Ricardo Botelho (Energisa), Ítalo Freitas (AES), Miguel Setas (EDP) e Gustavo Estrella (CPFL): expectativas para reforma do setor (Montagem/Exame)
Juliana Estigarribia
Publicado em 27 de outubro de 2020 às 06h00.
Última atualização em 27 de outubro de 2020 às 09h23.
O ano de 2020 foi praticamente perdido para as elétricas que, além de amargar prejuízos decorrentes da pandemia, viram o pacote de modernização do setor ser esquecido em meio à avalanche de problemas na economia. A partir de agora, porém, a expectativa é que o governo retome a agenda de reforma do setor, incluindo a privatização da Eletrobras, afirmam presidentes de empresas de energia ouvidos pela EXAME.
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A privatização -- ou capitalização -- da estatal é vista como uma das prioridades do governo para aliviar as contas públicas, entretanto, o que era para sair neste ano pode acabar ficando para 2021. No domingo, o jornal O Globo afirmou que o ministro da Economia Paulo Guedes teria dito a interlocutores que a privatização da Eletrobras já está acertada no âmbito do Senado. O entrave estaria somente na Câmara dos Deputados.
Com a notícia, as ações da estatal chegaram a liderar a alta da B3 na manhã desta segunda-feira, 26, e encerraram o pregão com 1,2% de alta.
Para executivos ouvidos pela EXAME, a privatização da Eletrobras é um passo inevitável para a modernização do setor.
Na visão de Miguel Setas, presidente da EDP Brasil, a privatização da Eletrobras é uma tendência do setor elétrico contemporâneo. “O plano vai no sentido correto e é bem-vindo. Seja privatização ou parceria público-privada, estes modelos de gestão são mais eficientes. Trata-se de uma evolução positiva.”
Segundo o executivo, a grande discussão reside em torno do modelo de privatização da estatal brasileira. “A Eletrobras tem atividades em setores considerados estratégicos, que envolvem até soberania nacional, onde o Estado vai querer manter ingerência. O segredo será o equilíbrio entre a presença do Estado e da iniciativa privada.”
Gustavo Estrella, presidente da CPFL Energia, reforça que a estatal é um importante player do setor e, ao longo das décadas, exerceu um papel relevante de fomentar investimentos na área. “Com a privatização da empresa, teremos mais agentes com condições de investir no setor. A própria Eletrobras vai ter mais capacidade de investir.”
Para Ítalo Freitas, presidente da AES Brasil, embora o plano de privatização ainda não esteja definido, é de responsabilidade do regulador garantir um processo justo. “O governo tem várias opções para realizar a privatização da Eletrobras, não vejo grande problemas para isso.”
Ricardo Botelho, presidente da Energisa, alerta que a discussão para privatizar a Eletrobras tem que ir além do ajuste fiscal. “Essa é uma das maiores oportunidades do setor, mas precisa ser um componente para melhorar o ambiente de negócios. Não se pode trocar o monopólio estatal pelo privado.”
Uma das apostas de agentes do setor para a privatização da Eletrobras é a venda fatiada da companhia, que tem 48 usinas hidrelétricas, 12 termelétricas, 2 termonucleares, 62 usinas eólicas e uma solar, e é responsável por mais de 30% da capacidade instalada do país. No entanto, o modelo segue indefinido.
Com a pandemia, as discussões acerca dos projetos de lei que tratam da modernização do setor elétrico ficaram de lado. Para as empresas, é de suma importância que o governo retome essa agenda, uma vez que a indústria já vem se preparando para as mudanças que devem acontecer nos próximos anos.
A mais importante, segundo os executivos, é a liberalização do mercado. Ou seja: abertura gradual com a diminuição das barreiras para que consumidores de menor porte possam negociar contratos diretamente com as geradoras -- dinâmica que já acontece no chamado mercado livre de energia. Hoje, apenas grandes consumidores (como indústrias, por exemplo) podem fazer isso.
Outro passo fundamental é a digitalização das empresas, processo que foi acelerado pela covid-19 e que deve ser fundamental para a reforma do setor. “Com a pandemia, tivemos que digitalizar as atividades e processos mais rapidamente", diz Setas.
Estrella explica que a automação de rede, com medição inteligente, faz parte desse processo, que será um grande desafio das empresas daqui para frente. “Teremos que trocar os medidores para ter uma medição remota e online, mas para isso é preciso regulação, o que deverá ser definido no âmbito da reforma do setor.”
Freitas ressalta que, hoje, apenas 10% dos consumidores têm medidores inteligentes. “Para termos uma onda de migração para o ambiente livre, com mais geração por fontes renováveis, precisamos ter um mercado mais automatizado.”
Esperava-se que projetos de lei referentes à modernização do setor elétrico fossem apreciados ainda neste ano, mas com a pandemia acabaram sendo adiados. Para os executivos das empresas elétricas, o governo precisa retomar essa agenda, que inclui temas relevantes como o fim dos subsídios na conta de luz e a questão da contratação de lastro de energia pelas distribuidoras.
“Quando houver uma abertura do mercado, o consumidor vai querer preço competitivo e facilidades. Para isso, é preciso que haja uma reforma profunda no setor”, diz Freitas.
Para Estrella, o mundo passa por uma grande transformação e no setor elétrico não é diferente. "Os hábitos de consumo estão mudando, com novas tecnologias chegando. A regulação do setor precisa ser adaptada para receber essas mudanças."
Segundo o presidente da EDP, à medida que o mercado de energia passar por uma abertura maior, os clientes poderão escolher de quem vão consumir. "A liberdade de escolha é fundamental para o consumidor do século XXI. É uma resposta à demanda da sociedade", diz Setas.