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Depois do Citi, quando o Brasil terá uma mulher CEO de grande banco?

Nunca houve liderança feminina nos grandes bancos do país. Aqui, bancos estrangeiros lideram iniciativas

Susan Fraser, 53 anos: primeira mulher a dirigir um grande banco americano (Kyle Grillot/Bloomberg)

Susan Fraser, 53 anos: primeira mulher a dirigir um grande banco americano (Kyle Grillot/Bloomberg)

Marília Almeida

Marília Almeida

Publicado em 15 de setembro de 2020 às 05h00.

Última atualização em 15 de setembro de 2020 às 12h03.

Na sexta-feira, 11, o Citi fez história: anunciou a primeira mulher como CEO do banco, após nada menos do que 200 anos de atuação. É o primeiro grande banco de Wall Street a ter uma mulher nesta posição. Jane Fraser assumirá em fevereiro de 2021. A executiva chegou à  liderança por meio da decisão de um conselho do banco composto por 17 pessoas: dentre elas, oito mulheres. Mas e no Brasil, onde estamos?

Segundo pesquisa recente da consultoria Oliver Wyman, o Brasil é a nona maior economia do mundo e a segunda maior no continente americano. Mas de acordo com o Global Gender Gap Report 2020, publicado pelo Fórum Economico Mundial, o Brasil ocupa a 92ª posição (dentre 152 países). Ou seja, somos um dos países mais desiguais do mundo quando se trata de igualdade de gênero.

Há alguns avanços. Entre 2016 e 2019, o percentual de mulheres em comitês executivos cresceu de 16% para 20%, enquanto em conselhos o percentual cresceu de 19% para 23%. Mas quando se trata de altos cargos executivos, os números ficam abaixo do esperado dada a representatividade feminina na sociedade.

Em segmentos com predominância masculina, como o mercado financeiro, isso fica ainda mais patente. Conforme o relatório Women in Financial Services 2020 publicado pela Oliver Wyman, dentre os
principais bancos do país, apenas 10% dos cargos de altos executivos são ocupados por mulheres.

Mulheres em serviços financeiros, da Oliver Wyman

Mulheres em serviços financeiros, da Oliver Wyman (Oliver Wyman/Reprodução)

Como resultado, nunca houve no país uma mulher que ocupasse o cargo de CEO em um grande banco nacional. Uma mulher que pode ser colocada como a que chegou mais perto da posição foi Denise Pavarina, a primeira mulher a chegar à diretoria executiva do Bradesco em 2012.

Nesse quesito, bancos estrangeiros que atuam no Brasil dão o exemplo: Sylvia Coutinho é CEO da operação brasileira do banco suíço UBS há sete anos. Maitê Leite é CEO do Deutsche Bank no país. Já Maria Silvia Bastos, a primeira mulher a ter comandado o BNDES, já dirigiu a operação brasileira do Goldman Sachs e posteriormente se tornou conselheira. Sandrine Ferdane ocupou o posto de CEO do BNP Paribas no Brasil por quase cinco anos. As quatro CEOs, aliás, se reuniram em iniciativa de mentoria a estudantes, o Dn´A Women.

Aliás, a boa notícia é que não faltam iniciativas para mudar esse panorama. A própria Fraser é vice-presidente do Citi Women Affinity Group, um grupo de apoio às mulheres funcionárias do banco. No Brasil, Carolina Cavenaghi, que trabalhou na área de vendas e marketing de grandes bancos, criou recentemente o movimento Fin4she. "Temos iniciativas tanto para atrair, reter e fazer as mulheres ascenderem no mercado financeiro".

Sobre atração, o desafio é atrair para o segmento uma geração mais nova, atraída pelas startups. "Se os grandes bancos não mudarem e criarem um ambiente com maior suporte e acolhimento para as funcionárias, vão perder talentos", diz Cavenaghi.

Na retenção, o foco das atividades do Fin4She é a média gerência, momento no qual muitas mulheres interrompem as carreiras por motivos pessoais, como ficar mais perto dos filhos. "Oferecemos cursos de autoconhecimento, para ajudá-las a tomar a decisão correta".

Mas é na ascensão a cargos de liderança que reside o maior desafio, diz Cavenaghi. "Cada vez mais as empresas verificam que a inclusão tem de ser pensada desde o início da carreira. Caso contrário, muitas desistem e restam poucas para ascender. Elas precisam ser incentivadas a seguir em áreas que são cofre do banco, e não apenas áreas de apoio".

Cavenaghi conclui que o debate não deve se resumir a ter mais mulheres em conselhos de administração, por exemplo, sem que haja a percepção do valor da diversidade. "Não queremos cotas, que a mulher esteja ali porque tem de estar. A diversidade traz benefícios financeiros. Não é apenas uma moda no qual você cumpre tabela."

Luciane Ribeiro, sócia da 3V Capital e ex-CEO da asset do Santander e do Safra, espera que nomeações como a de Fraser estimulem os bancos no Brasil a ampliar as oportunidades para as mulheres. "Fico muito feliz quando vejo a nomeação de uma mulher como CEO do maior banco americano pela primeira vez. As mulheres precisam acreditar mais nas suas competências e que é possivel! Mas será através de exemplos que ampliaremos as possibilidades para as mulheres."

Carreira linear

Fraser iniciou sua carreira no Citi em 2004. Em 2007 foi promovida a head global da área de fusões e aquisições. Estava na posição quando veio a crise de 2008, e fez parte do grupo que reestruturou o banco como forma de sobreviver à queda do mercado. Em 2013, encarou o desafio de dirigir a divisão de hipotecas do banco, quando a demanda pelo produto havia desabado. Em 2014, foi nomeada CEO do banco comercial, em 2015 se tornou diretora da divisão do banco na América Latina e, no ano passado, presidente do Citi.

A executiva nasceu na Escócia, tem 53 anos, é casada, tem dois filhos e sua formação inclui um MBA em Harvard e estudos na universidade de Cambridge. Antes sócia da consultoria Mc Kinsey, fez uma carreira de 16 anos no banco. É exemplar seu suporte familiar: enquanto Fraser ajudava a reestruturar o Citi em plena crise de 2008, seu marido deixou o trabalho no setor financeiro para cuidar dos filhos do casal.

O problema da diversidade feminina no mercado financeiro parece global. Mesmo nos Estados Unidos, onde o mercado financeiro é maior e mais sofisticado do que o brasileiro, Fraser, a nova CEO do Citi, faz parte de um pequeno grupo de mulheres líderes no segmento financeiro.

Outra liderança feminina geralmente citada é Marianne Lake, diretora de empréstimos a consumidores no J.P Morgan, e anteriormente CFO do banco; Jennifer Piepszak, que sucedeu Marianne como CFO do banco e dirigiu sua unidade de cartões; Cathy Bessant, diretora de operações e tecnologia do Bank of America;  Thasunda Duckett, executiva negra que liderou a área de varejo do Chase; e Susan Huang, vice-presidente de banco de investimentos do Morgan Stanley.

Apesar de Fraser se juntar a um número recorde de mulheres CEOs na lista da Fortune 500, que reúne as 500 maiores companhias americanas, as mulheres ainda representam 10% do total. Apenas três são negras.

 

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