Felipe Silva, da Gana: o nosso olhar é que o conteúdo precisa se conectar com as pessoas (Agência Gana/Divulgação)
Repórter de Negócios
Publicado em 19 de setembro de 2023 às 14h36.
Última atualização em 20 de setembro de 2023 às 10h55.
O perfil de Felipe Silva não é fácil de ser encontrado em agências de publicidade - principalmente em cargos de liderança e como sócio-fundador de uma agência. Primeira pessoa da família a se formar na faculdade, o publicitário da comunidade Morro de Santo Inácio, em Niterói, é sócio-fundador da Gana, uma agência de publicidade com um time 100% negro.
Em 2022, a Gana registrou uma receita operacional líquida de R$ 10 milhões, crescimento de 156% em relação ao ano anterior. A evolução foi atestada no ranking EXAME Negócios em Expansão 2023 e o resultado posicionou a agência na 31ª posição na categoria entre R$ 5 a R$ 30 milhões.
A criação da agência, fundada por Silva e Ary Nogueira em São Paulo no fim de 2020, veio depois de mais de 15 anos no mercado publicitário como criativo e passagens por algumas das principais agências país como>
A trajetória rendeu prêmios em alguns dos principais prêmios da publicidade mundial, como o Cannes Lions, conhecido como o Oscar da publicidade, o ibero-americano El Ojo e o Effie Awards, e colocou como um dos grandes publicitários brasileiros da atualidade.
Os endossos da indústria ao talento do profissional sempre esbarravam em uma questão fundamental para Silva, a falta de representatividade do mercado. “A minha carreira sempre foi muito diferente da galera desde que eu entrei no mercado. Eu era de uma comunidade em Niterói, do morro, e a única pessoa preta na criação em todas as agências em que trabalhei”, afirma.
À medida que começou a ser conhecido na indústria, estudantes e profissionais periféricos e negros entravam em contato para apresentar o portfólio, as pastas com trabalhos e produções criativas. Muitos com histórias e percalços parecidos aos seus.
Ele entrou mais velho na faculdade, aos 22 anos, impulsionado por um desejo da mãe que queria ver o filho na universidade. Como gostava de ler, optou por comunicação e pelo período vespertino, mais barato e que cabia no bolso. “Escolhi vendo o Guia do Estudante, entrei muito por acaso e não tenho nenhuma história romântica”, afirma.
Como o horário dificultava manter o trabalho de faxineiro em um hospital, em Niterói, recorreu a “bicos” para se manter. Roadie de bandas, bandeirinha em corridas de motovelocidade e office boy entraram na lista.
Da inquietude, compartilhada com o amigo Ary Nogueira, diretor de arte em agências como AlmapBBDO, Artplan e DM9DBB (atual DM9), brotaram as ideias que desaguaram na Gana. O nome, ao mesmo tempo, estabelece uma conexão com a África e expressa um desejo agudo e intenso. No caso, de transformação.
“Nós conversávamos muito como era difícil mostrar, sem estar na cadeira de decisão, que existe muita potência criativa do povo preto e periférico. Essa galera criou o samba, funk, os desfiles de carnaval”, diz. “Mas que se não estivéssemos na cadeira de decisão, isso ia ser parado dentro das agências de alguma forma. Foi por meio dessa motivação que começou a nascer essa ideia”.
As ideias para o lançamento de uma agência esbarravam nos custos de manter uma estrutura física. Na pandemia de Covid-19, com o trabalho remoto ganhando força por força da necessidade, os dois perceberam que poderiam colocar o negócio de pé. No fim de 2020, eles participaram de uma concorrência de Kuat com apelo regional, ganharam e a agência nasceu com um modelo de trabalho remoto.
Na proposta, explorar a potência criativa brasileira e reunir profissionais de várias regionais do país, saindo do eixo Rio-São Paulo. “Queríamos trazer esses olhares de fora daqui”, diz. “Este ano, por exemplo, nós fizemos campanhas de São João em Campina Grande e Caruaru e tínhamos pessoas de lá, pessoas que conhecem o lugar e sabem como funciona. Você acaba tendo um olhar muito mais rico”.
Além disso, um conceito de explorar outras formas de fazer publicidade, a partir da criação de projetos. Foi na agência que nasceu o Mano a Mano, o podcast de Mano Brown. A Gana já tinha feito projetos com a Boogie Naipe, produtora fundada e comandada por Eliane Dias, CEO e esposa do rapper. Com o aval da executiva, levou a iniciativa para o Spotify, que comprou a ideia. O trabalho inclui ainda a produtora de som Mugshot.
Nessa linha, a Gana já desenvolveu talk show com a presença da Ludmilla e exposição fotográfica sobre mulheres negras empreendedoras para a Meta e websérie com o rapper Djonga e a sua avó para Kuat. “O nosso olhar é que o conteúdo precisa se conectar com as pessoas”, diz.
A agência reúne atualmente um time de mais de 30 profissionais, distribuídos por estados como São Paulo, Bahia, Pará e Rio Grande do Sul. Entre os principais clientes da agência, estão marcas como Kuat, Mercado Bitcoin e Ifood, além de ter assinado campanhas para Havaianas, Netflix, Nubank e Seda, em projetos que procuram conexão públicos diversos.
Neste ano, a empresa tem como desafio tanto crescer dentro dos clientes atuais como alcançar novas marcas. Para isso e agregar novas possibilidades, a agência passou por um processo de reestruturação, definindo lideranças por áreas que podem tocar demandas específicas, como projetos de mídia, conteúdo e criação. No planejamento, a expectativa é avançar 30% no faturamento, apesar de um começo de ano mais difícil.
“A minha expectativa é que vamos crescer expressivamente para poder realmente chegar a mais lugares. Acho que tem muita oportunidade. Mas, de novo, eu sou otimista, a visão mais lúdica do Business, e a minha sócia é quem coloca o meu pé no chão”, afirma. A fala faz referência à Tatiana Marinho, sócio no negócio desde setembro de 2022 e CEO desde junho deste ano.
Um desafio na história da Gana é sair de um lugar de “agência para cumprir cotas” e passar a ser reconhecida como pelas suas entregas. “Eu acho que no começo muita gente veio para cumprir essa caixinha do ESG”, diz. “Mas quando nós conseguimos dar resultado, ser competentes e fazer entregas de excelência, aí conseguimos virar o jogo”.
A Gana foi uma das vencedoras do ranking EXAME Negócios em Expansão 2023, levantamento da EXAME do BTG Pactual (do mesmo grupo de controle da EXAME) e suporte técnico da PwC Brasil.
A empresa ficou na 31ª colocação na categoria de R$ 5 milhões a R$ 30 milhões, com um crescimento de receita líquida de 156%. Em 2021, a receita foi de R$ 3,9 milhões, valor que subiu para R$ 10 milhões em 2022.
O ranking é uma forma de reconhecer os negócios e celebrar o empreendedorismo no país. Com gestões eficientes, análise de oportunidade, novas estratégias e um bom jogo de cintura, os executivos no comando desses negócios conseguiram avançar no mercado.
Os resultados vieram a público num evento para mais de 400 convidados em São Paulo.
Neste ano, a lista traz 335 empresas de 22 estados, representantes das cinco regiões do país. Em relação ao ano anterior, o número de selecionadas representa aumento de 63%. Veja os resultados: