João Branco: "Clientes não são arrobas nas redes sociais, não são linhas em uma planilha, não são endereços de e-mail em sua base de dados, nem números em uma fila de atendimento" (João Branco/Divulgação)
Editor de Negócios e Carreira
Publicado em 29 de novembro de 2023 às 11h22.
Anúncios irritam. Numa pesquisa recente com 1.079 brasileiros, 9 entre 10 entrevistados desejam uma mudança nas propagandas. Em boa medida por causa do exagero delas. Em média uma pessoa consome mais de 5.000 anúncios por dia, seja na televisão, nas redes sociais, no transporte público e por aí vai.
O acúmulo de estímulos comerciais acarreta num dado estarrecedor para muito profissional de marketing: a cada 100 campanhas de vendas, 92 são sumariamente esquecidas ou ignoradas.
É o fim do marketing como nós conhecemos? Para João Branco, talvez o marqueteiro de maior prestígio do Brasil, a resposta é sim. João Branco é um dos responsáveis pela volta por cima do McDonald 's no Brasil após perder para concorrentes a preferência dos consumidores mais jovens por volta de 2015.
Sob a batuta de Branco a partir de então, o time de marketing do McDonald's se deparou com uma marca vista pelos mais novos como aquele amigo de infância que cresceu, se distanciou — e virou um chato.
Também, pudera. No meio dos anos 2010, após décadas de crescimento acelerado no país, a operação brasileira da mais icônica rede de fast-food do mundo vinha lidando com a sua imagem meio que no modo automático. Os comerciais na televisão mostravam garotos-propaganda com looks anódinos.
Sem qualquer referência ao Brasil, eles poderiam estar falando de uma hamburgueria de qualquer outro lugar do planeta. Pior: ninguém aparecia comendo um burgão. Até ali, havia na empresa gente que achava ruim a imagem de gente se lambuzando com o cheddar derretido de um McMelt.
Desde então, a marca fez de tudo. Algumas lojas no Brasil viraram Méqui. Gente comum passou a estrelar campanhas da rede — que, por sua vez, passaram a destacar as pessoas de fato comendo os hambúrgueres. Para João Branco, tudo isso resgatou a alma da marca.
Mais que isso: voltou a conectar a marca aos consumidores dela. Não à toa, pesquisas recentes sobre percepção de imagem voltaram a destacar o McDonald's à frente de concorrentes entre millennials e consumidores da Geração Z.
No fim do ano passado, João Branco anunciou a saída do McDonald's, após oito anos, para tocar projetos pessoais. Entre eles, imersões sobre marketing realizados pela EXAME. Além disso, as lições dele para marcas criarem conexões com clientes geraram dois livros. O primeiro, Dê Propósito, entrou na lista dos mais vendidos de 2022.
No fim de setembro veio o segundo livro — Desmarketize-se (Editora Gente, 192 páginas) —, numa proposta de avançar sobre alguns temas abordados no livro anterior. Entre eles, a estratégia para alavancar os resultados do McDonald's.
Em boa medida o livro tem lições relevantes para negócios de todos os tamanhos e setores. Afinal, todo negócio precisa de uma conexão com os clientes. A seguir veja quatro apontamentos de João Branco válidos para todas as lideranças empreendedoras.
As novas gerações fazem de tudo para evitar propagandas. Uma pesquisa da Kantar Millward Brown citada no livro revela que consumidores entre 16 e 49 estão entre os mais propensos a instalar tecnologias para evitar anúncios online, como bloqueadores de pop-up.
Para João Branco, não dá para fazer marketing virado de costas para o cliente. Sendo assim, enquanto o marketing for esse "amigo incômodo", as marcas dificilmente criarão uma imagem simpática junto aos consumidores. Nas palavras dele, "o marketing que parece marketing faz o cliente se sentir usado, explorado, parasitado."
Para contornar o problema, as marcas devem mostrar preocupação sincera com o público para quem ela quer ter conexão. Ouvir muito os clientes, de modo a sacar o que de fato faz a diferença para eles, é mais valioso do que trazer uma solução que, não raro, tem pouca ou nenhuma serventia.
Em meio à realidade paralela de unicórnios com valuations que cresciam sem parar antes do estouro da bolha (o tal 'inverno das startups'), a ideia de conquistar leads comerciais virou uma verdadeira panaceia em muitas empresas — de tecnologia ou não.
Afinal, com tanta gente nova querendo ‘disruptar’ mercados inteiros, e criar uma posição de dominância nesses setores, dizer que estava conquistando mais e mais clientes era visto como um indicador de vitalidade do negócio.
João Branco faz uma defesa enfática de que o cliente não pode ser resumido a isso. "Clientes não são arrobas nas redes sociais, não são linhas em uma planilha, não são endereços de e-mail em sua base de dados, nem números em uma fila de atendimento", escreve ele num determinado momento do livro.
Em vez disso, prossegue ele, "Clientes são pessoas. São mulheres, são homens, são jovens, são idosos. São seres humanos que têm necessidades, têm interesses, têm pressa, gostos, têm medos, preocupações, preferências, histórias, dores... e um bolso apertado. Por isso, precisam de ajuda."
Uma marca vale mais quando uma empresa constrói um vínculo profundo com seu público. Ele ilustra esse ponto em vários momentos no livro. Num deles, cita o caso do McDonald's.
Em certas ocasiões, ao olhar para um salão do restaurante, ele conta que gostava de imaginar as histórias de vida dos clientes. Nessas horas, ele via mães recompensando os filhos com um McLanche Feliz após um bom desempenho escolar.
Ou então senhores engravatados precisando de um hambúrguer para poder almoçar rápido. Ou ainda gente que comprava um item para aproveitar o wi-fi da loja.
"O meu trabalho nunca foi vender Big Mac", resume ele. "Ninguém quer comprar o seu produto. Seus clientes querem o que o seu produto faz para melhorar a vida deles. É bem diferente."
João Branco defende que a marca mostre seus valores e sua identidade de maneira muito transparente aos clientes. Que a marca, em essência, não tenha apenas clientes, e sim amigos dispostos a conversar com ela em várias ocasiões do dia.
Sendo assim, a marca precisa socializar, defende ele. "Entenda o papel da sua marca no mundo", escreve ele. "Entendo o seu tom de voz. Humanize-a. Reflita os seus consumidores em sua comunicação. Desmarketize-se. Esse é o novo marketing."
Para isso, ele propõe prestar atenção em cinco pontos: