Economia prateada: 18,2% das startups brasileiras foram fundadas por pessoas com 46 anos ou mais (filadendron/Getty Images)
Entre as tendências que estão no radar do mercado e das organizações, a pauta da “economia prateada” está cada vez mais presente. Fazendo referência aos cabelos grisalhos de mulheres e homens que já passaram dos 50 anos, esse segmento da economia diz respeito não só ao grande contingente de consumidores nessa faixa etária mas também àqueles que estão à frente de um negócio próprio.
Assine a EMPREENDA, a newsletter semanal da EXAME para quem faz acontecer nas empresas brasileiras!
Números do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que a parcela de brasileiros com 60 anos ou mais passou de 11,3% para 14,7% da população entre 2012 e 2021 — em números absolutos, o salto foi de 22,3 milhões para 31,2 milhões.
Por outro lado, uma pesquisa do Sebrae aponta que, entre os donos de micro e pequenas Startups lideradas por pessoas acima de 50 anos apontam caminhos para A inovação que empresas em atividade em 2022, 29% tem mais de 50 anos — somente os maiores de 65 anos correspondem a 6% do total de empreendedores na ativa.
Na esteira desses números, nada mais natural que os empreendedores mais velhos passem a explorar também uma área que ainda é dominada pelos mais jovens: a tecnologia. Mapeamento da Associação Brasileira de Startups mostra que 18,2% das startups brasileiras foram fundadas por pessoas com 46 anos ou mais. “A inovação envolve diversidade, e uma startup nasce de uma dor de mercado, que muitas vezes é conhecida por quem a vivenciou. Existe aí uma grande possibilidade de criar algo que ainda não foi criado”, diz o consultor do Sebrae-SP Ricardo Sérgio Martins, gestor do Silver Startup Lab, uma iniciativa do Sebrae for Startups para apoiar o desenvolvimento e crescimento de startups lideradas por pessoas acima de 50 anos.
Hoje o programa tem 35 startups selecionadas, em diversas fases, desde a ideação até aquelas que já estão validadas pelo mercado. Para Martins, a troca de ideias e impressões entre esses empreendedores mais velhos e os mais jovens é fundamental para o crescimento das startups, cada um dando sua colaboração, porém os “prateados” conseguem se sair melhor em alguns tópicos fundamentais para quem quer ganhar mercado. “Em quatro anos trabalhando em projetos com startups, vejo que os mais experientes se aprofundam mais e também são os que têm uma visão mais clara de negócios”, diz.
A vontade de transformar uma ideia inovadora em negócio — e também o receio de não conseguir mais espaço no mercado de trabalho devido à idade — foi o que levou a engenheira química Lilian Laraia a investir na criação de sua startup, a Laraia Tech, há cerca de seis anos. A empresa atua com análise de dados e informações para auxiliar na tomada de decisões de empresas, utilizando para isso ferramentas de inteligência artificial, aprendizado de máquina, análise semântica e mineração de texto. “Acredito que as empresas precisam estar se reinventando o tempo todo, e precisam de ferramentas para que isso aconteça”, diz.
Com uma carreira dedicada à pesquisa e desenvolvimento, e mais de 20 anos de atuação na indústria automobilística, Lilian encontrou uma oportunidade para empreender unindo a experiência dos processos do chão de fábrica com os estudos desenvolvidos em seu mestrado.
Entre as soluções que a startup oferece, estão, por exemplo, um algoritmo para análise de patentes e análises preditivas a partir de grandes bancos de informação. “Nosso objetivo é fazer com que nossos clientes sejam protagonistas do futuro da inovação, que possam dar um salto mais disruptivo ou fazer um passo a passo até estarem prontos”, afirma.
Para a startup sair do papel, porém, ela teve de passar por capacitações para lidar com temas básicos necessários para gerir uma empresa, como finanças e planejamento de negócios. Hoje são cinco pessoas na empresa, incluindo um sócio de 75 anos, ex-professor da fundadora. “A experiência de quem viveu muito tempo é valiosa e nem sempre conseguimos fazer com que ela seja transferida. Hoje a equipe tem de 25 a 75 anos, e os mais novos estão absorvendo o que os mais velhos têm a oferecer. Antigamente, uma pessoa com 50 anos era velha, havia uma cultura de desprezar o idoso, mas a gente pode fazer muita coisa”, diz Lilian. Atualmente, a empresa está em fase de tração para se tornar sustentável no mercado.
Ver de perto uma das principais queixas da pessoa idosa — a solidão — foi o que levou o empreendedor Adirson Allen a ter um “estalo”: por que não criar uma startup voltada para esse público, oferecendo as habilidades que eles têm para pessoas próximas que estejam com saudades do carinho dos avós? Foi assim que surgiu a VoVs, nome inspirado no jeito carinhoso de chamar o avô e a avó, empresa criada por ele, hoje com 60 anos, e as duas filhas, na faixa de 20 anos. “A gente trabalha com a memória afetiva, com quem sente falta daquele bolinho de chuva que a avó fazia com a receita dela”, diz.
O objetivo da VoVs é unir as pessoas mais velhas com uma habilidade especial a interessados em seus produtos ou serviços. Segundo Allen, o carro-chefe são habilidades culinárias, mas há muitos que oferecem serviços de artesanato, de produção de acessórios, de pequenos reparos em roupas e sapatos e até companhia para atividades: uma cliente procurou uma senhora que a acompanhasse à feira semanalmente para ajudar a escolher frutas e verduras, como a avó fazia.
“Tem também os que fazem serviços de reparos que ninguém mais faz. É fácil achar alguém que arruma celular, isso tem em qualquer esquina, mas não tem quem arrume um toca-fitas”, explica. Allen cita que o contingente de idosos conectados após a pandemia chega a 11 milhões de pessoas — e 95% deles acessam a internet via mobile. “Nesse processo, entendi que a tecnologia poderia ser uma barreira, por isso o aplicativo é muito fácil, simples de usar”, diz.
De acordo com o empreendedor, o VoVs tem uma logística baseada em “células” dentro de bairros ou regiões menores — hoje está em Campinas e em um bairro de São Paulo — e os pagamentos são feitos diretamente entre o tomador e o fornecedor de serviços. O modelo de negócios é baseado em mídia dentro do aplicativo e em projetos maiores junto a empresas, além de mentoria para organizações que estão contratando pessoas acima de 60 anos. “Para empreender depois dos 50 anos é preciso ser intergeracional, procurar estar com gente mais jovem. São vários dogmas que precisam ser quebrados”, afirma Allen.
LEIA TAMBÉM
Economia prateada: 10% dos empreendedores brasileiros têm mais de 60 anos