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Da Redação
Publicado em 9 de outubro de 2008 às 09h25.
Quando um novo brinquedo é montado no Hopi Hari, parque temático localizado em Vinhedo, interior de São Paulo, o primeiro a testá-lo é Marcelo Cardoso, superintendente do lugar. É ele quem dá a medida da experiência e ajuda monitores e técnicos a definir a estratégia adequada para garantir que a novidade chame a atenção dos visitantes. Cardoso já perdeu a conta de quantas vezes sentiu voluntariamente o friozinho na barriga: o parque, o maior da América Latina, tem dois anos de vida e mais de 40 atrações espalhadas por 760 000 metros quadrados. Essa disposição pode parecer óbvia à primeira vista, já que é ele, hierarquicamente falando, o responsável pelo resultado do parque. Quem analisa o comportamento de Cardoso mais de perto, no entanto, descobre que o hábito mencionado acima reflete menos uma queda pela aventura e mais a crença no trabalho em equipe, uma das características que o distinguem no papel de líder.
Marcelo Cardoso, paulista de 35 anos, está à frente de um batalhão, literalmente. São 930 funcionários, distribuídos em quatro níveis hierárquicos. Oitenta por cento deles trabalham olhando no olho do cliente. São monitores e atendentes, gente jovem que se dedica a uma rotina quase sempre exaustiva. Para eles não há tempo ruim: é dia de festa no parque, faça chuva ou faça sol. Talvez em nenhum outro lugar uma equipe motivada faça tanto a diferença quanto num parque temático. Se não há comprometimento com a excelência dos serviços e se não há disposição para agradar ao cliente, custe o que custar, o sonho proposto pode transformar-se em pesadelo.
O superintendente do Hopi Hari, país imaginário onde a alegria é palavra de ordem, conhece bem o resultado dessa equação. No fim de 2000, depois de um ano de funcionamento do parque, um investimento que consumiu 320 milhões de reais da GP Investimentos, o faturamento foi de 77,3 milhões. No ano passado, chegou a 78,7 milhões. Aumentou, é fato. Mas não é esse o número que indica a saúde financeira do negócio. Ela é medida por meio da geração de caixa operacional (o lucro auferido antes dos impostos, das despesas, da depreciação e da amortização das dívidas). Em 2000, o sinal estava vermelho: 9 milhões negativos. Em 2001, o negócio ganhou fôlego: foram 8 milhões positivos. "Ainda não damos lucro, mas já viramos o jogo", comemora Cardoso.
A mágica são as pessoas
O que mudou de lá para cá? Cardoso tem a resposta na ponta da língua. "A receita foi caprichar na interação, garantir que o tratamento dado por nossos funcionários fizesse os visitantes se sentirem pessoas maravilhosas", diz o administrador de empresas, MBA por Kellogg, escola de negócios da Universidade Northwestern, nos Estados Unidos. "Vendemos sensações e não temos controle sobre as emoções dos clientes. Eles são co-autores da experiência". Vender ao público o sonho de um país imaginário, com língua e hino próprios, entre outras curiosidades (veja quadro acima), é uma tarefa complexa. Para começar, compreende 35 processos de negócio. Envolve ainda o imponderável: o humor do visitante. "Lidamos com dois perfis: o primeiro é o indivíduo que faz qualquer coisa para ter prazer. O segundo é aquele para quem o mais importante é não sentir dor", explica Cynthia Dálvia, assessora de comunicação, braço direito de Cardoso. Para encarar a avalanche de visitantes sem perder a esportiva, é preciso muito jogo de cintura. E para ter jogo de cintura é preciso primeiro controlar as próprias emoções. Eis a primeira lição de casa feita por Cardoso: ajustar o emocional de sua equipe.
A idéia de trabalhar o psicológico e o espiritual da turma nasceu durante a participação de Cardoso em um curso promovido pelo Insead e pela Fundação Dom Cabral, em julho de 2000, na França. Intitulado "gestão estratégica em pessoas e mudanças", serviu de base para os encontros realizados em um dos teatros do parque desde então, todas as quartas-feiras. No início, eram apenas o superintendente (adepto convicto da meditação há dez anos), as pessoas que se reportavam diretamente a ele e os consultores do Instituto Evoluir, que orientam o processo. Em pouco tempo, gestores, seniores (líderes de equipe) e atendentes foram chamados a participar. A quarta-feira virou o dia oficial de passar sentimentos, fofocas e expectativas a limpo. Tudo é discutido abertamente, sempre na presença de Cardoso. Quando a barra fica muito pesada ou quando envolve questões estritamente pessoais, o atendimento individual entra em cena. "Meu objetivo inicial era evitar a boataria sobre os rumos dos negócios", diz Cardoso. "O pessoal estranhou porque esse tipo de procedimento não fazia parte do negócio. Esse é um processo que precisa ganhar consistência, não tem nada de mágico." Delmar Franco, uma das psicólogas que monitoram os encontros, endossa a opinião: "No início, os funcionários embarcam nessa sensação de magia, já que o lugar é bonito, colorido, arborizado", observa. "Depois de um tempo, eles descobrem que se trata de uma atividade como outra qualquer -- e aí começam a surgir as insatisfações."
Quem tem boca vai ao líder
À medida que aconteciam os encontros das quartas-feiras, os funcionários iam ficando mais por dentro do negócio. A demanda por participação, conseqüentemente, aumentou. Aqui entra a segunda lição de liderança de Cardoso: a aposta em comunicação. Cardoso, que durante boa parte da semana pode ser encontrado em mangas de camisa "passeando" pelo parque, passou a ser interpelado com freqüência por seu pessoal. Ponto para ele, que consegue ser acessível e não se faz de rogado na hora de pôr a mão na massa. "Muitas vezes já ajudei a limpar bandeja no restaurante, a organizar o estacionamento ou a controlar as bilheterias", conta. "O grande segredo do Marcelo é transmitir a sensação de disponibilidade -- sem que isso seja confundido pelos funcionários com falta de autoridade", diz Cynthia Dálvia. Na verdade, assim como Cardoso, os funcionários que exercem atividades de escritório regularmente trocam de função na operação com técnicos e atendentes. "Já fiz isso tantas vezes que acabei incorporando o hábito de catar papel no chão, por exemplo, e tenho de me controlar quando estou passendo no shopping com meus filhos", brinca Cardoso, separado, pai de um casal.
A abertura proporcionada pelo líder gerou tantas críticas e sugestões que foi até criada uma linha telefônica interna unicamente para registrá-las. Hoje, ela recebe mais de 350 ligações por mês. A estratégia de gente e marketing do Hopi Hari é totalmente diferente da de parques similares. "Trata-se de um ramo novo por aqui, mas nem por isso podemos perder a consistência na operação", diz Cardoso. Consistência, nas palavras do superintendente, significa qualidade máxima na prestação de serviços e na sua manutenção, para garantir o encantamento dos visitantes. Para ajudar a manter o foco da operação, em meados de 2001 o parque implantou o Seis Sigma (metodologia criada em 1985 pela Motorola para ajudar a empresa a atingir melhores resultados). A visão de recursos humanos por lá, é claro, também é diferente. O RH faz o básico: administração de pessoal, registros e treinamentos. A estrutura está lá para que as pessoas possam se utilizar dela.
Terceira lição de Cardoso: desenvolver atitudes de liderança em todos os funcionários. Isso quer dizer incentivar os subordinados a exercer mais de uma função, a se adiantar aos problemas e a decidir com autonomia. Um exemplo prático: desde outubro do ano passado, 74 funcionários da manutenção têm aulas de engenharia três vezes por semana. A idéia de transmitir conceitos teóricos de elétrica, civil e mecânica para a turma foi do engenheiro mecânico Hilton Siqueira. Veterano no parque (entrou como estagiário em agosto de 1998, quase um ano antes da inauguração), Siqueira, na verdade, apenas ecoou um desejo do próprio pessoal. "Eles sugeriram e eu formatei o curso", diz. "Com isso, valorizamos as pessoas e fizemos com que todos soubessem quais são os padrões de manutenção que utilizamos." Detalhe: as aulas são realizadas no turno da tarde, durante o expediente. Até agora, Siqueira já aplicou quatro provas escritas para avaliar a turma. A média das notas foi surpreendente: 8. Nas palavras do engenheiro, a quarta lição de Cardoso: "O grande mérito desse projeto é o grande mérito de Marcelo como líder: o de promover a integração".
O encantamento é a chave do sucesso
Vejamos como foi articulado o programa de responsabilidade social. Em vez de distribuir ingressos para pessoas de baixa renda, o que estaria vinculado ao negócio, Cardoso pediu sugestões -- e a própria equipe preferiu algo diferente. Eles elegeram 150 representantes para alegrar crianças com câncer no hospital. Os voluntários estão levando para fora do parque a missão que rege a operação interna: "Possibilitar às pessoas uma experiência inesquecível de emoção e encantamento e a chance de brincar aprendendo". No Hopi Hari, os funcionários trabalham brincando junto com os visitantes (e olha que não são poucos). Em seu primeiro ano de vida, o parque recebeu mais de 1,5 milhão. No ano passado, quase 1,8 milhão. É um público composto basicamente de famílias. Cada uma delas é estimulada a dar uma nota ao fim da jornada pelo país imaginário.
Há três níveis possíveis: encantamento (acima de 9), satisfação (de 7 a 9) e insatisfação (abaixo de 7). Em 2000, de cada dez visitantes, quatro saíram com a sensação de ter vivido um sonho. No ano passado, o índice dobrou. Oito em cada dez deixaram o lugar com um sorriso no rosto. Isso faz lembrar uma história curiosa que Marcelo Cardoso evoca toda vez que precisa avaliar a medida do encantamento proporcionado pelo Hopi Hari. Aconteceu com ele: era sábado, dia de maior movimento. Cardoso observava a atividade de um dos 12 postos de alimentação do parque -- que, juntos, chegam a servir mais de 15 000 refeições em um fim de semana. Um garotinho, acompanhado do pai, aguardava ansioso seu hambúrguer. Quando o lanche foi entregue nas mãos do pequeno, veio o susto: caiu tudo no chão. Bastou um gesto de Cardoso, de longe, para o atendente entender o recado. Quase no mesmo instante, a decepção do garoto virou agradecimento. Outro lanche chegou quentinho às mãos dele. Cardoso, mais uma vez, sentiu um friozinho na barriga.
SILIG, AMI!
Que o Hopi Hari é o país da alegria, isso todo mundo já sabe. Poucos, no entanto, conhecem a origem do nome que batiza o parque. Ele foi inspirado no papiamento, língua crioula falada em algumas ilhas do Caribe, e quer dizer muita diversão.
Dele deriva o hopês, o dialeto próprio dos funcionários do lugar, uma mistura de português, espanhol, francês, holandês, inglês e até bororo (falado por tribos indígenas do Mato Grosso). Para não ser pego de surpresa numa visita ao parque, conheça uma amostra do hopês a seguir:
LIÇÕES DE ENCANTAMENTO
De cada dez funcionários do Hopi Hari, oito têm contato direto com o público.
É deles, em grande parte, a responsabilidade de gerar uma sensação de encantamento nos visitantes. Para garantir que essa meta passe da teoria à prática, o parque está prestes a levar sua equipe de volta à sala de aula. A ação faz parte do Laboratório Educativo e prevê a criação da Universidade Hopi Hari.
Em breve, o projeto piloto reunirá 40 funcionários durante três meses para aulas de pedagogia. No fim, eles receberão o título de monitores em "edutainment", termo criado por Marcelo Cardoso que quer dizer algo como educação divertida.
A iniciativa conquistou o apoio de entidades de peso, como a Unesco e a Secretaria Estadual de Educação de São Paulo. Além do trabalho com os funcionários, o parque vai estender suas lições a outros educadores.
Os teatros do Hopi Hari já estão servindo de palco para workshops sobre edutainment e suas aplicações no currículo escolar tradicional. Investimento em educação é um dos sete valores que traduzem a missão do parque. Os outros -- gente, ética, comunidade, resultados, saúde e segurança, e felicidade -- os funcionários aprenderam brincando.