Edna, diretora da Danone no Nordeste, e parte de seu time: 180 profissionais dedicados à região (.)
Da Redação
Publicado em 10 de outubro de 2010 às 04h10.
Um dos prédios mais altos na paisagem de Picos, no interior do Piauí, é o da igreja matriz de Nossa Senhora dos Remédios. A única agitação na rotina pacata da cidade, conhecida como a capital do mel e localizada a 320 quilômetros de Teresina, acontece quando uma banda regional, como a Aviões do Forró, resolve fazer um show por ali. Como muitos municípios no interior do Nordeste, até pouco tempo atrás Picos estava simplesmente fora do mapa de negócios de grandes empresas. Foi só em 2009 que seus quase 70 000 habitantes começaram a encontrar regularmente nas mercearias locais iogurtes da Danone, marca presente no mercado brasileiro há 40 anos. Chegar até o interior do Piauí custou à companhia mais do que apenas alguns quilômetros a mais na estrada. Hoje, os produtos vendidos ali - alguns criados exclusivamente para o mercado nordestino - resultam do trabalho de uma estrutura até pouco tempo atrás inexistente. Há pouco mais de um ano, uma equipe de 180 profissionais de áreas como vendas, marketing e logística passou a reproduzir na região uma versão reduzida da estrutura da sede da Danone, localizada em São Paulo. Com base em Recife, a diretoria de Nordeste da empresa tem autonomia para lançar produtos exclusivos para a região, planejar campanhas de marketing locais e gerenciar o caixa. "Nossas vendas na área hoje crescem três vezes mais do que no restante do país", afirma a paulista Edna Giacomini, diretora da região Nordeste da Danone. "Para atender esses consumidores com a rapidez necessária, precisávamos estar fisicamente mais próximos."
Executivos de companhias como Kimberly-Clark, Natura e Kraft chegaram à mesma conclusão nos últimos anos. Para conhecer rapidamente esses milhões de novos consumidores, todos eles passaram a tratar o Nordeste com status semelhante ao de um país. Em vez de instalar apenas uma equipe regional de vendas, essas empresas montaram uma organização inteira para pensar sua estratégia - da concepção dos produtos à distribuição. Todas se debruçam sobre o que ainda é, em grande parte, uma massa de consumidores desconhecidos que até recentemente compravam apenas gêneros de primeira necessidade. Com 28% dos habitantes brasileiros, o Nordeste mantém desde 2004 a maior média de crescimento em renda familiar do país, acima de 6,5% ao ano. Com mais dinheiro no bolso, os hábitos de consumo mudaram rapidamente. Uma pesquisa da Kantar Worldpanel (ex-Latin Panel) mostrou que, no final do ano passado, os gastos absolutos com alimentação e higiene das classes D e E do Norte e Nordeste superaram em 5% as despesas das classes A e B do Sudeste - resultado inverso ao que tradicionalmente esse levantamento apontava.
O primeiro passo da Danone para entender as regras desse "velho novo" mercado aconteceu em 2007, com o envio de um time de seis pesquisadores, que partiram numa peregrinação pela região coordenada (e algumas vezes acompanhada pessoalmente) por Edna. O grupo visitou 15 municípios nordestinos, como Picos, para conhecer 3 000 pontos de venda e entender os hábitos de consumo de 60 famílias. Nessas visitas, eles abriram os armários dos consumidores, conversaram com alguns clientes nas mercearias e tentaram entender o que a população queria comprar e por quê. As informações colhidas nos cerca de oito meses em que os executivos da Danone bateram perna sob o escaldante sol nordestino revelaram que seria preciso criar uma estrutura local capaz de fazer adaptações na linha de produtos e de gerenciar de perto a distribuição. "Esse é um mercado totalmente novo, em que não valem as mesmas regras de outras regiões do país", diz Eduardo Ragasol, presidente da consultoria Nielsen.
No lugar de um simples escritório de vendas, a Danone criou uma estrutura com nove departamentos subordinados diretamente a Edna - seis dos quais comandados por gerentes contratados localmente, como os de inovação e de logística. A área de vendas se transformou numa rede de 30 gerências espalhadas pelos nove estados da região. Faz parte do trabalho desse pessoal adaptar os produtos ao bolso do consumidor local. Em 2008, a Danone colocou nas prateleiras do varejo do Nordeste embalagens unitárias do iogurte Corpus, vendido a 49 centavos. No ano seguinte, repetiu a estratégia com o Danoninho Cremoso, uma variação exclusiva do iogurte, cotada a 79 centavos a unidade. "No mercado nordestino, o consumidor precisa encontrar produtos que possa comprar com uma moeda", diz Edna.
OS PRODUTOS TÊM DE SER BARATOS - e têm necessariamente de ser adaptados ao gosto do consumidor local. Nesse ponto, o Nordeste é como outro país dentro do Brasil. Os resultados de uma primeira incursão da fabricante de alimentos americana Kraft na área estimularam a criação de uma divisão específica para o mercado nordestino, no mesmo modelo de uma minicorporação, no final do ano passado. A primeira etapa do processo aconteceu em 2005, quando a Kraft inaugurou um escritório de marketing e vendas em Recife - coordenado a distância, de sua sede, em Curitiba. Rapidamente, a equipe local percebeu que havia espaço para lançar novos sabores de suco em pó. Usando a conhecida marca Tang, a empresa lançou sabores de frutas regionais, como graviola, siriguela, cajá e acerola. Os novos produtos ajudaram a aumentar a participação do Nordeste de 5% para 13% no faturamento total da Kraft nos últimos quatro anos. A recémcriada estrutura para atender a região, formada por uma equipe de 250 pessoas, não vai apenas cuidar dos negócios da região mais de perto, mas também comandar uma nova fábrica que será erguida em Vitória de Santo Antão, a 50 quilômetros de Recife. A unidade, que deverá estar pronta em 2011 e consumiu investimentos de 100 milhões de reais, vai produzir chocolates e suco em pó. "Com gerências e uma fábrica inteiramente dedicadas à região, poderemos fazer lançamentos com mais velocidade", afirma André Vercelli, diretor da divisão Nordeste da Kraft.
Entrar no Nordeste é, para as empresas de bens de consumo, uma experiência semelhante a entrar num novo mercado emergente - ainda que as dimensões possam ser menores. Hábitos, costumes e cultura têm enorme influência sobre o consumo. E é quase impossível entender um novo mercado a distância. Para entender o emergente mercado nordestino, o paulista Renato Abramovich, de 37 anos, se mudou para Salvador no início de 2008. Sua missão era comandar a então recém-criada divisão Norte e Nordeste da fabricante de cosméticos Natura. "Eu me surpreendi com o tamanho das festas de São João por aqui", diz ele. No ano passado, Abramovich levou a Natura para dentro da longa e animada comemoração de São João realizada em Caruaru, em Pernambuco - evento que movimenta cerca de 10 milhões de reais e conta com o patrocínio de empresas como Nestlé e Kraft. No arraial da cidade pernambucana, que reúne 1,5 milhão de visitantes durante todo o mês de junho, a Natura montou um estande para apresentar a Água de Banho Cheiro de Moça Bonita, primeiro produto lançado pela empresa exclusivamente numa região (40 dias depois as vendas foram estendidas ao restante do país). Além do perfume temático, outras alterações foram feitas no catálogo local. Em janeiro de 2009, por exemplo, os perfumes passaram a ser vendidos em embalagens de 50 mililitros, metade do tamanho disponível em outras regiões do país.
Tal como o consumidor, o varejo nordestino se comporta de uma forma peculiar. Adaptar-se a ele é um dos grandes desafios das minicorporações instaladas na região. Segundo a consultoria Nielsen, o Nordeste concentra o maior número de lojas de pequeno varejo do país - são cerca de 100 000 pontos de venda, o equivalente a um terço do total nacional. Essa pulverização resulta numa distribuição cara e complexa. Foi diante dessa dificuldade que a divisão Norte e Nordeste da Kimberly- Clark, criada em 2008, ajudou a desenvolver um processo que permite que os rolos de papel higiênico sejam achatados dentro da embalagem - e depois "desamassados" pelos clientes. Compactados, os mesmos rolos ocupam quase metade do espaço. Assim, um caminhão que rodava sertão afora com 7 000 quilos de papel agora carrega até 10 000 quilos. "Pelo menos 20% do tempo da equipe local é destinado ao contato com o departamento de inovação da sede", afirma Pedro Coletta, diretor da divisão Norte e Nordeste. "Aqui temos uma percepção dos problemas locais que é inatingível para quem está apenas sentado numa cadeira em São Paulo."
O que é o consumo nordestino
As principais descobertas feitas pelas empresas que mergulharam recentemente na região:
Muito além do básico
Segundo a Kantar Worldpanel (ex-Latin Panel), em 2009, pela primeira vez, os gastos com alimentação e higiene das classes D e E do Norte e do Nordeste superaram em 5% as despesas das classes A e B do Sudeste. Além disso, os gastos com produtos mais sofisticados aumentaram. O consumo de iogurtes no Nordeste cresceu 11,2% em 2009 - ante 6,6% no restante do país.
RESPOSTA Para lançar o Danoninho na região, a Danone incrementou a fórmula original com polpa de fruta. Hoje, as vendas da empresa no Nordeste crescem três vezes mais do que no resto do país 3.
COMPRAS MAIS FREQUENTES Os nordestinos costumam fazer compras, em média, 17 vezes por mês e gastam 10,50 reais em cada uma delas. Em todo o país, a frequência cai para 14 e o gasto médio sobe para 12,20 reais.
RESPOSTA A saída é oferecer produtos em embalagens menores. Há um ano, a Natura vende perfumes em embalagens de 50 mililitros, metade do tamanho disponível em outras regiões do país.
O VAREJO É MAIS PULVERIZADO De acordo com dados da Nielsen, o Nordeste concentra o maior número de lojas de pequeno varejo do país: existem cerca de 100 000, um terço do total nacional.
RESPOSTA A Kimberly-Clark está treinando seus distribuidores para fracionar a venda dos produtos para os pontos de venda. Assim, o dono de um mercadinho do sertão pode comprar, por exemplo, apenas dez absorventes íntimos, em vez de uma caixa com 64 unidades.