(Bloomberg/Getty Images)
Leo Branco
Publicado em 11 de maio de 2021 às 06h40.
Última atualização em 11 de maio de 2021 às 09h00.
Justin Zhu, diretor executivo da startup de marketing digital Iterable, estava andando pela Broadway em São Francisco em 26 de abril, quando foi convocado para uma conferência surpresa e demitido no mesmo instante. O cofundador da empresa, Andrew Boni, e toda a diretoria disseram a Zhu que ele estava perdendo o emprego, antes de mais nada, porque havia tomado LSD antes de uma reunião em 2019.
O incidente de fato aconteceu — Zhu diz que estava tentando tomar uma pequena dose para melhorar seu foco e acidentalmente ingeriu uma porção muito grande –, mas ele também estava sendo demitido por outras razões além daquela. Nos últimos 10 meses, Zhu conversou com uma repórter da Bloomberg Businessweek sobre sua experiência como CEO, os desafios de ser chinês no Vale do Silício e suas disputas com dois investidores-chave da Iterable. Zhu não tinha dado fim às conversas quando os investidores pediram a ele que o fizesse, a gota d'água em uma disputa antiga.
A demissão de Zhu cresceu até se tornar uma saga bizarra que mexe com muitos dos pontos de contato culturais clássicos do Vale do Silício: fundadores que não agem como empresários convencionais, a busca pela produtividade adicional por meio do uso de drogas e os riscos de falar abertamente sobre as pressões no ambiente de trabalho. É também uma história imersa na tensa política étnica que atualmente vem rondando a comunidade de tecnologia e a sociedade americana de modo geral.
"Nos primeiros dias, eles estão buscando estranhos", Zhu, 31, diz hoje sobre investidores de capital de risco. Ele vem conduzindo a Iterable de uma ideia para uma empresa avaliada em cerca de US$ 2 bilhões, um sucesso impressionante para a maioria das métricas atuais. Mas quando uma empresa chega a esse estágio, diz ele, o novo mantra passa a ser: Diminua o risco.
Zhu começou sua carreira em 2011, como engenheiro de software no Twitter. Dois anos depois, ele e Boni, hoje com 32 anos, torraram as economias de suas vidas para montar uma nova startup, a Iterable, que criou campanhas de marketing e notificações direcionadas para clientes de maneiras altamente personalizadas, como por e-mail ou alertas de texto, informando aos clientes o status de seus pedidos de entrega de alimentos. Em pouco tempo, a startup começou a ganhar clientes, e os investidores estavam implorando para fazer parte do negócio. No fim de 2016, a Iterable chegou a ser avaliada em US$ 125 milhões.
Pessoalmente, Zhu exala excentricidades de um jeito que faz sentido para o caráter mais cabeça aberta do Vale do Silício. Em um recente almoço de negócios, ele usou um moletom de veludo de azul-petróleo estampado com estrelas que diz ter comprado porque o lembrava de O Pequeno Príncipe, de Antoine de Saint-Exupéry. Zhu gosta de discutir a ausência de moralidade do capitalismo, o princípio da dívida cósmica e a necessidade de mais amor no mundo.
Mesmo quando a Iterable estava prosperando, Zhu diz que às vezes se sentia alienado e triste. Ele acreditava que ele e a empresa estavam focados demais em vendas e dinheiro em vez de tentar cumprir metas altruístas. Quando foi ao casamento de um de seus investidores no Líbano em 2019, Zhu conheceu um empresário que sugeriu a ele que tomasse pequenas quantidades de LSD para melhorar sua concentração e bem-estar geral. Zhu pesquisou sobre a ideia e encontrou estudos que associavam a microdosagem a uma melhora no foco e a níveis menores de estresse.
Em São Francisco, Zhu estava se preparando para uma reunião importante com um grupo de investidores de destaque. Por acreditar que quantidades limitadas de LSD melhorariam seu discurso de vendas, Zhu, que nunca havia usado a droga, decidiu tentar pôr em prática seu plano de microdosagem. Ele tomou o que julgava ser uma pequena quantidade de LSD pouco antes da reunião.
O resultado não foi o que ele esperava. Quando tentou mostrar aos potenciais investidores uma sequência de slides com projeções financeiras, Zhu olhou para a tela e viu os números e imagens inchando e encolhendo, o que os tornava impossíveis de distinguir. A sensação era de que seu corpo estava derretendo, diz ele. Depois de uma pausa horrenda, um colega entrou em cena. Zhu tomou um gole de seu chá, decidiu falar os dados que lembrava de cabeça e foi em frente. A apresentação não terminou em investimento.
A relação de Zhu com os investidores de risco já vinha se tornando tensa antes disso. Ele usou shorts e uma camiseta durante uma reunião com a Geodesic, uma empresa de VC fundada por John Roos, ex-embaixador dos EUA no Japão. Mais tarde, um membro da diretoria da Iterable informou a Zhu que a Geodesic não iria investir na empresa, insinuando que a decisão se devia em parte ao traje casual usado por ele. Uma pessoa que está familiarizada com o modo de pensar da Geodesic diz que o traje de Zhu não pesou na decisão da empresa, pedindo para se manter anônima ao discutir questões privadas de negócios.
Em outra reunião com investidores, Zhu notou que a abreviação AI (sigla de inteligência artificial, no original em inglês) tinha a mesma sonoridade da palavra mandarim para o amor. Depois desse episódio, um colega perguntou a Zhu se ele estava "virando o Adam Neumann", referência ao CEO deposto da WeWork conhecido por se empolgar quando falava de temas semelhantes.
Zhu diz ter ouvido mais tarde que um investidor perguntou se ele estava drogado na época. Ele diz que não estava, e descreve sua incursão na microdosagem em local de trabalho como um evento isolado. Boni disse a ele que preferia a versão mais circunspecta de Zhu. Usando seu nome chinês de nascença, Zhu diz ter respondido que estava finalmente mostrando quem era o verdadeiro Zhu HaoRan.
No fim de 2019, depois que a Iterable conseguiu levantar mais US$ 60 milhões, dois de seus investidores, Murat Bicer, sócio geral da CRV, e Shardul Shah, sócio na Index Ventures, levaram Zhu para jantar para comemorar. Em uma mesa no canto do restaurante Hakkasan, os dois VCs direcionaram a conversa para o tema da liderança da empresa. Chocado, Zhu perguntou se eles estavam pensando em substituí-lo como CEO. "Esta ainda é sua empresa", Zhu diz que Bicer garantiu a ele, mas Bicer também pediu a ele que considerasse os prós de um líder mais experiente.
Zhu, que nasceu em Xangai, diz que se lembrou de uma conversa muito antiga com um investidor asiático, que disse a Zhu que provavelmente um dia ele seria convidado a se afastar para dar lugar a um executivo branco. Ele disse aos investidores que queria ficar, em parte para servir de exemplo para outros imigrantes do Leste Asiático. "Não senti que houve compreensão alguma", lembra ele. "A reação deles foi tipo 'ok'." Em seguida, diz Zhu, Bicer mudou de assunto.
Questionado sobre o jantar, assim como sobre outros detalhes do relato de Zhu, um porta-voz da Index Ventures se recusou a comentar. A CRV não respondeu a vários pedidos de entrevista, e a Bicer não quis comentar.
Nos primeiros dias da pandemia do coronavírus, Zhu fez um empréstimo de US$ 30 milhões para manter o negócio funcionando caso o casco da economia furasse. Para fechar o empréstimo, o banco queria referências de sua diretoria, e Zhu diz que Shah não se mexeu. Eventualmente, Shah pediu para se encontrar com Zhu, o cofundador Boni e Bicer no South Park de São Francisco, um polo de VC.
Os homens se reuniram em bancos do lado de fora, e mais uma vez os investidores trouxeram à tona o tópico de achar um novo CEO. "Vocês só estão tentando combinar padrões", Zhu lembra de ter dito a eles. "Provavelmente, seus últimos 20 CEOs que se tornaram públicos eram todos caucasianos."
Não era uma afirmação de todo descabida. A maioria dos CEOs do Vale do Silício são homens brancos; muitos vêm da Índia, mas poucos são da China, Japão ou Coreia. Ainda assim, tanto a Index Ventures quanto a CRV têm apoiado CEOs de destaque da Ásia Oriental. A CRV foi uma das primeiras a investir na DoorDash, liderada por Tony Xu, nascido em Nanjing. A Index já vinha investindo na Zuora e em outras empresas administradas por executivos da Ásia Oriental.
Parte da desconexão com Shah, Zhu sentiu, tem a ver com seus antecedentes na Ásia Oriental. Zhu acredita que sua preferência pela busca do consenso em vez de dizimar as opiniões dissidentes ou se envolver em debates barulhentos é um traço cultural que seus investidores confundiram com fraqueza — um estereótipo sobre os asiáticos orientais que os pesquisadores acadêmicos têm citado como uma razão para sua subrepresentação em posições de liderança nos EUA. Em um artigo no ano passado, um professor do MIT e seus colegas escreveram que o "teto de bambu" era reflexo de "uma questão de ajuste cultural".
Em um telefonema no fim daquela semana, Zhu diz que Shah pediu a ele que se comprometesse a comandar suas reuniões de diretoria com "mais presença" e "dirigindo com a mão mais pesada" — hábitos que Zhu diz não fazerem parte de sua natureza.
A maioria dos diretores também queria que Zhu se comprometesse a memorizar as métricas-chave da empresa como parte de um plano de melhoria de desempenho. Zhu disse que seguiu o plano e o empréstimo saiu, com a aprovação de Shah. Mas a conversa não foi bem digerida por Zhu.
"Eu dirijo a empresa com valores orientais", diz ele. "Isso não significa que eu não esteja equipado para ser CEO."
Zhu diz que a disputa equivalia a discriminação, mesmo que não se encaixasse na imagem estereotípica do preconceito racial. Bicer cresceu na Turquia, e Shah é de etnia sul-asiática. E, quando Zhu foi demitido, a diretoria o substituiu por Boni, que era presidente da Iterable e que, como Zhu, é descendente do Leste Asiático. (Zhu diz suspeitar que o conselho veja Boni como um CEO-tampão e que também irá substituí-lo.)
No fim do verão de 2020, os negócios na Iterable estavam crescendo de novo. Era hora de arrecadar mais dinheiro. Porém, a essa altura, Zhu tinha ficado desconfiado de Shah e queria minimizar o envolvimento dele no negócio. Com a cooperação de Shah, ele arranjou para a empresa de investimento Silver Lake comprar cerca de metade das ações da Index e assumir o posto de Shah na diretoria, parte de uma rodada de financiamento que valorizaria a Iterable em US$ 2 bilhões.
A questão do preconceito e da violência contra os asiáticos passou a fazer parte das discussões nacionais após o assassinato de oito pessoas em Atlanta, em março. Zhu, que ainda se lembra de fugir de valentões da escola que o espancaram e disseram a ele para voltar para a China, ajudou a organizar uma campanha chamada Stand With Asian Americans (Fiquem do Lado dos Asiático-americanos, em tradução livre do inglês). O esforço rendeu promessas de apoio de 7,5 mil líderes empresariais asiático-americanos e aliados.
Zhu ficou ainda mais convencido de que precisava contar sua história. Ele informou sua diretoria, que não incluía mais a Index, de que estava conversando com uma repórter na Bloomberg, e pela primeira vez contou a eles sobre o incidente de microdosagem. Pediram-lhe para não falar sobre isso ou sobre suas discussões com seus investidores. Zhu disse que queria contar tudo, mesmo pondo em risco sua posição. "A única razão para compartilhar isso é para ajudar os fundadores que estão sofrendo, e qualquer pessoa que esteja passando pelas coisas que eu estou passando", diz ele.
No fim de abril, os investidores de Zhu novamente pediram a ele que não falasse com a imprensa. Logo depois, ele recebeu o telefonema dizendo que fora demitido. Zhu sentou-se em um parque no Distrito Financeiro de São Francisco, absorvendo a notícia. "Esse é o preço da justiça hoje em dia", diz ele. "Eu prefiro contar a história e até mesmo ser demitido."
Tradução por Fabrício Calado Moreira
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