Negócios

Do baião de dois ao Corinthians: Bar do Biu virou um clássico de SP e conquistou até o Offspring

Banda The Offspring, em turnê pela cidade, escolheu o Bar do Biu como cenário para gravar um clipe em homenagem ao Brasil

Rogério Biu, do Bar do Biu: ""Vieram os jovens, os amigos dos meus amigos, a galera do Corinthians. O bar se transformou" (Leandro Fonseca/Exame)

Rogério Biu, do Bar do Biu: ""Vieram os jovens, os amigos dos meus amigos, a galera do Corinthians. O bar se transformou" (Leandro Fonseca/Exame)

Daniel Giussani
Daniel Giussani

Repórter de Negócios

Publicado em 22 de março de 2025 às 08h07.

Goiana, uma cidade espremida entre Pernambuco e Paraíba, ajudou a dar ao mundo dois nomes que, cada um à sua maneira, moldaram São Paulo. De lá vem toda a família materna do paraibano Assis Chateaubriand — raízes que, de alguma forma, alimentaram o espírito do magnata que ergueu um império de comunicação e fundou o MASP, o museu-símbolo da capital paulista.

E foi dessa mesma terra de sol e engenhos que partiu Severino Gomes da Silva, cujo legado não está impresso em páginas de jornal nem erguido em concreto por Lina Bo Bardi. Seu nome se perpetua de outro jeito: no balcão de um bar que pulsa no coração de Pinheiros, um dos mais boêmios bairros da cidade.

Se Chatô desenhou a São Paulo intelectual e cosmopolita, Severino ajudou a regá-la com boas histórias, comida boa e cerveja gelada. Há 45 anos, ele abriu o Bar do Biu, um dos redutos da boemia paulistana da virada do século 20 para o 21 que permanecem vivos entre os novos prédios. Entre mesas disputadas e paredes cobertas de histórias, o bar se tornou ponto de encontro de jornalistas, artistas, músicos e torcedores, principalmente do Corinthians, o time do coração do filho de Severino, Rogério, atual responsável por comandar o boteco.

O bom atendimento e a comida caseira e farta são marcas da casa. Foi justamente esse espírito que atraiu, na última semana, uma visita inesperada. A banda The Offspring, em turnê pela cidade, escolheu o Bar do Biu como cenário para gravar um clipe em homenagem ao Brasil.

“Um amigo ligou dizendo que precisava de um local na cidade para a banda gravar, e queria algo igual ao nosso bar. Combinamos e eles passaram por aqui”, conta Rogério. “Ficaram umas duas horas, provaram petiscos, experimentaram nossa pimenta e se amarraram nos quadros que temos por aqui.”

Não há parede livre no Bar do Biu. Fotografias, reportagens gastronômicas, obras de arte e posters do Corinthians disputam espaço, refletindo a alma do lugar. O amor alvinegro, aliás, é responsável por superlotações em dias de jogo, quando torcedores lotam o salão — e a calçada — para assistir às partidas.

A tradição começou quase por acaso, quando Rogério pendurou um pôster do elenco corintiano campeão paulista de 1997. “No início, meu pai, santista, falava que não podíamos misturar futebol com os negócios”, lembra. “Mas ele percebeu que cada vez mais torcedores vinham, e isso ajudava no faturamento. No fim, ele gostou.”

Por ali, há também pendurados desenhos feitos pelo próprio Severino no pouco tempo livre entre o almoço e o happy hour, dois horários de pico do bar no início dos anos 2000.

Qual é a história do Bar do Biu

Severino Gomes da Silva teve uma história parecida com a de muitos migrantes dos anos 1960: veio para o Sudeste em busca de uma vida melhor.

Chegou à cidade por volta dos 17 anos e começou a trabalhar como cobrador de ônibus. "Para conhecer São Paulo", brinca o filho Rogério. Depois, conseguiu um emprego num restaurante. Queria aprender a cozinhar. "Ele passou fome na infância. Trabalhar com comida era uma forma de nunca mais passar por isso", diz.

No restaurante, conheceu Edinólia, que cozinhava muito bem. Com o tempo, os dois decidiram pedir as contas e abrir um bar. Escolheram um ponto comercial em Pinheiros e começaram a servir alguns pratos simples. O nome do lugar veio do próprio Severino: no Nordeste, "Biu" é o apelido mais comum para Severino. Dona Edi e seus pratos são até hoje um dos segredos do sucesso do estabelecimento.

Edinólia, a Dona Edi, do Bar do Biu: seus pratos são até hoje um dos segredos do sucesso do estabelecimento (Leandro Fonseca / Exame) (Leandro Fonseca/Exame)

Rogério cresceu dentro do bar. "Quando eu tinha 10 anos, pedi uma bicicleta para o meu pai. Ele respondeu: ‘Quer uma bicicleta? Então vem cá que eu vou te ensinar a lavar copo’", conta. Desde então, trabalhou no balcão, na cozinha e na limpeza, aprendendo, desde cedo, que no Bar do Biu nada vinha de graça.

Foi assim, numa Pinheiros ainda de casas de vila e poucos prédios, que o Bar do Biu criou morada, na esquina da Cardeal Arcoverde com a João Moura – onde permanece até hoje.

As crises e as mudanças no meio do caminho

O Bar do Biu ficou, mas a vizinhança mudou. Quando Rogério assumiu o negócio no final dos anos 1990, o boteco vivia sua pior crise.

"Várias empresas que ficavam aqui perto fecharam. O pessoal que almoçava com a gente precisou sair do bairro. Nosso movimento caiu muito", lembra. "Eu desisti de entrar na faculdade e decidi me dedicar 100% ao bar para tentar reerguer o negócio".

A reinvenção veio com a culinária nordestina, que passou a ter protagonismo no cardápio. O baião de dois, prato típico da região, virou a especialidade da casa. A mudança não foi simples. O bar, até então, tinha um público mais velho e conservador. "Tinha muito senhor que vinha beber cachaça e mexia com as meninas. Comecei a cortar esse tipo de comportamento. Muita gente parou de frequentar", conta Rogério. Mas o novo público logo apareceu.

"Vieram os jovens, os amigos dos meus amigos, a galera do Corinthians. O bar se transformou". E atraiu de fãs da boa gastronomia a chefes de cozinha como o conhecido Alex Atala.

A especulação imobiliária de Pinheiros se intensificou com os anos. Pequenos comércios e casas deram lugar a prédios altos e modernos. Mas o Bar do Biu resistiu.

"Há 25 anos, todo ano vem uma incorporadora querendo comprar o ponto. Querem construir um prédio no quarteirão inteiro", diz Rogério. "Mas tem um detalhe: passa um rio aqui embaixo, e atrás tem um terreno público. Então, nunca dá certo. E enquanto isso, a gente segue aqui".

Com o tempo, o bar passou a receber clientes de outros bairros e até de outras cidades. "Tem gente que vem de Jundiaí e Campinas para almoçar aqui no fim de semana", conta. "Mas também tem vizinhos que moram na rua há 10 anos e só entram pela primeira vez depois de muito tempo".

Uma forçinha do Timão

Rogério assistia ao jogo das quartas de final do Campeonato Paulista de 1997 quando decidiu que o bar teria o Corinthians como identidade. O jogo, uma disputa acirrada contra o Santos – time de seu pai, Severino –, garantiu a classificação do alvinegro nos minutos finais. Quando o Corinthians conquistou o título, Rogério comprou um pôster do time e pendurou na parede.

"Na época, meu pai não gostou", lembra. "Ele dizia que bar não tinha que ter time, nem política. Mas, quando percebeu que a torcida ajudava no faturamento, acabou aceitando".

Desde então, o Bar do Biu virou um reduto corinthiano. Nos dias de jogo, o salão fica lotado. "Tem dia que não cabe mais ninguém", diz Rogério. "Os clientes cantam, acendem sinalizadores, trazem banda. É uma verdadeira arquibancada".

No último domingo, quando o Corinthians venceu o Palmeiras no primeiro jogo da final do Paulistão 2025, o bar virou uma extensão da arquibancada. O Corinthians venceu por 1 a 0 após aproveitar uma rara chance de finalização.

Bar do Biu: quadros, obras de arte, fotografias e recortes de revistas ilustram as parades do bar (Leandro Fonseca / EXAME) (Leandro Fonseca/Exame)

Os desafios e o futuro

O tradicional bar também enfrenta suas próprias batalhas. Nos últimos anos, Rogério percebeu que não dava para dedicar toda a vida ao trabalho. “Eu chegava cedo e tinha dias que saía às três da manhã", conta. "Decidi que precisava descansar".

Ele instituiu um horário fixo para fechar o bar: 18h. Também decidiu não abrir mais às segundas-feiras. "Foram 45 anos abrindo todos os dias, sem folga", diz. "Era hora de ter um tempo para mim e para meus pais, que ainda vêm todo dia preparar os pratos".

A questão da mão de obra é outro desafio. "Treinar pessoas para manter o padrão do bar é muito difícil", afirma. "O problema é que, quando o funcionário fica bom, ele vai embora. E aí começa tudo de novo".

O crescimento do bar também é um dilema. Apesar do sucesso, Rogério não quer expandir para outro ponto. "Só faria isso se encontrasse alguém que realmente entendesse o espírito do bar e soubesse manter a qualidade da comida", diz. "E, mesmo assim, eu precisaria pensar muito".

Há ainda uma preocupação para o futuro: seus pais logo terão que se aposentar. E, até hoje, é a mãe de Rogério quem prepara as receitas mais elogiadas do cardápio. "Ela cozinha com amor, e isso não se ensina. Pode seguir a receita, pode fazer tudo igual, mas não fica do mesmo jeito", diz.

Mas, por ora, isso é papo para outra mesa de bar.

Na próxima quinta-feira, 27 de março, o Corinthians disputa a final do Paulistão, já saindo em vantagem pela vitória do último domingo. O Bar do Biu estará fechado: em dia de jogo na Arena Corinthians, Rogério – e boa parte da clientela – é presença confirmada por lá.

No dia seguinte, porém, faça chuva ou faça sol, o Bar do Biu estará aberto: com a mesma coxinha de carne de sol, o mesmo baião de dois, a mesma cerveja gelada e as mesmas obras de arte que contam a história de uma vida dedicada a servir bem.

Acompanhe tudo sobre:BaresRestaurantes

Mais de Negócios

Startup quer minerar hélio-3 na Lua — cada quilo pode custar US$ 20 milhões

Marca familiar de Rondônia conquista o Brasil com grãos especiais

Justiça suspende decisão que obriga Latam a pagar R$ 35 milhões à Voepass

Amazon já investiu R$ 33 bilhões no Brasil. E é só o começo, diz líder global da empresa