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De olho em florestas, sinal de fumaça e furacões: como startups ajudam com as mudanças climáticas

Com recordes de queimadas no Brasil e investimentos crescentes em soluções ambientais, empresas de tecnologia climática buscam conter os impactos das mudanças climáticas em áreas rurais, florestas e no agronegócio

Daniel Giussani
Daniel Giussani

Repórter de Negócios

Publicado em 3 de novembro de 2024 às 08h10.

Há pelo menos duas décadas o Brasil não queimava tanto como nos últimos três meses. Com incêndios na Amazônia, no Pantanal, no Cerrado e no estado de São Paulo, cerca de 60% da área do país ficou debaixo de uma densa fumaça capaz de alterar a paisagem de centenas de cidades.

Ao todo, 15,4 milhões de pessoas sofreram algum impacto das queimadas nacionais, com um prejuízo de 1,3 bilhão de reais à economia do país, segundo a Confederação Nacional de Municípios.

Agora, se é verdade que o fogo assustou pelo tamanho e pelo impacto, também é verdade que alertas sobre eventos climáticos extremos não são de hoje. A boa notícia é que uma série de pessoas já começou a se mexer para resolver esse problema, seja em projetos sociais, em atitudes do dia a dia, ou até mesmo empreendendo.

Pelo mundo, são cerca de 45.000 climate techs, empresas de tecnologia para soluções climáticas — e elas têm recebido grana para crescer. Neste ano, até junho, 3,4 bilhões de dólares já foram investidos em startups do clima. O número se aproxima do total de cheques de 2023, de 3,9 bilhões de dólares.

No Brasil, são cerca de 300 startups verdes, de acordo com o levantamento mais recente da gestora Climate Ventures, de 2022. Trata-se de um número em ascensão. Programas como o Jornada Amazônia — uma iniciativa da Fundação Certi para captar recursos junto a grandes empresas e formar empreendedores da região Norte — e o Sebrae Startups, com um braço de empresas de sustentabilidade, estão ajudando a intensificar negócios como climate techs pelo país.

Sem nenhum sinal de fogo

Participa do programa do Sebrae, por exemplo, a catarinense Quiron.

quiron-socios

Fundada em Lages, cidade de 160.000 habitantes na região serrana de Santa Catarina, a startup cria tecnologias para reduzir as chances de queimadas e de outras ameaças florestais.

Um dos fundadores, o biólogo Gil Pletsch, fora produtor rural e sentia falta de um sistema seguro para monitorar esses riscos. A solução foi fazer uma ferramenta para acompanhar, via satélite e com cálculos diários, as chances do campo queimar. Essa matemática usa algoritmos capazes de transformar dados díspares — tipo de árvore, inclinação e nível de secura do terreno, proximidade de centros urbanos e por aí vai — numa escala de baixo a altíssimo risco de a coisa pegar fogo.

“Esse é nosso principal diferencial, cruzar informações de diferentes famílias de satélites com bases de dados e, a partir de uma inteligência artificial, prever onde pode haver incêndio”, diz.

Até o ano passado, a principal receita da empresa vinha de clientes estrangeiros, como os governos de Portugal e da Grécia. Eles usam a Quiron na prevenção de queimadas de florestas nativas por lá. No Brasil, a demanda está mais focada na indústria florestal, com empresas como Suzano e Veracel.

Em 2024, a lógica deve inverter, e pela primeira vez, a receita interna será maior do que a externa. O faturamento ficará na casa dos 2,8 milhões de reais. Número em tendência de alta, à medida que a startup pretende intensificar suas vendas para empresas brasileiras preocupadas com as mudanças climáticas e para governos da América Latina. “Começamos uma negociação com o Peru, um país com muitos incêndios”, diz Pletsch. “Se der certo, nossa receita pode aumentar 25 milhões de reais já em 2025”.

Enquanto isso, a empresa segue prevenindo queimadas em cerca de 20 milhões de hectares de área monitorada. Ao mesmo tempo, está disposta a ajudar numa discussão de mais longo prazo sobre prevenção. “Não somos pequenas ilhas, precisamos ter uma política global de combate ao incêndio”, diz o empreendedor. “Estamos já há seis anos trabalhando com isso. Sabemos e podemos colaborar na discussão. E estamos disponíveis”.

Para não correr contra o tempo

O paulista Rogério Cavalcante se define como um empreendedor serial. Teve de consultoria sobre licitação pública a negócios em logística e em equipamentos para festas. No final de 2018, decidiu vender tudo para focar seu tempo numa única empreitada: a Umgrauemeio. A climate tech usa câmeras de alta resolução para encontrar focos de incêndio em menos de três segundos.

Rogério Cavalcante, CEO da Umgrauemeio: “Dedico meu tempo para não correr atrás do tempo no futuro” (Mario Marques/Divulgação)

A tecnologia monitora mais de 17,5 milhões de hectares atualmente, entre florestas, áreas nativas e lavouras. Desde o começo, detectou mais de 25.000 focos de incêndio pelo país, evitando a emissão de 18 milhões de toneladas de gás carbônico e prejuízos estimados em 100 milhões de reais. Isso porque, no entendimento do empreendedor, ao capturar um foco no seu início, a chance de apagá-lo antes de virar um incêndio de verdade é muito maior. “Quanto mais rápido você detecta um princípio de incêndio, menor vai ser o esforço de combate”, diz. “Não vamos ter como evitar os focos de incêndio, eles vão ocorrer. Precisamos evitar que o foco se torne incêndio”.

O negócio, cujo nome é uma referência à meta global de limitar o aquecimento do planeta a 1,5 grau Celsius, atende principalmente produtores da silvicultura e da indústria da cana de açúcar, preocupados com os danos de incêndios em seus negócios. Há também empresas que contrataram os serviços da Umgrauemeio em suas frentes de ESG, como a JBS. A multinacional usa a startup para monitorar 2,5 milhões de hectares de área no Pantanal. A previsão é de alcançar receitas de 24 milhões de reais neste ano, um aumento de 26% em relação a 2023.

Ao ver os incêndios devastando regiões inteiras da Floresta Amazônica, do Cerrado e de São Paulo, a primeira sensação de Rogério foi de tristeza. “Tristeza em ver o que está acontecendo e saber que temos uma tecnologia pronta para evitar isso. Podemos fazer mais pelas florestas”, diz. “É para isso que estou dedicando meu tempo. Para dar uma pequena contribuição e para não precisarmos correr atrás do tempo no futuro”.

No campo, para alertar e prevenir

Pouco antes da tragédia climática que assolou o Rio Grande do Sul em maio, os sistemas da mineira Agrosmart — hoje sediada em Campinas, no interior de São Paulo — emitiram alertas para produtores rurais avisando da chuva a vir. Algo semelhante aconteceu em agosto com as secas pelo país. A startup utiliza uma rede com mais de 8.000 sensores para monitorar o clima nas fazendas, e, a partir daí, gerar informações que ajudam 100.000 produtores rurais a tomarem decisões de plantio.

Mariana Vasconcelos, CEO da Agrosmart: “Agronegócio bem-feito faz parte da solução do clima” (Agrosmart/Divulgação)

Criada no campo, Mariana Vasconcelos, CEO do negócio, fundou uma consultoria em internet das coisas com outros dois sócios no início dos anos 2010. Na época, porém, os clientes não entendiam, de fato, qual era a função da empresa. A solução foi criar um exemplo prático para ser apresentado. Focaram na agricultura, um tema familiar para os empreendedores. O case acabou virando o próprio negócio, a Agrosmart, fundada em 2014.

De lá para cá, a empreendedora viu de perto o setor ficar mais tecnológico e atento ao meio ambiente. Hoje, além de monitorar o clima, a startup ajuda os produtores a mapear práticas sustentáveis em todas as etapas da produção. “Quando falamos de crise climática, o agronegócio bem feito é parte da solução”, diz. “Ele pode capturar carbono com a plantação de árvores e preservar a água cuidando melhor do solo, por exemplo”.

Agora, a Agrosmart quer dar um passo além. No final do ano passado, a startup lançou um novo produto que usa os dados dos sensores, de bancos públicos e do mercado para monitorar o clima em regiões inteiras, e não só em fazendas. Recentemente, também comprou uma rede social para produtores trocarem informações sobre suas plantações, também mandando alertas climáticos. Nessa toada, vai crescendo 55% ao ano, ao passo em que torna o produtor rural mais consciente da importância de olhar — e cuidar — do clima.

No varejo, árvores de volta

Sabe o cashback, aquele sistema em que você ganha parte do dinheiro de volta ao fazer uma compra? Uma plataforma criada em Roraima trocou a grana por árvores. Na Treeback, quando o cliente gasta 50 reais em sites como Shopee, Amazon e Magalu, uma árvore é plantada.

Amaury Cerqueira, da Treeback: em dois anos, 87.500 árvores plantadas (Treeback/Divulgação)

Amaury Cerqueira, fundador do negócio, consegue fazer isso usando o sistema de afiliados dessas grandes varejistas. Elas pagam uma comissão sempre que uma compra é realizada a partir de um site terceiro. Assim, quando alguém entra na plataforma da Treeback e, de lá, vai para um e-commerce, Cerqueira ganha uma porcentagem da venda. Desse valor, ele tira os recursos para plantar as árvores. E a plantação é feita com drones, para chegar a lugares mais remotos da floresta amazônica.

Desde a criação do negócio em 2022, a Treeback já plantou 87.500 árvores de 34 espécies nativas. Com esse trabalho, Cerqueira vai faturar 600.000 reais neste ano. A expectativa de crescimento na receita vem apoiada numa nova frente de negócio. A startup se tornou distribuidora de uma tecnologia alemã que usa sensores de longo alcance instalados na floresta em conjunto com satélites para a detecção de incêndios florestais de 1 a 60 minutos após as primeiras chamas.

No olho do furacão

Não se assuste se, nos próximos anos, você ver algo parecido com uma água-viva voando pelos céus.

Balão da WindBorne: sensores na ponta do equipamento controlam da direção à altura (Tyler Jacobsen/Divulgação)

O objeto bem que poderá ser um balão meteorológico como os da startup WindBorne Systems, recém-lançados nos Estados Unidos.

Por 200 anos, empresas colocaram balões no ar para captar informações, mas eram instrumentos praticamente estáticos. Eles subiam, coletavam dados por poucas horas e desciam. A WindBorne mudou o jogo. O balão feito pela startup consegue voar por 40 dias e dar a volta ao mundo duas vezes. Ele recebe instruções de voo por satélite e é repleto de sensores capazes de controlar sua altura, velocidade e direção. Ele consegue até entrar em furacões e extrair dados deles. Tudo é coletado e interpretado por uma IA, que dá uma previsão meteorológica muito mais assertiva aos clientes, como o governo americano.

Com melhor previsibilidade, aumentam as chances de prevenção a desastres climáticos — algo útil ao mundo inteiro.

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