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De esporte a comida: agência Africa cria seis “novas Africas”

Mudança é reflexo do aumento de concorrência e do avanço dos projetos digitais no mercado de publicidade

Esquerda: Sergio Gordilho, copresidente e CCO. Direita: Márcio Santoro, copresidente e CEO (Rodrigo Pirim/Divulgação)

Esquerda: Sergio Gordilho, copresidente e CCO. Direita: Márcio Santoro, copresidente e CEO (Rodrigo Pirim/Divulgação)

CR

Carolina Riveira

Publicado em 29 de março de 2019 às 07h57.

Última atualização em 29 de março de 2019 às 23h21.

A Africa, terceira maior agência de publicidade do Brasil e que atende clientes como o banco Itaú e as cervejas Brahma e Budweiser, está mudando seu modelo de negócios. A agência, que tem cerca de 350 funcionários, vai segmentar as equipes em braços temáticos. Serão seis: Africa Sports, Bar & Beer (para bebidas e esportes), Africa Finance (para finanças), Africa Tec (para tecnologia), Africa Comportamento, Africa Foods (para alimentação) e Africa Corporate e Varejo.

A ideia é que cada uma dessas “novas Africas” seja focada em um segmento da indústria, com uma equipe mais especializada na área e que possa, segundo a empresa, atender melhor às necessidades dos clientes. “A comunicação hoje tem demandado especialistas”, afirma Marcio Santoro, CEO e cofundador da Africa.

O segmento de tecnologia, por exemplo, atenderá a contas como a empresa de telecomunicações Vivo e a empresa de transporte por aplicativo 99, enquanto o braço de comportamento será para clientes como a fabricante de cosméticos Natura.

“Cada agência dessas não vai trabalhar para um cliente específico, mas com conhecimento de uma indústria, de um segmento”, afirma o copresidente e diretor criativo da Africa, Sergio Gordilho, um dos fundadores da agência. “Na Africa Finanças, por exemplo, estaríamos hoje discutindo o caminho da bolsa e como pode refletir nos nossos clientes.”

A mudança vem em um período considerado positivo para a agência — apesar da crise que envolve tanto o Brasil quanto o setor de comunicação. Segundo a empresa, os dois últimos anos foram os melhores da história da Africa.

O investimento em mídia, isto é, o dinheiro alocados pelas empresas em anúncios feitos pelas agências, cresceu 13% entre 2016 e 2018. Segundo o Kantar Ibope, a Africa recebeu 3,41 bilhões de reais em anúncios no ano passado. As líderes do segmento são a agência Young & Rubicam, que recebeu 4,85 bilhões de reais em anúncios em 2018, e a My Agência, que pertence à Hyper Pharma (ex-Hypermarcas) e foi responsável por 3,87 bilhões.

Para Silvio Sato, professor de Publicidade e Propaganda da FAAP, uma maior especialização tende a ser benéfica para as agências. “Com uma segmentação, os publicitários poderão estar focados 24 horas. Conseguirão falar mais na mesma língua desses clientes, unir comunicação às especificidades daquela área”, afirma.

A concorrência bate à porta

O sinal de alerta está aceso para o mercado de publicidade. E não só na Africa. Primeiro porque a crise econômica brasileira afetou os anúncios nos últimos anos: o investimento dos anunciantes em mídia no Brasil teve em 2018 o melhor ano desde 2014, com crescimento de 10% no valor alocado nos anúncios, incentivado pela Copa do Mundo, segundo o Kantar Ibope. Mas a retomada segue lenta.

Além disso, as agências agora concorrem não só entre si, mas também com as empresas de consultoria e de assessoria de comunicação. No mundo todo, gigantes de consultoria como Accenture e Deloitte vêm criando novas empresas para o setor, e tentando atrair profissionais e, sobretudo, anunciantes, que outrora pertenciam às agências.

No Brasil, um dos maiores expoentes dessa transição foi a saída do criativo Eco Moliterno da própria Africa para a Accenture Interactive, braço de propaganda e marketing digital da Accenture.

“As consultorias já tinham verba de tudo do cliente, só faltava a verba do marketing. E acharam um jeito para fazer isso”, diz um executivo do mercado de propaganda.

Essas empresas vêm atraindo os clientes sobretudo por sua expertise em dados e tecnologia, algo que ainda falta nas grandes agências. Não à toa, os dados serão uma das prioridades no novo modelo da Africa. “A indústria da comunicação é extremamente complexa hoje, com uma série de dados e informações que antigamente não existiam. E se torna muito legal aglutinar, concentrar, analisar esses dados”, afirma Gordilho, CCO da Africa. “A segmentação facilita bastante nesse sentido.”

As empresas de comunicação, por sua vez, até pouco tempo focadas em assessoria de imprensa, criam cada vez mais projetos de conteúdo para seus clientes. São sites e ações destinados a apresentar novos produtos, a reposicionar marcas, a apresentar novas estratégias — projetos que até pouco eram expertise apenas das agências de publicidade.

Na briga com os novos concorrentes, as agências afirmam que têm como diferencial o fato de serem um ambiente criativo mais consolidado. De qualquer forma, a mudança da Africa a aproxima do modelo de consultorias e também de empresas de tecnologia, que atuam em equipes mais verticais e especializadas, com grande foco em dados.

“A Africa está se movimentando nessas especializações justamente porque as contas podem ameaçar sair. O problema é o mesmo em todas as grandes agências”, afirma um ex-funcionário da empresa. “A Africa sempre foi pioneira nessas transformações, mas é sempre difícil para uma agência deste porte mudar sua estrutura”.

Há ainda a concorrência das houses, espaços de criação e inovação dentro das próprias empresas. A fintech Nubank, por exemplo, não contrata uma agência para fazer seus anúncios, e cuida da área com uma equipe dentro da própria casa. A Ambev também criou neste ano um espaço para produção de conteúdo de redes sociais, que mistura profissionais da empresa e de agências.

“Antes, as houses tinham um estigma negativo. Hoje, falar que é um publicitário do Nubank já não é mais ruim, pelo contrário. As agências estão perdendo talentos por não se movimentarem”, diz Bárbara Zachi, que trabalha há dez anos em propaganda na área de planejamento e pesquisa ciências da comunicação com foco em publicidade na Escola de Comunicações e Artes da USP.

Os desafios da propaganda

De acordo com a consultoria de marketing digital eMarketer, foram investidos 14,56 bilhões de dólares em anúncios no Brasil em 2018, com 42% deles na TV e 34% no digital (com menos de 11% na mídia impressa, como jornais e revistas). A expectativa é que os anúncios no digital passem a TV pela primeira vez em 2023 (quando o digital terá 42% dos anúncios).

O avanço do digital é um desafio para as grandes agências, criadas num cenário em que a mídia tradicional dava as cartas. O bolo também tende a diminuir. Os gastos dos clientes para campanhas na internet costumam ser menores do que em grandes campanhas na TV ou na mídia impressa — embora o trabalho das agências seja igual ou maior. Por isso, esse crescimento digital prejudica as agências, uma vez que as comissões pelas campanhas são menores.

Não à toa, agências majoritariamente digitais, como a Ampfy, não estão nem mesmo no top 50 no ranking de investimento em mídia, embora atendam grandes clientes, como a companhia aérea Gol e a fabricante de artigos esportivos Nike.

Mas Matteo Ceurvels, analista de América Latina da consultoria de marketing digital eMarketer, ressalta que o Brasil, com suas dimensões continentais, ainda tem diferentes cenários para os anunciantes. “É diferente anunciar em São Paulo e Rio e anunciar em algum lugar mais afastado, onde a TV é mais forte”, afirma.

Anunciar ou não na internet também é uma decisão que varia de acordo com o segmento. Os líderes em anúncios digitais (contando apenas anúncios mobile) no Brasil são os setores de produtos não-duráveis como bebidas e alimentação (28% do mercado em 2018), finanças (21%) e varejo (13%), ainda segundo a eMarketer.

Outros segmentos atendidos pela Africa, como tecnologia e telecomunicações, aparecem mais abaixo, com 3,4% e 2,7% dos anúncios, respectivamente.

“Antes foi o rádio, agora é a TV ou os jornais. O risco está menos na morte da TV e mais em uma maior integração entre comunicação, digital e dados”, afirma André Miceli, professor da FGV e que também é fundador de uma agência digital, a IInterativa.

Nas mudanças da Africa, outra novidade será um subnúcleo específico para lidar com as demandas digitais em tempo real, chamado de FastTrack. O problema para a agência — e para todas as grandes concorrentes — é que fazer essa integração com o digital é difícil. Criada em 2002 e com centenas de funcionários que ocupam todo um andar na Faria Lima, a Africa tem histórico de boas campanhas online e clientes que podem dar espaço para inovação, segundo os especialistas. Uma das mais recentes, a campanha #TrocoFloresPor, feita com a Budweiser para o dia da mulher, foi topo dos trending topics do Twitter no Brasil — alcançado 5,5 milhões de pessoas e com a marca aparecendo em 12% das conversas do dia na rede social.

A campanha “MyGameMyName” (meu jogo, meu nome, em inglês), feita com a Vivo em mensagem contra a discriminação de meninas em jogos online, foi premiada com o segundo lugar no tradicional prêmio Cannes Lions na categoria Glass, que incentiva a diversidade e equidade de gênero. Foi a primeira premiação do Brasil na categoria, e o projeto recebeu apoio da ONU Mulheres.

O desafio, agora, é transformar projetos como esses no novo normal, em seis diferentes áreas. Oportunidade não há de faltar. Concorrência, também não.

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