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Ele transformou um ônibus num restaurante que passeia pelo centro de SP

Prestes a fechar um ano de operação, negócio já vendeu mais de 7.000 ingressos e teve uma receita bruta na casa dos R$ 2 milhões

André Berti, sócio do On Board: “As pessoas diziam que o centro era perigoso, que não desciam lá de jeito nenhum. Isso sempre me incomodou.” (On Board/Divulgação)

André Berti, sócio do On Board: “As pessoas diziam que o centro era perigoso, que não desciam lá de jeito nenhum. Isso sempre me incomodou.” (On Board/Divulgação)

Daniel Giussani
Daniel Giussani

Repórter de Negócios

Publicado em 15 de novembro de 2025 às 10h58.

Durante quase duas horas, o passageiro observa construções modernistas, igrejas barrocas e arranha-céus do século 20. Enquanto o prato principal é servido, passa por ruas movimentadas, corredores históricos e fachadas que parecem saídas de um filme europeu.

A diferença é que, do lado de fora, o que se vê é o Theatro Municipal, o Edifício Martinelli e o Mosteiro de São Bento. Tudo isso no centro de São Paulo — e a bordo de um restaurante sobre rodas.

Lançado em janeiro de 2025, o On Board Bus é o primeiro ônibus de turismo gastronômico do Brasil.

Criado pelo chef André Berti, em parceria com o empresário Rafael Sampaio, o projeto une city tour e experiência culinária em um veículo de dois andares com comissários de bordo bilíngues, seis etapas gastronômicas e áudio descritivo sobre 93 pontos turísticos da cidade.

A ideia, que começou como um esboço inspirado em um jantar no Rio Sena, levou 15 anos para sair do papel.

Neste primeiro ano de operação, o On Board já transportou mais de 7.000 passageiros e prepara sua expansão: um segundo ônibus será lançado em outubro, e uma nova operação no Rio de Janeiro deve começar até o fim do ano.

“Todo mundo dizia que era impossível. Que o ônibus ia sacudir, que ia cair comida, que ninguém ia querer comer no centro de São Paulo”, afirma André Berti. “Mas a gente está provando que São Paulo é segura, é rica em história e tem público interessado em redescobrir a cidade.”

Os planos não são modestos: a empresa pretende operar 30 veículos até 2030, com presença em outras capitais. Enquanto isso, um segundo roteiro em São Paulo já começa a rodar ainda em novembro, passando por regiões como Luz, Brás, Estação da Sé e Mercado Municipal.

Os preços variam conforme o dia: 275 reais às quartas, quintas e domingos, e 374 reais às sextas e sábados. Com base nos mais de 7.000 ingressos vendidos desde janeiro, o faturamento bruto do On Board já ultrapassou 2 milhões de reais em menos de 12 meses de operação.

A história por trás do projeto

O On Board começou com uma memória de viagem.

“Faz vinte anos que jantei naquele barco de vidro em Paris, atravessando o Sena. Voltei com a ideia de fazer algo assim em São Paulo”, conta André Berti, que trabalhou 27 anos como chef e empreendedor do setor de alimentação.

Inicialmente, ele pensava em um restaurante flutuante no Tietê ou no Pinheiros, mas logo percebeu que os pontos turísticos da cidade não estão às margens dos rios, e sim concentrados no centro histórico. “Abandonei a ideia por um tempo, mas ela nunca saiu da cabeça.”

Com passagens por food trucks e indústrias alimentícias, Berti criou também Sampa Sky, um mirante de vidro  localizado no 42º andar do Mirante do Vale, edifício mais alto do centro de São Paulo.

O projeto foi bem recebido, mas também reforçou a resistência de parte do público em relação ao centro da cidade. “As pessoas diziam que o centro era perigoso, que não desciam lá de jeito nenhum. Isso sempre me incomodou.”

A virada veio em uma nova viagem, desta vez a Nova York. “Vi aqueles ônibus vermelhos turísticos circulando, e aí liguei os pontos: se não dava para fazer no rio, dava para fazer na rua.”.

Começou então um processo longo de estudo sobre veículos, suspensão, segurança, projeto arquitetônico e experiência do usuário.

Com a entrada do sócio Rafael Sampaio, o ônibus foi comprado no Piauí e trazido para São Paulo — um trajeto de 2.600 km. A reforma durou mais de um ano. Hoje, o cardápio é preparado no restaurante Jazz Restô e pensado para atingir dois extremos: “O passageiro que viaja de primeira classe e o que vive do PF no vale-refeição. A gente quis agradar os dois.”

Como funciona a experiência

A compra do ingresso é feita online, com escolha da data, horário, poltrona e tipo de refeição.

O check-in acontece em um restaurante parceiro no centro, onde começa o embarque. O tour principal dura 1h45 e percorre 93 pontos turísticos com áudio descritivo em português. Turistas estrangeiros usam um aplicativo que traduz o conteúdo em até 8 idiomas via geolocalização.

Não há garçons: quem serve são comissários de bordo treinados, como os de aviação comercial. Durante o trajeto, o passageiro recebe uma sequência de seis pratos e bebidas não alcoólicas à vontade — como sucos, refrigerantes, cervejas sem álcool, vinho e espumante.

A legislação estadual não permite consumo de bebidas alcoólicas em veículos em movimento, mas isso não impediu o time de criar um ambiente de “primeira classe terrestre”.

“Resgatamos algo que se perdeu na aviação: o glamour, o cuidado, o serviço atento ao detalhe”, diz Berti.

Os desafios de empreender sobre rodas

O projeto enfrentou resistência desde o início. “Ouvia que era perigoso, que ia dar enjoo, que não era viável. Diziam que era coisa de maluco”, lembra Berti.

Para minimizar o desconforto, o ônibus circula a apenas 10 km/h. A equipe também oferece óculos anti-enjoo — apesar de nunca terem sido usados. “Já levamos grávidas, idosos, e ninguém passou mal. Mas ainda tem uma fatia de 10% que precisa ser convencida.”

Outro entrave é técnico: o ônibus tem 4,2 metros de altura, o que impede sua passagem por túneis, viadutos e ruas com fiação baixa. “A gente estuda cada trajeto para evitar interferência no trânsito e garantir que a experiência seja fluida. Ficar parado por 40 minutos na Faria Lima não faz sentido.”

Por fim, há a questão do próprio centro de São Paulo. Apesar dos avanços recentes, o local ainda sofre com percepção negativa — algo que o On Board tenta enfrentar de forma direta.

“Tem morador de rua? Tem. Como tem em Paris, Nova York, Londres. É uma questão urbana global. Mas aqui, a gente vê viatura a cada esquina. A cidade está mais segura. A revitalização existe, mas as pessoas ainda não sabem.”

Em 2024, a cidade de São Paulo recebeu 35 milhões de visitantes, de acordo com o Observatório de Turismo e Eventos da SPTuris, da prefeitura da cidade.

Planos de expansão e próximos destinos

O segundo ônibus já está em fase final de montagem. Um novo roteiro começa ainda em novembro, passando por pontos turísticos como Estação da Luz, Pinacoteca, Mercado Municipal e região do Brás — importantes para o turismo de compras e eventos.

Além da capital paulista, a marca prepara a chegada ao Rio de Janeiro, com estreia prevista até o fim de 2025. A cidade foi escolhida pelo apelo turístico, pela estrutura urbana e pelo interesse internacional.

“O Rio tem um fluxo constante de turistas e uma relação com o espaço público mais aberta. Tem tudo a ver com o modelo.”

A meta de médio prazo é ousada: chegar a 30 ônibus até 2030, atuando também em outras capitais e cidades com forte presença de turismo de negócios e eventos corporativos. “São Paulo recebe 5 milhões de turistas por mês. Se a gente atender 1% disso, já é gigante.”

Entre o turismo e a redescoberta da cidade

Mais do que atrair visitantes de fora, o On Board também conquistou um público local — paulistanos que nunca tinham visitado pontos históricos da cidade. “Tem gente que entra no ônibus com medo e sai falando: ‘Eu não fazia ideia de que o centro era tão bonito.’”

Segundo Berti, o maior objetivo do projeto é reverter essa lógica da cidade que se esquece de si mesma.

“Nosso passageiro não é só o turista com câmera pendurada no pescoço. É o morador da Zona Leste que nunca foi ao Mosteiro de São Bento. É quem mora na capital, mas nunca olhou para cima para ver os prédios da década de 40.”

Com a demanda aquecida e um modelo replicável, o desafio agora será escalar o negócio sem perder o controle da operação.

“A experiência não pode virar só um produto. A gente quer continuar sendo lembrado pelo atendimento, pelo cuidado e pela história que contamos a cada esquina.”

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