Cairê Aoas, sócio da Fábrica de Bares: “Talvez o Centro seja o lugar onde as pessoas tenham vontade de consumir arte, cultura e gastronomia" (Fábrica de Bares/Divulgação)
Repórter de Negócios
Publicado em 7 de dezembro de 2023 às 10h40.
A famosa esquina da Avenida Ipiranga com a São João, no centro de São Paulo, não fez algo acontecer só no coração de Caetano Veloso, mas de milhões de pessoas que passaram por ali nos últimos 75 anos.
O ponto é a casa do Bar Brahma, um dos mais tradicionais da capital paulista, que vivenciou in loco encontros entre artistas como Adoniran Barbosa e Cauby Peixoto e personalidades da cidade, como os ex-presidentes Jânio Quadros e Fernando Henrique Cardoso.
Se é verdade que o Bar Brahma ajudou a moldar a cultura e o espírito boêmio da cidade, também é verdade que ele viu de perto as transformações do centro de São Paulo. E o mais recente reflexo disso não é positivo.
No último domingo (3), o ponto foi alvo de um ataque e tentativa de roubo, com bandidos jogando pedras no estabelecimento. O acontecimento evidenciou a sensação de insegurança que moradores e comerciantes têm tido na região central de São Paulo recentemente. De acordo com a Secretaria Estadual da Segurança Pública (SSP), a região registra, em média, um roubo a cada 30 minutos.
Mas como um negócio histórico e tão marcante na cultura da cidade sobrevive a essa sensação de insegurança e, consequente queda de público? “Dobrando a aposta no Centro”, diz o sócio da Fábrica de Bares, empresa dona do Bar Brahma, Cairê Aoas.
Quando Álvaro Aoas, pai de Cairê, assumiu o ponto do Bar Brahma no início dos anos 2000, tinha um desafio imediato: resgatar o público que frequentava o estabelecimento no auge do bar, nos anos 1950 e 1960.
“Depois, o eixo econômico da cidade saiu do Centro, indo para a Avenida Paulista e, posteriormente, para a Faria Lima”, afirma Aoas. “A esquina da Ipiranga com a São João deixou de ser o lugar onde as pessoas iam passear, ir ao cinema e ao bar. O Centro entrou em declínio e perdeu sua vocação, que era comercial e econômica”.
Em 1998, o ponto faliu e fechou. Três anos depois, Álvaro e dois sócios assumiram o bar, fizeram uma reforma que fez com que ele voltasse a parecer com a construção dos anos 1950 e reabriram o estabelecimento.
“Quando assumimos o bar no início dos anos 2000, era um desafio muito grande combater esse sentimento de insegurança”, diz Aoas.
A estratégia, naquela época, para combater esse sentimento foi:
“Era uma forma da gente encorajar as pessoas de irem para o bar, irem para o Centro”.
Esse histórico ajuda a mostrar que não é a primeira vez que a família Aoas precisou encontrar uma solução para reaproximar o público do centro de São Paulo.
Mas e agora, 23 anos depois?
“Pouco antes da pandemia, vínhamos percebendo uma melhora muito significativa do Centro”, diz Aoas. “Principalmente porque o mercado imobiliário estava aquecido. Tinha vários projetos de retrofit, vários projetos imobiliários. Era um termômetro de que as pessoas estavam procurando morar no Centro”.
“Quando veio a pandemia, tudo mudou”, continua. “Vários passos que tinham sido dados, regrediram, por uma questão social. O centro de São Paulo acolheu muitas pessoas em vulnerabilidade social, porque o Centro tem uma maior estrutura, inclusive de assistencialismo. E a pandemia potencializou uma situação de problemas sociais que a cidade tem”.
Um dos problemas sociais e de saúde pública mais evidentes do Centro é a Cracolândia, que fica a poucos metros do Bar Brahma. Para Cairê Aoas, porém, são dois problemas diferentes: um é o da segurança pública, e o outro, social.
“A Cracolândia até passa a sensação de insegurança, mas na maioria das vezes, não é”, diz. “Os contraventores se usam dessa situação de vulnerabilidade para se camuflar e agir. É uma grande covardia. Eles se misturam, a gente vê nitidamente. Nossos seguranças até reconhecem quem é da gangue da bike. São pessoas que nem moram no centro de São Paulo, mas que vão até lá, alugam bicicletas, fazem os furtos e voltam para casa”.
“Desde que assumimos o ponto, em 2001, esse é o momento mais difícil do Centro”.Na visão do empresário, não falta omissão por parte dos agentes públicos para resolver o problema. O que acontece, mesmo, é uma dificuldade para conseguir resolvê-los.
“O bom sinal é que há uma coordenação, interesse, várias iniciativas públicas acontecendo para fortalecer o Centro”, diz. “O governo do Estado sinalizou o interesse de mudar a sede para o Centro. A prefeitura está com políticas fiscais específicas para a região. Tem uma quantidade de retrofit acontecendo. Temos vários projetos que estão vindo, que são representativos para o movimento de ocupação”.
Mesmo com o eixo comercial e empresarial e o mercado financeiro tendo se afastado do Centro nas últimas décadas do século 20, a região resistiu. E um dos motivos para isso, na visão de Aoas, está na cultura, na gastronomia e na arte.
“Talvez o Centro seja o lugar onde as pessoas tenham vontade de consumir esse tipo de economia”, diz. “O melhor restaurante do Brasil está lá (a Casa do Porco). Há museus, bares, restaurantes, eventos. A gente acredita que isso deva ser olhado como um plano público, para incentivar esse pilar da economia como forma de atrair mais interesse, emprego e moradia”.
Só no Centro, num raio de um quilômetro, a Fábrica de Bares, dona do Bar Brahma, tem cinco operações, que recebem 40.000 pessoas por mês.
O valor de visitantes, porém, caiu 20% em realação ao ano passado. Aoas acredita que a insegurança na região pode ser uma das razões para isso.
Com esses bares, empregam 400 pessoas. “Se 30% disso morar no Centro, e considerarmos que há outros bares, museus, restaurantes, já se cria uma economia”, diz. “É assim que nasce a pequena padaria, as bancas de revista, os comércios”.
Aoas se inspira em outras regiões do mundo que também aproveitaram regiões desvalorizadas para apostar em cultura e bombar. Uma delas é o Soho, em Nova York, que virou casa para diversas galerias de artes e restaurantes alternativos e hoje tem um dos metros quadrados mais caros da Big Apple. A mesma coisa com Wynwood, em Miami.
“São regiões que se transformaram pela economia criativa”, diz.
Por conta disso, Aoas não quer desistir do Centro. Pelo contrário, quer dobrar a aposta na região. Para 2024, estão mirando em novas estratégias para atrair o público e garantir a sobrevivência do Bar Brahma por muitos anos.
Uma das estratégias para isso é criar um calendário de grandes eventos públicos que atraiam a atenção do público. “Vamos fazer ano-novo, aniversário de São Paulo”, diz. “Queremos eventos públicos, como blocos de carnaval e esquentas. Colocar pessoas famosas cantando. Várias atividades constantes”.
Além disso, vão abrir na Avenida Ipiranga, em construções vizinhas ao Bar Brahma, dois novos negócios associados ao bar principal. “Vamos deixar a região ainda mais charmosa, que interesse as pessoas”.
“Essa é a nossa visão da transformação do Centro por meio da cultura, da arte e da gastronomia”.
O primeiro negócio da Fábrica de Bares foi o Bar Brahma. Antes disso, Álvaro Aoas empreendia operações gastronômicas na Santa Cecília. Quando o famoso ponto na Ipiranga com a São João fechou, clientes o provocaram para assumir a operação.
Algum tempo depois de reabrir o famoso ponto no centro de São Paulo, Álvaro foi convidado a assumir outro ponto que tinha falido na mesma região: o Bar Léo. Assim o fez. Quando passou a operar mais de um bar ao mesmo tempo, surgiu a Fábrica de Bares.
Hoje, são nove empreendimentos cuidados pela empresa:
“Temos muita preocupação que cada marca tenha sua alma, sua história, sua identidade, sua personalidade”, diz. “Todo time, desde gerência, comunicação, é pensado para se relacionar com a comunidade que vive no entorno daquela marca”.
No caso do Bar Brahma, o primeiro da empresa, há quem pense que tenha alguma associação com a Ambev, dona da cerveja de mesmo nome. Mas a única associação, mesmo, é uma parceria.
“Não somos sócios da Ambev, nem pagamos royalties”, diz Aoas. “Há uma concessão da marca e a cerveja é nossa parceira em muitos projetos que tocamos”.
Além dos bares, a empresa tem apostado também em inovação. Durante a pandemia, criaram um hub de inovação que faz startups. Duas já estão no mercado. Uma é um market place para bares encontrarem músicos para tocarem em seus estabelecimentos. Outra, semelhante, é para os bares e restaurantes encontrarem profissionais freelancers para trabalharem nos pontos.
Inovação também está na mesa de um dos bares mais tradicionais e históricos da cidade.