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Diogo Castro e Silva, do Fosun: o apetite chinês pelo Brasil

O líder da operação latino-americana de um dos maiores investidores chineses afirma que, apesar da instabilidade política, há muitas oportunidades no Brasil

Diogo Castro e Silva: Diretor de fundo investimentos chinês fala sobre oportunidades de investimentos no Brasil, especialmente na área digital (Germano Lüders/Site Exame)

Diogo Castro e Silva: Diretor de fundo investimentos chinês fala sobre oportunidades de investimentos no Brasil, especialmente na área digital (Germano Lüders/Site Exame)

LA

Lucas Amorim

Publicado em 31 de agosto de 2017 às 17h41.

Última atualização em 31 de agosto de 2017 às 17h42.

O presidente Michel Temer desembarcou em Pequim nesta quinta-feira para uma visita de três dias à China. Um dos principais objetivos é se reunir com empresários e divulgar o pacote de concessões e privatizações anunciado na semana passada. Entre as companhias que se encontrarão com Temer está o Fosun, um grupo privado com sede em Xangai que tem 70 bilhões de dólares em ativos investidos mundo afora.

No ano passado, o Fosun deu seu primeiro passo no Brasil ao comprar a gestora Rio Bravo no meio do processo de impeachment de Dilma Rousseff. Desde então, é citado em toda e qualquer grande negociação em andamento. Diogo Castro e Silva, português que lidera a operação do Fosun na América Latina, falou a EXAME sobre as oportunidades que o Brasil oferece à China, e ao Fosun em especial.

O Brasil anunciou em grande plano de privatizações e, poucos dias depois, o presidente embarcou para China. O momento de aproximação entre os dois países é único?

As relações entre os dois países têm de fato um aprofundamento muito grande. Isso tem a ver com a complementariedade entre as duas economias em setores como agropecuária e mineração. Esse foi o grande impulso para o crescimento das transações comerciais nos últimos 15 anos, em que a China virou o maior parceiro comercial do Brasil. O segundo ponto é a grande vontade do Brasil de captar investimento estrangeiro neste momento. O Brasil precisa aumentar o investimento em várias frentes, e não só em infraestrutura, para crescer de forma sustentável.

A instabilidade política pode afastar investidores chineses neste momento?

Com todas as oscilações que o Brasil tem, o mais importante para os investidores são dois pontos. Um: apesar de todos os eventos, o país avançou muito no fortalecimento das instituições. Isso é um ativo muito importante. A governabilidade do Brasil não foi para as ruas, ela tem sido resolvida institucionalmente. O outro ativo importante é o controle da inflação. O Brasil, junto com a Alemanha, é o país onde a inflação está mais ligada ao bom momento econômico. É um ativo muito importante do país. Isso impacta não só os negócios, mas também a vida das pessoas. Inflação controlada dá uma âncora muito forte na política econômica, independentemente do partido.

A força das instituições evitará que o Brasil caminhe para um cenário mais trágico como, no limite, o da Venezuela?

A teoria econômica mostra que países dependentes de poucos ativos, especialmente do petróleo, não criam incentivos para a boa governança. Isso pressupõe até organização de governo para taxar a população de forma eficiente. Nesses países, o estado existe para se apropriar de um ativo, e nem pensa em outras formas fundamentais de organização coletiva. O Brasil não é o caso. Tem uma economia muito diversificada. Mesmo nas melhores fases da Petrobras, o petróleo nunca passou de 20% do PIB. Isso cria um tecido econômico diversificado e uma sociedade civil muito forte. É difícil encontrar democracias desenvolvidas em países dependentes de um só ativo, com exceção da Noruega, que é um caso muito particular.

A China é o maior parceiro comercial e o maior investidor do Brasil. Pelo simbolismo desta viagem, os números tendem a aumentar?

A relação comercial dos dois países tende a ir além da complementariedade das economias, da venda de matéria-prima, do investimento em infraestrutura. Brasil e China são duas economias emergentes, que conseguiram impulsionar e expandir sua classe média nos últimos anos. Hoje o investidor e o empresário brasileiro costumam olhar para os Estados Unidos como modelo para os negócios de internet, por exemplo, quando muitas vezes há casos na China mais aplicáveis à realidade brasileira. Vejo um potencial muito grande ainda não explorado na economia digital, que a China lidera.

Há um temor histórico de que os chineses chegarão para impor seu estilo de gestão, trarão sua própria mão-de-obra e se apossarão de nacos do país. Isso procede?

A China está num processo de aprendizado de sua globalização. Até dez anos atrás, a China global era só uma teoria. Suas próprias empresas estão aprendendo o que é ser global. Isso pressupõe entender o modo de fazer negócios muito afora, dentro de cada realidade. Aquela lógica de colocar o capital e trazer todos os recursos humanos da China, como já aconteceu em episódios pelo mundo, é cada dia mais difícil. Cada vez mais haverá modalidades diferentes de entrada no Brasil por investidores chineses.

Como o Fosun, um grupo privado, se encaixa nesta diversidade?

Nossa estratégia é sempre ter sócios locais. Acreditamos que eles agilizam o aprendizado. Dizem que o Brasil tem uma cultura ocidental, e isso é óbvio, mas tem uma cultura de negócios muito única. Fazer negócios no Rio é diferente de São Paulo, e é diferente do interior. Além disso, estrangeiros, e não só chineses, precisam aprender o que qualquer dono de boteco sabe: executar por aqui é muito difícil. Construir um prédio que seja. Tudo é muito desafiador. Na Ásia, há outras dificuldades, mas executar é muito mais fácil. Um exemplo antigo é a da Fordlândia, criada pelo Henry Ford na Amazônia há quase cem anos. Mesmo sendo o maior empresário do planeta, e de ter recursos infinitos, ele nunca conseguiu tirar um grama de borracha de lá.

O Fosun é citado como candidato a comprar quase todos os ativos ofertados no Brasil. Onde de fato está o foco da companhia?

Nossa estratégia de investimento é servir a classe média a nível global. O Fosun é um investidor muito focado. Não faz muitas aquisições por ano. Aparecemos em muitas notícias, mas é tudo especulação porque somos muito precisos. Vamos fazer pouquíssimas aquisições por ano, e sempre dentro da nossa especialidade.

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