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Elon Musk ao quadrado

Festejado como um dos maiores visionários do planeta, o empresário sul-africano Elon Musk propôs, na terça-feira 21, a união de forças com alguém igualmente genial: ele próprio. Seu plano é uma fusão entre a montadora Tesla, especializada em carros elétricos, e a produtora de painéis de energia solar SolarCity. Na primeira, ele é CEO e […]

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Da Redação

Publicado em 23 de junho de 2016 às 12h54.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h22.

Festejado como um dos maiores visionários do planeta, o empresário sul-africano Elon Musk propôs, na terça-feira 21, a união de forças com alguém igualmente genial: ele próprio.

Seu plano é uma fusão entre a montadora Tesla, especializada em carros elétricos, e a produtora de painéis de energia solar SolarCity. Na primeira, ele é CEO e dono de um quinto das ações; na segunda, é o presidente do conselho e tem mais ou menos a mesma participação – a direção executiva é de seu primo, Lyndon Rive (a ideia da empresa surgiu em 2004, quando ambos estavam a caminho do festival alternativo Burning Man, no deserto de Nevada).

A fusão, um negócio de algo entre 2,6 e 2,8 bilhões de dólares, foi definida por Musk como um no-brainer (tradução: não tem nem o que pensar). “Os clientes da Tesla podem dirigir carros limpos e podem usar baterias para ajudá-los a consumir energia de forma mais eficiente, mas eles ainda precisam de acesso à fonte de energia mais sustentável que temos: o Sol”, disse ele em comunicado.

A proposta de Musk é uma verticalização: o comprador do carro elétrico poderia, numa compra só, adquirir os aparelhos para armazenar energia e instalar painéis solares em casa. Seria uma “solução integrada de energia sustentável”. O problema é que o mercado financeiro não respondeu lá muito bem à ideia. As ações da Tesla caíram 10,5% na quarta-feira. As ações da SolarCity subiram pouco mais de 3%.

Um exemplo das reações foi a nota divulgada por analistas da Oppenheimer e da RBC Capital Markets: “Nós permanecemos otimistas em relação ao mercado da energia solar, mas não enxergamos esta aquisição como o melhor uso do capital e dos recursos humanos da Tesla, dado o retorno sobre o capital possível na indústria de eletricidade (tipicamente entre 8% e 9%) versus o potencial da Tesla, que acreditamos ser de 15% a 20%.”

O oposto do Google

Musk parece tentar percorrer um caminho oposto ao trilhado pelo Google, em outubro do ano passado. Na ocasião, a empresa criou uma mãe para si mesma, a Alphabet. A lógica era tirar do guarda-chuva do Google as inúmeras iniciativas de Larry Page e Sergey Brin que são revolucionárias… mas dão prejuízo, ou exigem investimentos de muito longo prazo. O mercado financeiro recebeu bem a iniciativa, porque agora fica mais claro qual é o resultado do Google, separado das outras empresas. E pode pressionar as menores, como a Calico, que busca soluções contra o envelhecimento (antes, seus números ficavam perdidos nos relatórios do Google).

No caso de Musk, a direção é contrária: misturar a Tesla a uma empresa cambaleante, cujas ações valem hoje 25% do que valiam em seu auge, em 2014. Não que a Tesla seja um exemplo de lucratividade. Não é. Os investidores a apoiam porque seu plano é muito bem construído: Musk foi o primeiro empresário a desafiar de forma convincente o modelo dos carros movidos a petróleo com uma proposta “limpa”, de carros que têm apelo também por seu design e potência. É o luxo sustentável, uma combinação que já deu certo na moda (o melhor exemplo brasileiro é a Osklen).

Mas uma coisa é Musk conseguir 6 bilhões de dólares para erguer sua empresa e financiar suas dívidas, outra é gastar mais 2,5 bilhões de dólares numa companhia que não tem, nem de longe, as mesmas perspectivas.

Como disse o consultor e investidor Peter Cohan, professor de estratégia no Babson College, a proposta é o oposto de um no-brainer. Segundo ele, a combinação não torna nenhuma das duas empresas melhor, nem gera valor imediato. “A fusão seria similar a um abraço de dois bêbados que estão se afogando”, afirmou em artigo no site da revista Forbes.

A Tesla é o bêbado que aparentemente sabe nadar. Nunca exibiu lucros, mas sua receita tem crescido. No último trimestre, reportou vendas de 1,6 bilhão de dólares e um prejuízo de 0,57 dólar por ação, menor do que o esperado. Seu momento de virada pode ser no ano que vem, com o lançamento do Modelo 3, a um preço que, embora ainda alto (35.000 dólares), está muito aquém dos modelos atuais, o que deve ajudar a popularizar a marca. A produção do carro, porém, vai exigir investimentos vultosos, de pelo menos mais 2,3 bilhões de dólares. Tentar comprar a SolarCity é testar um pouco a paciência, mais do que a confiança, dos investidores.

O Sol é o limite

A SolarCity é o bêbado em estado mais preocupante. Trata-se de uma empresa inovadora. Em apenas dez anos, tornou-se líder na instalação de painéis solares em residências nos Estados Unidos. Ela é, em si, um exemplo de verticalização: com a construção de uma “gigafábrica” de 750 milhões de dólares de painéis solares e baterias, passa a entregar toda a cadeia de serviço, desde as células para captar energia até a instalação dos painéis nos telhados.

O problema para ela é que a competição também é inovadora. Os custos da energia solar estão caindo mundialmente. Os avanços obtidos na tecnologia por uma fábrica desse porte podem ser ultrapassados em três ou cinco anos, pelo andar da concorrência. A Panasonic afirma que seus novos painéis já são 22,5% mais eficientes que o padrão atual. Em laboratório, o ganho de eficiência já ultrapassa os 40%. Num ambiente assim, o investimento na fábrica é uma aposta ousada.

A SolarCity tem dívidas de 6,24 bilhões de dólares e, apesar da liderança de mercado, ainda dá prejuízo. Para complicar mais um pouco, o valor de suas ações despencou quase 60% este ano, refletindo a desconfiança em relação a seu modelo de negócios, que começou com a simples instalação de painéis, passou por empréstimo e chegou à fábrica. Infelizmente para ela, a demanda não tem acompanhado seus sonhos. As novas encomendas, no primeiro trimestre, foram de 160 megawatts, metade do esperado.

Elon Batista?

Ainda é possível que o negócio não chegue a ser feito. Musk ainda corre o risco de processos por parte de acionistas minoritários, questionando seu papel nas duas pontas, vendedor e comprador – embora, do ponto de vista pessoal, o movimento não pareça lucrativo: o que Musk ganha pela valorização da SolarCity é muito menor, dado o tamanho da empresa, do que o que ele perde com a desvalorização da Tesla.

De qualquer forma, a proposta teve um efeito extraordinário. Até terça-feira, Elon Musk era praticamente uma unanimidade, reverenciado por empreendedores do Vale do Silício, por ambientalistas e investidores. Empreendedor serial, ele ficou bilionário com a venda do PayPal, que ajudou a fundar, e passou a perseguir projetos gigantescos: o carro limpo, as viagens espaciais, um trem futurista. Agora…

Como disse Michael Hiltzik, colunista do Los Angeles Times, a fusão da Tesla com a SolarCity faz todo o sentido, mas apenas para o próprio Musk. “São duas empresas que precisam desesperadamente de caixa, então uma delas gastando seu capital para levantar a outra não impressiona todo mundo como a melhor forma de usar seus recursos”, escreveu.

O gestor de fundos de investimentos Jim Chanos considerou o negócio “um vergonhoso exemplo do pior da governança corporativa”. Analistas da Morgan Stanley também levantaram dúvidas sobre o negócio, “de estratégia, gestão do capital e governança”. Já o fundo Fidelity, que tem ações da Tesla e da SolarCity, apoiou a iniciativa. E Musk disse em uma conversa com investidores que tem “zero dúvidas” sobre o movimento. “Devíamos ter feito isso mais cedo.”

A certeza de Musk, seus sonhos grandiosos e sua habilidade em vender projetos lembram, em vários aspectos, o empresário brasileiro Eike Batista (seu grande fã, aliás: ele mantinha uma apresentação sobre a Tesla para falar do tipo de empreendimento que considerava valer a pena). Curiosamente, Musk é também chegado a colocar a letra X no nome de suas empresas. O PayPal nasceu em 1989 como X.com; sua empresa espacial se chama SpaceX.

Eike tinha o sonho de se tornar a pessoa mais rica do mundo e, de passagem, ajudar a desenvolver vários setores industriais brasileiros. Musk sonha que a Tesla, que hoje vale cerca de 30 bilhões de dólares, seja um dia uma companhia de 1 trilhão de dólares.

Eike se estrepou, como se sabe. Seu império se baseava nas reservas de um campo que não tinha tanto petróleo quanto ele imaginava. As ambições de Musk estão calcadas em terreno bem mais sólido, em um mercado com demanda crescente em que a oferta está bem mais sob seu controle. Mas ele precisa dos investidores para alavancá-lo, para segurar seu negócio enquanto a operação é incapaz de se manter sozinha. A proposta de fusão da Tesla com a SolarCity talvez se enquadre na visão de uma empresa sustentável, tão grande quanto possível – desta vez, porém, não agradou o mercado investidor que lhe dá sustentação.

(David Cohen)

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