Negócios

E o salário das mulheres? Um tema de 2018

Alemanha e Reino Unido agora obrigam as grandes companhias a revelar a diferença de remuneração entre os gêneros. Mas o maior problema não está nas empresas

NATALIE PORTMAN (À ESQ) NO GLOBO DE OURO: atriz apontou para um problema de fundo – as mulheres não chegam a cargos de liderança  / Mario Anzuoni/ Reuters

NATALIE PORTMAN (À ESQ) NO GLOBO DE OURO: atriz apontou para um problema de fundo – as mulheres não chegam a cargos de liderança / Mario Anzuoni/ Reuters

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Da Redação

Publicado em 20 de janeiro de 2018 às 08h18.

Última atualização em 20 de janeiro de 2018 às 09h37.

O movimento contra o assédio sexual não é a única frente de batalha pelos direitos das mulheres. No mundo do trabalho, uma luta antiga – para acabar com as diferenças de salário em relação aos homens – está ganhando um forte impulso, e tende a dominar boa parte das discussões sobre remuneração este ano.

Em duas das três maiores economias da Europa, Alemanha e Reino Unido, entraram em vigor leis que obrigam as grandes companhias a divulgar as diferenças salariais por gênero.

Na Alemanha, a lei que passou a valer no último dia 8 permite que qualquer mulher cheque quanto ganham os homens em cargos equivalentes (na média), em empresas com mais de 200 empregados. A lei também vale no sentido oposto (qualquer homem pode saber quanto ganham as mulheres em cargos equivalentes), mas pouca gente acredita que ela precise ser usada para este fim.

A ideia é que a transparência é o primeiro passo para a igualdade de salários. A Alemanha é um dos países em que a disparidade é maior, na União Europeia, com uma diferença de 22% (igual à do Brasil, diga-se de passagem). A situação melhorou nos últimos dez anos, mas tão pouco – era 22,7% em 2006 – que nesse ritmo a igualdade chegaria em… 314 anos.

No Reino Unido, uma nova lei, que vai entrar em vigor em abril, exige que toda empresa com mais de 250 funcionários divulgue a defasagem nos salários entre homens e mulheres – também como primeiro passo para eliminar as disparidades.

Até agora, 527 empresas já se anteciparam à exigência e cederam suas listas ao governo. Na companhia aérea Easyjet, as mulheres ganham 52% a menos que os homens; na Virgin Money, 33%. Na Unilever britânica, porém, as mulheres ganham 8,8% a mais que os homens.

Nos Estados Unidos, não foi votada lei semelhante, mas há uma crescente pressão para que as empresas levem o assunto a sério. Esta semana, o Citibank revelou a disparidade de salários entre seus funcionários masculinos e femininos, cedendo às seguidas reprimendas do fundo de investimentos Arjuna Capital. A diferença é pequena (1%). Mesmo assim, o Citi declarou que está tomando providências para acabar com a disparidade.

Na Amazon, que publicou suas estatísticas em março do ano passado, a diferença é ainda menor: 0,1%. E representantes de populações minoritárias ganham até um pouco a mais do que os brancos, segundo a empresa.

Ajustados x não ajustados

Toda essa pressão para fazer com que as empresas divulguem suas listas de diferenças salariais pode estar ligeiramente equivocada. Mesmo nas empresas com maiores disparidades, os diretores afirmam que homens e mulheres recebem o mesmo salário quando fazem trabalhos equivalentes.

“Apesar de um boom econômico e um nível de emprego recorde, a lei pinta uma visão horrível de injustiça social”, disse Steffen Kampeter, diretor-geral da federação de empregadores da Alemanha, segundo o Financial Times. “O fato é que na Alemanha homens e mulheres recebem a mesma remuneração pelo mesmo trabalho na mesma companhia.” Kampeter descreveu a nova lei como uma “intervenção massiva” do governo, com regras “altamente complicadas”.

De fato, de acordo com a economia clássica, qualquer disparidade significativa de salários seria ilógica. Ante uma oferta de profissionais igualmente qualificados do gênero feminino, uma empresa teria que ser idiota para gastar mais do precisaria – e acabaria sendo suplantada por concorrentes que contratassem mais mulheres. Com o tempo, as mulheres seriam mais disputadas e seus salários subiriam. Em outras palavras: o mercado se equilibraria.

É mais ou menos este o argumento das companhias que divulgaram suas listas com alta disparidade. Na Easyjet, por exemplo, a justificativa para a diferença é que os homens são maioria absoluta entre os pilotos, com salário quase quatro vezes maior que o dos comissários de bordo – cuja maioria é de mulheres.

A confusão acontece, em parte, porque existem dois tipos de disparidade de salário por gênero. O primeiro é o não ajustado, que considera a média salarial do total de homens e do total de mulheres em uma amostra (seja uma companhia ou um país).

É esta diferença salarial não ajustada que dá as maiores estatísticas: nos Estados Unidos, as mulheres ganham 76 centavos para cada dólar que os homens ganham; na América Latina como um todo, são 83,9 centavos por dólar (de acordo com pesquisa da CEPAL feita em 18 países, entre pessoas de 20 a 49 anos que trabalham 35 horas semanais ou mais). No Brasil, as mulheres ganham em média 78% do salário masculino, de acordo com dados do IBGE.

O segundo tipo de diferença salarial entre gêneros é o ajustado – que leva em consideração a ocupação, o número de horas trabalhadas, a experiência e o nível educacional.

Neste caso, a diferença tende a cair drasticamente. Nos Estados Unidos, ela passa a ser de algo entre 2% e 5%, dependendo da fonte. No Brasil, de acordo com um estudo da Fundação de Economia e Estatística, do governo do Rio Grande do Sul, a diferença salarial não ajustada é de 20%, mas apenas 7% não são explicados pela diferença de produtividade (os fatos de as mulheres trabalharem menos horas, interromperem a carreira com mais frequência ou escolherem profissões menos bem remuneradas).

Isso explica a pequena diferença na lista do Citi. Em sua comparação de salários de 75.000 funcionários dos Estados Unidos, da Alemanha e do Reino Unido, eles levaram em conta fatores como função, nível hierárquico e localização geográfica.

Claro, é preciso notar que, embora a diferença salarial caia significativamente, ela ainda persiste. E não é irrisória.

Na BBC, onde a diferença salarial entre os gêneros é de 10,7% segundo a lista do governo, a a jornalista Carrie Gracie pediu demissão da direção de operações da emissora na China, cargo que ocupou por quatro anos, ao descobrir a disparidade salarial em relação a colegas homens. Ela recusou uma oferta de aumento que ainda a deixaria aquém dos apresentadores homens e disse que vai voltar à redação, onde espera “ser paga com igualdade”.

É muito difícil precisar de onde vêm as disparidades salariais para trabalhos equivalentes dentro das empresas, porque o machismo pode se manifestar de diversas formas: na preferência subjetiva por promover um homem; na dificuldade de as mulheres pedirem aumento com a mesma frequência ou insistência que os homens; na tendência a considerar o mesmo comportamento como assertivo, no caso de um homem, ou problemático, no caso de uma mulher; na propensão dos homens a pedir e receber encargos mais arriscados (com um viés de recompensa maior).

Como se vê pelos números, porém, a maior parte do problema não está dentro das empresas.

Um outro tipo de desigualdade

Embora o slogan feminista do momento (um momento que já dura alguns anos) seja “salário igual para trabalho igual”, a maior parcela do problema está na diferença salarial não ajustada.

Para ela, não é tão fácil apontar um culpado – as empresas que discriminam mulheres. Mas seu impacto é maior e mais duradouro: porque o que a diferença salarial não ajustada revela é um abismo entre as oportunidades que homens e mulheres têm.

A diferença não ajustada existe porque as mulheres são menos propensas que os homens a ter cargos de alto nível (e alta remuneração). Tome-se a medicina, por exemplo. Desde 2010 o número de mulheres que entram na profissão é maior que o de homens, de acordo com um estudo da Faculdade de Medicina de São Paulo. Mas os homens ainda se concentram nos cargos de maiores salários.

Mesmo quando as mulheres tomam de assalto um reduto antes considerado masculino, os estereótipos machistas se mantêm: os cirurgiões, encarados como uma profissão decisiva, são em sua maioria homens; a dermatologia, considerada uma atividade de cuidado, observação e tratamento não invasivo, é praticada por uma maioria de mulheres. E os salários para os estereótipos masculinos são maiores.

Nas empresas também é assim. Entre as 500 maiores empresas dos Estados Unidos, só 20% dos cargos nos conselhos de administração são ocupados por mulheres. E apenas 5% dos cargos de executivo-chefe. No Brasil, as mulheres são 44% da força de trabalho, mas apenas 37% nos cargos de direção e gerência – sem dizer que boa parte desses cargos é em setores como recursos humanos ou comunicação, que raras vezes levam ao posto máximo da companhia. Em 200 grandes companhias do país, só 3 têm presidentes mulheres.

As explicações para isso são variadas: desde o ensino fundamental, as meninas são direcionadas para áreas que têm menos a ver com ciência e tecnologia; elas são mais orientadas a cuidar da casa ou da família; a maioria delas vive uma jornada dupla (trabalho fora e cuidar da casa) que lhes dificulta aceitar empregos de maior carga horária ou estresse.

Há também as escolhas pessoais. Mulheres, seja por machismo impregnado em toda a sociedade ou por distinções naturais (o debate

prossegue), optam em maior número que os homens por trabalhos que lhes deem mais prazer, mesmo em detrimento da remuneração. E muitas freiam sua vida profissional durante anos quando se tornam mães.

Isso não quer dizer que o machismo não seja um baita de um problema. Quer dizer apenas que ele não está circunscrito às direções das empresas.

De certa forma, o debate precisa ser redirecionado, da mesma forma que nas discussões sobre machismo no cinema americano.

No ano passado, uma febre varreu a internet quando se divulgou que a Gal Gadot, a atriz que interpretou a Mulher Maravilha nos cinemas, ganhou “apenas” 300.000 dólares, enquanto Henry Cavill ganhou 14 milhões de dólares para interpretar o Super-Homem, em 2013.

Era uma revolta equivocada. Os 14 milhões de dólares de Cavill vinham de fonte suspeita, e Gal Gadot ganhou o equivalente a outros atores em início de carreira em filmes de heróis – as remunerações tendem a aumentar quando as franquias decolam e as estrelas são convocadas para um segundo e um terceiro filme no mesmo papel.

Não é que não haja um problema de desigualdade de remuneração entre atores e atrizes. Em 2015, a atriz mais bem paga, Jennifer Lawrence, recebeu 52 milhões de dólares, enquanto o ator mais bem pago do ano, Robert Downey Jr., ganhou 80 milhões de dólares.

Mas o maior problema é outro, de base. Foi o que apontou a atriz Natalie Portman, em seu pequeno comentário ao anunciar o prêmio de melhor diretor do Globo de Ouro, este mês: “e aqui vai a lista totalmente masculina de indicados ao prêmio”.

Dar às mulheres o mesmo salário que os homens para o mesmo trabalho é uma proposição incontestável. Mas ela não responde a uma questão crucial: quantas mulheres estão ocupando os melhores cargos?

Nesse sentido, a diferença salarial não ajustada é um índice mais significativo para a sociedade.

Um problema ainda pior

Se a disparidade salarial já representa uma situação crítica, há algo muito pior: a diferença de riqueza entre os gêneros. É como se duas formas de machismo se combinassem ao longo do tempo: de um lado, as mulheres ganham menos; do outro lado, gastam mais – com os outros.

O resultado é um abismo impressionante. Nos Estados Unidos, as mulheres brancas têm 32 centavos de patrimônio para cada dólar dos homens brancos. Para mulheres negras, a proporção é ainda menor – uns poucos centavos.

Um estudo do JPMorgan Chase Institute examinou as finanças de 210.000 clientes, de forma anônima, e revelou que as mulheres têm 20% a mais de dívidas e a menos de ativos líquidos que os homens.

Em grande parte, isso é resultado da diferença na remuneração, ao longo dos anos. Mas há mais. As mulheres são as principais provedoras em 60% dos lares americanos. E a maternidade pesa na remuneração das mulheres (para cada filho, o salário de uma mulher nas faixas de renda mais baixas decresce 7%).

Não é só a maternidade. As mulheres tendem a cuidar dos pais na velhice, de parentes adoentados, de família estendida. Segundo alguns estudos, a americana média gasta 12 anos de sua carreira para cuidar da família.

Ela economiza menos e, como consequência, contribui menos com planos de previdência. Uma mulher americana tem 80% a mais de probabilidade de viver na pobreza depois dos 65 anos do que um homem.

Esse fardo que as mulheres carregam está longe de ser uma característica apenas da sociedade ocidental moderna. Na cultura milenar polinésia, por exemplo, se um casal só tinha filhos homens, era costume criar o último deles como se fosse uma menina: os Fa’afafine ou Rae Rae. Senão, quem iria fazer os serviços de casa e cuidar dos pais quando eles ficassem velhos?

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