária, pandemia, dificuldade de pagamento com fornecedores e altas taxas de delivery), o resultado do hambúrguer foi um só: no ano passado, a empresa tentou fazer uma mediação com os credores, mas a situação não foi suficiente para alinhar todas as dívidas, e ingressaram com a recuperação judicial.
Apesar da crise correndo pelos seus corredores, a Bullguer adotou uma estratégia de se manter discreta e continuou atendendo normalmente em suas lojas. Chegou a fazer fechamentos pontuais, mas seguiu trabalhando - e crescendo seu faturamento.
Em 2022, a rede faturou 85 milhões de reais, cerca de 9% a mais do que no ano anterior. Para este ano, projetam faturar R$ 93,4 milhões e, para 2025, passar dos R$ 100 milhões em faturamento com novas lojas, principalmente pelo modelo de franquia.
“O mercado de hambúrgueres artesanais no Brasil tem crescido significativamente nos últimos anos, com a procura por opções de comida de qualidade e diferenciadas”, diz parte do plano de reestruturação da empresa. “As redes de fast-food tradicionais têm investido em linhas de hambúrgueres artesanais, enquanto novos estabelecimentos especializados em hambúrgueres gourmet têm surgido em todo o país. Além disso, a influência da cultura culinária dos Estados Unidos e a busca por novas experiências gastronômicas também têm impulsionado o crescimento desse mercado no Brasil”.
A empresa citou algumas ações que fez nos últimos anos para seguir crescendo, como:
Para além disso, na prática, o plano de reestruturação entrega o que será feito para pagar os credores das dívidas que a empresa tinha quando entrou em recuperação judicial. Nesse sentido, ficou definido que:
A dúvida agora é se o plano será capaz de fazer com que a Bullguer consiga sair da crise. A EXAME conversou com especialistas que acreditam que o projeto de reestruturação está alinhado com o mercado de recuperação judicial. Para a maioria, porém, chamou a atenção que credores com boa fatia da dívida são os ex-sócios da empresa (aqueles investidores que venderam suas partes para a Bullguer em 2019). Pela lista de credores, a dívida para esses investidores é de 74 milhões de reais.
“O plano de recuperação judicial não destoa do que se vê no mercado em muitos casos de recuperação judicial”, diz Leonardo Adriano Ribeiro Dias, head de Contencioso, Arbitragem e Insolvência no Marcos Martins Advogados: “Do ponto de vista financeiro, o plano segue a linha de deságios agressivos para todos os credores, exceto trabalhistas, além de estipular carência de 14 a 18 meses, prazos de pagamento que superam uma década e com fluxo irregular, iniciando com parcelas extremamente baixas”.
Na visão de Bruno Gameiro, sócio e especialista em recuperação judicial do escritório Gameiro Advogados, há razão para acreditar na viabilidade do plano:
“Considerando o prazo para pagamento das dívidas, bem como os critérios de pagamento apresentados, é razoável acreditar que a empresa conseguirá viabilizar sua capacidade de geração de caixa com o compromisso assumido com seus credores. Acredita-se que a empresa terá tempo suficiente para se reestruturar”.
A atenção ficou mesmo para a existência de dívidas societárias. “É uma variante que não costuma aparecer nos planos de uma recuperação judicial”, diz Paulo Bardella Caparelli, sócio do escritório Galvão Villani, Navarro, Zangiácomo e Bardella Advogados. “Mas como são sócios-investidores, em princípio, faz sentido que o plano de recuperação os envolva. O que não faria sentido é a empresa não ter caixa para pagar trabalhadores ou fornecedores, mas ter para pagar sócios”.
Para o próprio sócio-fundador, a palavra agora é otimismo. "A pior fase já passou", diz. "Queremos trabalhar, colocar os olhos dentro de casa e deixar de olhar um pouco essa parte de recuperação e usar nossa criatividade e trazer tudo de melhor para nossos clientes”.