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Diversidade na liderança traz resultados, diz presidente da SAP

Para presidente da fabricante alemã de softwares, a empresa deve ter nos funcionários um reflexo da sociedade

CRISTINA PALMAKA: “Falar de diversidade é fácil, mas é preciso criar um ambiente inclusivo” / Germano Lüders

CRISTINA PALMAKA: “Falar de diversidade é fácil, mas é preciso criar um ambiente inclusivo” / Germano Lüders

DR

Da Redação

Publicado em 1 de novembro de 2017 às 16h55.

Última atualização em 2 de novembro de 2017 às 10h14.

Ter passado por uma experiência num cargo global é geralmente um pré-requisito para um profissional se tornar presidente de uma multinacional. Para a paulista Cristina Palmaka, presidente da subsidiária da fabricante alemã de softwares SAP no Brasil desde 2013, essa oportunidade veio num momento inédito de sua vida pessoal.

Em 2006 (quando trabalhava na multinacional americana HP), logo que retornou de sua licença maternidade, após o nascimento de sua única filha, recebeu uma promoção. O cargo exigia viajar para outros países numa frequência quase semanal. “Minha filha estava com apenas quatro meses e sabia que, pessoalmente, aquele era um momento horrível para estar sempre viajando a trabalho” diz Cristina.

Conciliar vida profissional e pessoal é um dilema de qualquer profissional, independentemente de gênero ou configuração familiar. Mas empresas com políticas internas flexíveis e que favorecem o equilíbrio e bem-estar dos funcionários conseguem reter mais mulheres em cargos de liderança – uma das conclusões da primeira edição do Guia EXAME de Mulheres na Liderança. Pesou na decisão de aceitar a promoção o fato de a empresa permitir que Cristina mantivesse sua residência em São Paulo e trabalhasse de casa quando não estivesse viajando.

A operação brasileira da SAP faz parte de um grupo de 30 empresas apontadas como as melhores na promoção da diversidade de gênero na liderança. O Guia EXAME de Mulheres na Liderança é fruto de uma parceria com a ONG Women In Leadership In Latin America (Will).

Especialistas do Grupo de Pesquisa em Direito, Gênero e Identidade da Fundação Getulio Vargas de São Paulo analisaram as respostas de 90 companhias a 71 questões sobre políticas e processos, como o monitoramento da equidade de gênero e o equilíbrio entre trabalho e vida pessoal, além da proporção de mulheres em cada nível hierárquico.

Cristina falou a EXAME sobre como o tema é conduzido na SAP e o que aprendeu sobre conciliar família, hobbies e trabalho.

Por que a diversidade se tornou um tema importante para a SAP?

É uma questão matemática: qualquer empresa que tenha diversidade, tem melhores resultados, maiores receitas, é melhor administrada e mais inovadora. Minha crença pessoal é que, em tecnologia, a diversidade é ainda mais relevante, porque a tecnologia abre muitas possibilidades.

Atualmente, no portfólio da SAP, temos machine learning (aprendizado de máquina) e blockchain (tecnologia de registro de informações que permite as transações da moeda virtual bitcoin), e, se não tivermos olhares sob várias perspectivas, não vamos tirar o melhor do que essas tecnologias propiciam. Além disso, nossas soluções são muito enraizadas nas vidas dos clientes, então precisamos refletir a realidade deles, que é muito diversa.

Quais são as políticas mais relevantes da SAP para promover diversidade em cargos de liderança?

Garantir que a inclusão seja algo muito natural, espontâneo e parte do dia a dia. Estamos chegando a um patamar em que eu espero que não precisemos mais falar de gênero, pois nosso foco é criar um ambiente inclusivo para qualquer um que seja.

Temos projetos sobre LGBT, temos um grupo cuidando da questão racial. E temos um programa para inclusão de autistas no mercado de trabalho que me dá mais orgulho porque a preparação da inclusão foi muito diferente.

Sobre mulheres, negros e gays a companhia já fala há muito mais tempo (desde 2007 existe uma área responsável pela promoção de diversidade na companhia), mas, no Brasil, começamos em março o projeto para inclusão de autistas (na Alemanha, o programa existe desde 2013). Já tínhamos dois autistas trabalhando conosco e agora estamos com seis.

Recebemos uma pessoa da matriz para treinar nossos gestores, porque a abordagem durante uma entrevista, por exemplo, deve ser diferente. Talvez não haverá um contato olho no olho, mas eles têm outras competências. Os próprios gestores definiram quais posições fariam sentido pelas competências de cada autista.

Não temos meta ou cota. O objetivo é ser um ganha-ganha, para o desenvolvimento do autista e para a companhia. Falar de diversidade é fácil, mas é preciso criar um ambiente inclusivo, em que as pessoas se preparem e recebam todas as pessoas de forma natural e respeitosa.

Como criar um ambiente inclusivo?

Com respeito e equiparação de oportunidades para todos. Para ter boa representatividade na liderança da companhia, precisamos garantir a diversidade na base e o preparo das pessoas, para que elas estejam prontas quando surgir oportunidades. Por isso, oferecemos programas de desenvolvimento de lideranças focados em jovens e mulheres. Eu atuo como mentora de meninas que estão nesses programas. Para que qualquer pessoa possa chegar ao cargo da presidência, precisamos que as turmas de estagiários e trainees tenham mulheres, negros, pessoas com deficiência.

Existem candidatos em número suficiente para garantir um recrutamento diverso?

Cansei de escutar na minha vida a desculpa de que “não tem mulher participando do processo seletivo porque as mulheres não gostam de tecnologia”. Sério? Mas você está indo aonde buscar as pessoas? Mesma coisa para a participação de negros. Se você for, por exemplo, só na FGV e no Mackenzie, talvez não tenham mesmo negros. Mas se você for à Faculdade Zumbi dos Palmares, tem.

Então, vamos lá conversar, tenho certeza que há pessoas talentosas. Precisamos ir aonde as pessoas estão. Uma parte do que temos feito é treinamento sobre viés inconsciente, para identificar os preconceitos escondidos que todos temos. Todo mundo traz suas bagagens culturais que incluem o preconceito – pela forma como foi educado ou pelo que vivenciou.

Eu fiz vários treinamentos nos Estados Unidos e, lá, nunca se pode perguntar numa seleção se a pessoa é casada ou tem filhos, nem fazer outras perguntas de cunho pessoal. Simplesmente porque não se pode tomar uma decisão – seja de contratar, promover ou fazer um movimento – com um viés de preconceito.

É preciso saber se a pessoa está apta tecnicamente, se tem o perfil, se encaixa na cultura da empresa. Além disso, a tecnologia pode ajudar muito nos processos seletivos. Temos ferramentas para fazer o recrutamento sem ver foto ou outros detalhes pessoais. Tivemos um caso em que descobrimos que um candidato era cadeirante no dia que ele foi contratado.

A SAP não usa redes sociais nos processos seletivos?

É normal as empresas usarem redes sociais para mapeamento de candidatos, mas aqui não usamos esse processo. O motivo é garantir que a pessoa venha para uma posição para agregar seu talento, e temos que tomar cuidado para não deixar fatores externos atrapalharem sua vida profissional. Um comentário numa rede social, as preferências, a cor da pele e a orientação sexual não vão fazer a pessoa desempenhar de forma diferente.

A SAP tem metas para que grupos que hoje são minorias cheguem à liderança?

Sim. Hoje temos 25% da liderança formada por mulheres. A meta global é chegar a 30% até 2022. Assim como queremos ter mais negros e autistas participando – neste caso não temos meta, mas uma ambição de representar bem a sociedade dentro da companhia, replicar aqui o que acontece fora.

 

Temos participado de muitas iniciativas que apoiam a escolha de meninas de estudar computação e tecnologia. Desde janeiro de 2016, temos um programa de treinamento para jovens formados que estão desempregados. São turmas de 25 pessoas e arcamos com todos os custos. Há um processo de seleção muito exigente e os treinamos em tecnologias de ponta durante três meses.

Qual o objetivo desse programa para jovens desempregados?

O foco é fomentar o ecossistema, formar funcionários para os nossos parceiros e clientes. Alguns são contratados pela SAP. Dos mais de 100 que já se formaram, 80% estão empregados. No dia da formatura do curso, temos salas disponíveis para os parceiros fazerem entrevistas.

Temos um laboratório em São Leopoldo com quase 1.000 desenvolvedores, que dois anos atrás tinha 700. Ou seja, estamos crescendo exponencialmente e vamos seguir crescendo. Receber investimentos da matriz para treinamentos como esse é uma confirmação de que somos uma subsidiária relevante.

Quais os resultados das ações de promoção e inclusão da diversidade até agora?

Temos orgulho de ter ganhado a certificação EDGE (concedida pela fundação britânica Economic Dividends for Gender Equality – Dividendos econômicos para a igualdade de gêneros), depois de rigorosas auditorias. A SAP é a única empresa de tecnologia no mundo que teve seus processos de recrutamento, promoção e remuneração auditados e recebeu a certificação em 13 subsidiárias, entre elas a do Brasil, porque tem processos iguais para homens e mulheres.

Em 2014, a Jennifer Morgan, que era na época presidente da SAP para a América do Norte e hoje é membro do conselho de administração da companhia, fez um estudo para equiparação salarial – e estipulou que homens e mulheres no mesmo cargo, com o mesmo tempo de casa, têm de ganhar a mesma coisa. Houve revisão de salários e as discrepâncias foram niveladas.

Há uma lenda de que as mulheres trabalham menos, e é preciso desmistificar isso. Elas ficam afastadas para licença maternidade, geralmente de quatro a seis meses, porque é algo físico e necessário. Os homens também estão estendendo suas licenças de cinco para 20 dias. Aqui na SAP, os casais de mesmo sexo têm direito a escolher qual funcionário vai tirar a licença maternidade e qual vai tirar a licença paternidade.

Como foi no seu caso pessoal?

Eu tenho uma filha de 11 anos e tomei 100% da licença maternidade, que na época era de quatro meses. Logo depois que voltei, aos 38 anos, estava trabalhando na HP e fui promovida a uma posição na América Latina. Havia meses em que eu viajava toda semana para Colômbia, México, Estados Unidos.

Quando nasceu o primeiro dente da minha filha eu estava em Praga; lembro que fiquei muito magoada por não estar perto dela e me senti a pior mãe do mundo. Parei e pensei: ou eu volto para ver esse primeiro dente ou continuo em Praga para atender uma agenda cheia de reuniões com clientes. Foi aí que me dei conta de que perderia muitos momentos como aquele, e decidi em quais ocasiões minha presença seria inegociável.

Quais são as ocasiões inegociáveis?

Momentos importantes como todas as apresentações de balé dela e o primeiro dia de aula do ano letivo. Também me coloco limites: quando chego em casa, meu celular não fica comigo, porque senão fico toda hora olhando e isso faz perder a conexão com o ambiente físico. Quando se está junto, é preciso estar presente.

Adoro ler histórias para ela e até hoje lemos juntas. Nas tardes de domingo, cada uma pega seu livro e fica lendo no mesmo ambiente. Tem horas em que não vou poder estar junto, e ela sabe disso, então há de se combinar as expectativas. Vou fazer 20 anos de casada e meu marido é muito parceiro do processo de criação.

Lembro de uma vez em que levamos nossa filha ao médico: o pediatra perguntou se ela já tinha tido otite e eu disse que não. Mas meu marido disse que sim, que eu estava viajando e por isso não lembrava. Nós nos dividimos e temos alguns combinados. Além do final de semana, sexta-feira é um dia em que nos programamos para jantar os três juntos. Também fazemos programas só de casal, para garantir o equilíbrio. Corremos maratonas juntos desde 2000. A última foi a de Buenos Aires.

Como foi ser promovida para uma posição que exigia viagens frequentes quando você recém havia se tornado mãe?

Quando eu estava para voltar da minha licença maternidade, eu arrumei toda a logística – contratei uma babá de confiança, conversei com minha mãe sobre a disponibilidade dela para quando precisássemos. Mas primeiro pedi tempo para pensar se aceitava a posição.

Para eu aceitar, contou muito o fato de eu ter a opção de manter minha base em São Paulo, em vez de mudar para Miami, Houston ou Califórnia, que eram as outras opções. Aqui eu já tinha toda a infraestrutura; meu marido tinha emprego e não fazia sentido mudar toda a família se eu iria passar boa parte do tempo viajando de qualquer forma. Eu também criava formas de compensar quando estava no Brasil, trabalhando de casa. Deu tudo certo.

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