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Ela tem 25 anos, criou uma IA para monitorar o cerébro — e acaba de captar R$ 17 milhões

Healthtech brasileira aposta em IA para acelerar diagnósticos neurológicos e já atende hospitais públicos e privados no país

Daniele de Mari e Cristhian Cagliari Carniel, da Neurogram: “É como se todo mundo ainda guardasse exame de sangue em caixa de papelão, e a gente tivesse criado o primeiro tubo de ensaio” (Leandro Fonseca /Exame)

Daniele de Mari e Cristhian Cagliari Carniel, da Neurogram: “É como se todo mundo ainda guardasse exame de sangue em caixa de papelão, e a gente tivesse criado o primeiro tubo de ensaio” (Leandro Fonseca /Exame)

Daniel Giussani
Daniel Giussani

Repórter de Negócios

Publicado em 29 de julho de 2025 às 07h00.

Última atualização em 29 de julho de 2025 às 09h13.

Apesar dos avanços na inteligência artificial aplicada à saúde, a neurologia clínica continua presa ao passado em boa parte do Brasil.

Laudos de eletroencefalograma, ou EEG — exame que mede a atividade elétrica do cérebro — ainda são enviados por Dropbox, gravados em HD externo ou armazenados em sistemas incompatíveis entre si. Isso dificulta diagnósticos, encarece a operação e trava a inovação.

É nesse gargalo que a Neurogram, uma healthtech paranaense criada por dois neurocientistas, está fincando os pés.

Fundada por Daniele De Mari e Heitor Ettori, a startup centraliza e digitaliza toda a jornada do EEG, desde a coleta dos sinais cerebrais até o laudo final, com um sistema compatível com qualquer equipamento.

Agora, acaba de captar 17 milhões de reais em uma rodada seed com a Headline, fundo de Romero Rodrigues, ex-CEO do Buscapé.

O aporte marca um novo estágio da empresa — com ambição de escalar sua plataforma para 100.000 exames processados ainda em 2025.

A notícia do investimento vem pouco depois de a startup conquistar instituições de peso como o Instituto Estadual do Cérebro, maior centro de pesquisa neurológica do país, e iniciar a validação de suas IAs clínicas com a Mayo Clinic, referência mundial em medicina. A rodada anterior, de 1,4 milhão de dólares, havia sido captada no Vale do Silício em fase pré-seed.

“Construímos um produto robusto, validado por médicos, com impacto direto em assistência, pesquisa e eficiência clínica. Agora, com a Headline, temos o parceiro ideal para escalar esse impacto sem abrir mão da profundidade técnica e da segurança”, afirma Daniele, CEO da Neurogram.

Com a nova capitalização, a startup vai ampliar o time técnico e reforçar a estrutura de pesquisa e desenvolvimento.

O objetivo é consolidar uma infraestrutura nacional para exames neurológicos digitalizados, algo que ainda inexiste no Brasil — e que pode reduzir em até 60% o tempo de análise de um EEG, mesmo antes da aplicação de IA.

A história da fundadora

Quando era criança, Daniele De Mari se acostumou a frequentar hospitais. A avó, em tratamento contra um câncer, era levada a consultas pela mãe — e Daniele ia junto. O que mais a impressionava não era a doença, mas a precariedade dos sistemas hospitalares.

“Eu via o celular nascer, mas no hospital ninguém sabia de nada. Era tudo precário, mesmo em hospitais bons”, afirma.

A indignação infantil virou propósito. Aos 22 anos, Daniele fundou a Neurogram. Hoje, com 25, lidera uma empresa que já processou mais de 50.000 exames neurológicos e tem contratos com grandes clínicas e hospitais públicos e privados no Brasil e no exterior.

“É como se todo mundo ainda guardasse exame de sangue em caixa de papelão, e a gente tivesse criado o primeiro tubo de ensaio”, resume.

Como a plataforma funciona

O sistema da Neurogram digitaliza o processo de ponta a ponta. Os exames são enviados para a nuvem, podem ser laudados de qualquer lugar e ficam organizados com histórico do paciente, medicamentos e anamnese — a descrição clínica feita antes do exame. Nada de HD externo nem planilhas paralelas.

“Hoje tem clínica que manda exame por Dropbox. Isso é ilegal, fere a LGPD, e coloca o paciente em risco”, afirma Daniele.

A healthtech foi a primeira a oferecer laudos de EEG na nuvem e a única capaz de ler exames gerados por qualquer modelo de equipamento. A integração também garante compatibilidade com prontuários eletrônicos e sistemas de gestão hospitalar.

Na prática, o tempo médio de laudo caiu de 23 para 9 minutos. E isso sem aplicar inteligência artificial.

“Só organizando a casa, sem IA, a gente já economiza 60% do tempo. Quando aplicamos os algoritmos, o ganho é ainda maior”, diz Daniele.

O modelo de negócio

A Neurogram opera com um modelo SaaS, sigla para software como serviço, com cobrança por uso. Clínicas pagam pela plataforma e também por exame laudado. A startup já processou dezenas de milhares de exames e planeja multiplicar esse número por dez até o fim de 2025.

Além disso, a empresa está criando um marketplace de algoritmos, permitindo que pesquisadores publiquem suas próprias IAs na plataforma. O objetivo é transformar descobertas científicas engavetadas em ferramentas clínicas práticas.

“Tem médico que ficou quatro anos desenvolvendo um algoritmo incrível que está engavetado. A gente quer ser o Netflix desses algoritmos”, diz Daniele.

Segundo Cristhian Cagliari Carniel, CMO da Neurogram, a startup também financia pesquisas próprias e busca parcerias com universidades e centros de referência.

Os desafios para escalar

O maior obstáculo, segundo Daniele, não está na IA em si — mas nos dados.

“A IA é fácil. O difícil é a engenharia por trás, organizar os dados, padronizar formatos. É como o Spotify: o desafio era fazer a música tocar na hora que o usuário apertava o play”, afirma.

Hoje, exames de EEG não seguem um padrão universal. São pelo menos sete formatos diferentes, incompatíveis entre si. O envio de dados entre hospitais ainda depende, muitas vezes, de motoboy com HD externo.

Para contornar isso, a startup criou um banco unificado de exames e já fechou acordos com empresas que respondem por 70% do mercado brasileiro de equipamentos de EEG.

Como a IA entra no jogo

O primeiro algoritmo lançado pela empresa foi voltado para exames de sono. Ele analisa até 800 telas de um exame de 8 horas e classifica os estágios do sono em apenas 2 minutos — uma tarefa que um técnico humano levaria cerca de 40 minutos para completar.

A tecnologia já foi aprovada pela Anvisa e está sendo aplicada em parceria com a Unifesp para reduzir filas no SUS.

A empresa também desenvolve um sistema de IA para monitoramento neurológico em UTIs, com validação da Mayo Clinic. “Hoje só 1% dos pacientes em UTI são monitorados neurologicamente. Nossa IA permite que 100% sejam acompanhados em tempo real”, afirma Daniele.

O que muda com a entrada da Headline

Além do investimento, a rodada traz nomes experientes para o conselho da empresa. Romero Rodrigues, sócio da Headline, passa a atuar como advisor e se junta a executivos como Fabio Katayama, ex-CEO do Hospital Samaritano, e Paula Jereissati Gentil, ex-VP global da Johnson & Johnson.

“A Neurogram ataca um problema real com uma solução tecnicamente sofisticada e ao mesmo tempo escalável. É raro encontrar uma combinação tão forte entre profundidade científica, visão de produto e tração clínica”, afirma Romero.

Com o avanço da regulamentação de dados de saúde, a empresa aposta que a infraestrutura digital de EEG será cada vez mais essencial — não só para laudos, mas para pesquisas, prevenção e novos tratamentos.

“Nosso foco é simplificar a neurologia. A gente quer ajudar o neurologista a dar um diagnóstico mais rápido, mais preciso e com mais contexto”, diz Daniele.

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