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Do nazismo ao fast fashion: a reinvenção da C&A de novo à prova

Varejista de moda que estreia na bolsa brasileira dia 28 tem história marcada pela Segunda Guerra e pela busca ativa por redescobrir seu passado

C&A: empresa tem investido para aumentar aumentar a qualidade, e, também, transparência em sua cadeia produtiva. (C&A/Divulgação)

C&A: empresa tem investido para aumentar aumentar a qualidade, e, também, transparência em sua cadeia produtiva. (C&A/Divulgação)

LA

Lucas Amorim

Publicado em 16 de outubro de 2019 às 08h00.

Última atualização em 16 de outubro de 2019 às 08h00.

A varejista de moda holandesa de moda C&A é a próxima empresa na fila para abrir capital no Brasil, o que tem levado analistas e investidores a questionar o timing e a estratégia da companhia no país. Globalmente, a C&A vem se dedicando nos últimos anos a esclarecer e virar a página de questões que vão muito além da integração entre varejo físico e online.

As dúvidas sobre o IPO da companhia no Brasil se concentram, claro, nas questões operacionais. Uma das mais tradicionais varejistas de moda do país, com 43 anos no Brasil, a C&A vem perdendo terreno para Renner e Riachuelo. Hoje é apenas a terceira maior do país, depois de liderar o mercado até 2010. Nos últimos três anos, aumentou seu número de lojas no país em apenas seis unidades, de 276 para 282.

O IPO não deve servir para acelerar o passo, numa estratégia que vem sendo criticada por analistas. Cerca de 90% dos 2,2 bilhões de reais que a C&A levantar em sua estreia na B3 irão para pagar dívidas e para o caixa da empresa, e não para expansão. É uma combinação que levou o analista Rafael Ragazzi, da consultoria de investimentos Nord, a chamar a oferta de “oportunista”.

Outras questões que pairam sobre a empresa também desafiam seus concorrentes. Símbolo de eficiência operacional e de agilidade no lançamento de coleções, a popular fast fashion, a C&A tem investido para aumentar aumentar a qualidade, e, também, transparência em sua cadeia produtiva. É uma investida para ficar mais próxima da demanda de novos consumidores, preocupados com a origem dos produtos, sua forma de fabricação e sua pegada sustentável. Estruturas produtivas distantes e bancadas com salários baixos, por exemplo, estão na alça de mira.

Em entrevista a EXAME em maio, Paulo Correa, presidente da C&A Brasil, afirmou que “é cada vez mais claro que a moda antiga está saindo de moda”. O foco é cada vez mais em roupas de qualidade que durem por mais tempo, usem matéria-prima sustentável e de alta qualidade.

Globalmente, a C&A faz parte também de outro time de empresas: aquelas que tentam curar feridas abertas numa história centenária. A companhia foi fundada na Holanda pelos irmãos alemães Clemens e August Brenninkmeijer em 1841 (as iniciais formam o nome da companhia). Até hoje a empresa é controlada pelos descendentes dos fundadores. Nos últimos anos, a família vem investindo para jogar luz em sua história, trazendo à tona episódios pouco edificantes.

Segunda Guerra Mundial

Assim como outras tradicionais companhias europeias, a C&A tem sua história marcada pela Segunda Guerra. Segundo livro lançado em 2016, uma série de cartas antigas revela a colaboração da família Brenninkmeijer com o nazismo — a Alemanha era então o maior mercado da companhia. Seu ponto de contato era Hermann Göring, líder do Partido Socialista dos Trabalhadores Alemães. A C&A teria se apossado de propriedades tomadas de judeus e ainda usou trabalho forçado de judeus num campo de trabalho polonês, em Lodz.

Ao mesmo tempo, a companhia mantinha importantes operações na Holanda, ocupada pelos alemães, e no Reino Unido, palco da maior resistência à expansão do nazismo.

O livro em questão é “C&A: A family business in Germany, the Netherlands and the United Kingdom 1911-1961”, foi escrito pelo historiador Mark Spoerer e recebeu destaque em publicações como a revista The Economist. A obra, surpreendentemente, foi autorizada pela família Brenninkmeijer, que concedeu entrevistas, deu acesso total aos seus arquivos e permitiu a publicação do texto na íntegra.

À Economist, Joseph Brenninkmeijer afirmou que o livro é parte de uma terapia corporativa que tem permitido à família entender sua história. A C&A chegou a montar um comitê de história para resgatar os bons e maus capítulos de sua história. É uma releitura especialmente difícil para empresas que tinham importante atuação na Alemanha dos anos 30 e 40 — das quais apenas cerca de 30% conduziram pesquisas sobre sua atuação na Segunda Guerra, ainda segundo a Economist.

Quase um século depois dos horrores do nazismo, a C&A precisa lidar com questões muito mais simples, mas desafiantes para seu futuro. Como vender roupas melhores, mais sustentáveis, produzidas em condições de trabalho cada vez mais exigentes para um público cada dia mais atento. O mergulho em seu passado mostra que, para a companhia holandesa, mudança não é problema.

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