Fernando Bortolozzo, gerente industrial da Stanley Black & Decker. (Renata Miziara/VOCÊ RH)
Tamires Vitorio
Publicado em 19 de julho de 2017 às 06h00.
Última atualização em 19 de julho de 2017 às 16h20.
A fábrica de ferros de passar roupas e outros artigos elétricos da Stanley Black & Decker, em Uberaba, Minas Gerais, chegou a perder 1,5% da produção em 2014. O motivo? As doenças musculoesqueléticas (DMEs) recorrentes que atingiam parte dos 750 funcionários e obrigaram a empresa a processar, de janeiro a setembro daquele ano, 235 atestados médicos. O afastamento dos portadores de queixas ortopédicas representou 709 dias de trabalho perdidos e exigiu a contratação de 88 operadores para repor a força produtiva. Um prejuízo estimado em 1,2 milhão de reais.
A companhia não está sozinha nesse cenário. As DMEs são a principal causa da incapacidade e do absentismo de assalariados, seja qual for a base de dados analisada — do Anuário Estatístico da Previdência Social às pesquisas de consultorias de gestão em saúde.
No ano passado, segundo a Associação Internacional de Promoção da Saúde no Ambiente de Trabalho, foram concedidos 415 846 benefícios acidentários e previdenciários relacionados a doenças osteomusculares, bem acima da segunda causa de abono, as doenças mentais. Dados oficiais da Previdência Social indicam as dores lombares como o maior motivo de faltas de empregados no país: somente no primeiro trimestre de 2016, registraram-se mais de 24 000 afastamentos. Significa que, por dia, 269 trabalhadores entraram em licença médica por conta de problemas na coluna — um atestado médico a cada 5 minutos.
Ao contrário do que se pensa, essas queixas não são “privilégio” dos funcionários do chão de fábrica. “Digitadores, vendedores, motoristas e atendentes de telemarketing também estão sujeitos a dores nas costas, nos quadris e nos joelhos”, diz Ricardo Lobão, presidente da consultoria de gestão UIB Benefícios, apresentando uma pesquisa realizada entre janeiro de 2015 e dezembro de 2016 com 456 000 usuários de planos de saúde. O levantamento indica um aumento de 52% no número de consultas por problemas de dores nas costas e 27% por desconforto nos joelhos. Apenas as cirurgias na coluna cresceram 79% de um ano para o outro.
O prejuízo é certo. “As queixas ortopédicas podem responder por até 14% das despesas totais com sinistro de saúde de uma organização”, afirma Helder Valério, gerente de gestão e promoção de saúde da consultoria Mercer Marsh Benefícios, com base num estudo realizado em 2016 com 100 empresas nacionais e multinacionais de grande e médio porte.
Esse mal causa tanto a ausência dos profissionais quanto a consequente queda na produtividade e rentabilidade das corporações — e ainda afeta o clima organizacional.
Causas e recomendações
A Associação Nacional de Medicina do Trabalho aponta entre as principais razões dos distúrbios musculoesqueléticos a postura inadequada, a pressão emocional e o frio do ar-condicionado — que pode provocar contraturas musculares. Somam-se ainda o fato de o tempo de lazer ter sido absorvido pelo celular e pelas redes sociais, gerando uma estrutura de sustentação muscular fraca por causa do sedentarismo. “O corpo humano não foi feito para ficar parado”, diz Antônio Carlos Campanini, médico da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). A solução se resume a duas palavras: se mexer.
Contudo, segundo especialistas, frequentar uma academia poucas vezes por semana ou adotar uma mesa regulável para alternar o trabalho entre sentado e em pé traz poucos resultados. “O melhor é fazer uma ginástica laboral, recorrendo a programas de alongamento periódico”, afirma Campanini.
Foi o que fez a Stanley Black & Decker para resolver o problema da fábrica de Uberaba. A diretoria adotou um projeto englobando uma série de atividades para prevenir os distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho. “Instituímos a ginástica laboral direcionada a cada setor da linha de produção, promovemos um rodízio de funções, pausas formais para o administrativo e um centro de treinamento para oferecer orientação ergonômica”, afirma Fernando Bortolozzo, gerente industrial. Desde então o pessoal da fábrica faz uma parada duas vezes por dia para se exercitar no próprio local de serviço, e o time do administrativo descansa uma vez por dia. A ginástica laboral fica a cargo de quatro professores de educação física e uma fisioterapeuta do Sesi.
Após um ano, o número de atestados apresentados na Stanley Black & Decker caiu de 235 para 85, e os dias perdidos por causa dessas doenças foram resumidos a 220. Em 2016, a companhia precisou contratar apenas 24 pessoas para substituir temporariamente aqueles que estavam afastados, e a queda da produção foi de menos de 0,5%. O prejuízo foi reduzido a 500 000 reais.
Alberto Ogata, presidente da Associação Internacional de Promoção da Saúde no Ambiente de Trabalho, recomenda às organizações uma política de “intervenção médica precoce”, com a qual a empresa consiga impedir os casos crônicos ou graves. É igualmente importante treinar e conscientizar líderes e funcionários para um estilo de vida saudável, além de ter ações para combater o sobrepeso e gerenciar o estresse.
Outra dica é instalar um ambulatório interno, no qual um médico do trabalho faça um acompanhamento próximo da saúde dos funcionários. A simples atenção desse especialista resulta em maior participação do empregado na promoção de sua qualidade de vida — e ajuda a companhia a reduzir custos, uma vez que o profissional recomenda o melhor tratamento e evita procedimentos desnecessários. “Com o médico presente, metade das pessoas deixaria de ir ao pronto-socorro e 30% se absteriam de passar por uma cirurgia na coluna”, afirma Caio Soares, CEO da Advance Medical, outra companhia de gestão de saúde. O ambulatório interno trouxe resultados significativos para uma companhia do setor aéreo no Brasil. Um médico ficou à disposição dos funcionários 4 horas por dia, ao longo da semana. Em um ano, ele atendeu 1 586 pessoas e a empresa economizou 700 000 reais em sinistros.
Como já dizia o ditado, prevenir o problema é melhor do que remediá-lo.