(Germano Lüders/Exame)
Da Redação
Publicado em 8 de novembro de 2022 às 15h35.
Última atualização em 9 de novembro de 2022 às 15h58.
“Nós sabemos hoje, a ciência nos diz, que nós não podemos apenas reduzir nossa pegada de carbono, mas é provável que até 2035 a gente seja 4% carbono negativo. Isso significa que seremos o primeiro setor que pode reduzir sua pegada de carbono e ter ‘handprint’.” A frase otimista foi dita hoje na 27ª Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas (COP27) por Erin Fitzgerald, CEO da U.S. Farmers & Ranchers in Action, que representa agricultores e pecuaristas, bem como outros líderes em todo o setor de alimentos e agricultura com uma visão compartilhada de cocriar sistemas alimentares sustentáveis.
A “handprint” a que Fitzgerald se refere é o oposto da “footprint”, a pegada deixada por ações não sustentáveis. A “handprint” (impressão das mãos, em uma tradução livre) seria a impressão dos impactos positivos que um produto ou solução produz no ambiente.
Na visão dela, então, a transição para o net zero é totalmente viável para o setor da agropecuária, mas requer inovação e, ainda mais importante, inovação financeira para toda a cadeia de fornecedores. “Para ajudar nossos agricultores a implementar a tecnologia”, afirmou. “Eles têm o coração, a vontade, mas muitas vezes estão perdendo o modelo econômico de negócios para implementar essa tecnologia.”
Ao lado de Fitzgerald no painel “Food Systems at COP27”, Gilberto Tomazoni, CEO global da companhia brasileira do setor de alimentos JBS, que traçou a meta de se tornar net zero até 2040, reforçou a importância de que se pense em inovações financeiras para o setor. “A agricultura representa mais de 20% da economia, mas cerca de 2% do investimento vai para o setor. É preciso colocar a agricultura no centro da discussão”, defendeu.
Para Tomazoni, a questão da segurança alimentar é uma das maiores preocupações hoje, pois é sobre alimentar 8 bilhões de pessoas e cuidar das questões de mudança climática ao mesmo tempo. “Precisamos produzir mais ao mesmo tempo em que temos que reduzir as emissões”, disse. O que não é contraditório, na visão do executivo. “Temos o conhecimento e a tecnologia para fazer os dois, produzir mais e reduzir as emissões. Temos alguns exemplos nesse sentido, como a integração lavoura, pecuária e floresta, produzindo mais. Já existem soluções. O que precisamos é apoiar os agricultores para que façam essa transição.”
O CEO diz que é preciso assegurar que será possível alimentar a população global. “Como companhia do setor de alimentos, temos essa responsabilidade de colocar comida no prato das pessoas, e reduzir as emissões”, afirmou. Para isso, ele diz, a JBS colocou equipes em campo para ajudar os fazendeiros a fazerem a transformação necessária. “Estamos trabalhando em parceria com os fornecedores para colocar em vigor o blockchain [para rastreamento da cadeia] e estamos dando apoio técnico em cooperação com suporte financeiro para que seja feita a transição [para práticas mais sustentáveis].”
A forma que a JBS dá esse apoio, diz Tomazoni, depende do tamanho do agricultor. Os grandes precisam de menos apoio, ele diz, com alguns incentivos conseguem fazer a adaptação. “Já os pequenos precisam de assistência técnica, é ir lá e mostrar como se faz, e ainda dar apoio financeiro para essa transição. O foco é entender a situação de cada um e estar com os agricultores.”
Tomazoni ressaltou no painel a importância de se criar um mecanismo que apoie os agricultores de forma constante, concordando com a fala de Fitzgerald. “Precisamos encontrar o caminho financeiro para a transição. Conhecimento, ferramentas e dinheiro são pontos importantes para acelerar a transição verde.”
Mediador do painel, Dan Murphy, âncora e correspondente do canal de televisão CNBC, questionou os participantes sobre o papel das proteínas alternativas na redução das emissões.
Tomazoni comentou que a JBS vem investindo em iniciativas “plant-based” e em carne cultivada, que é a carne produzida em laboratório. “Temos todas as proteínas. Nosso foco é suprir o que o consumidor quer comer”, disse.
Segundo o CEO, há muitos desafios em termos de qualidade dos nutrientes, sabor e custo com as proteínas alternativas. Mas ele pontua que será preciso produzir mais proteína para alimentar a população, e essas novas alternativas serão parte da solução.
O tema da segurança alimentar também foi destacado por David Livingston, conselheiro sênior para o clima da presidência dos Estados Unidos. Ele comentou que as discussões na COP27 precisam endereçar as metas climáticas do setor da agricultura, em como tornar os sistemas alimentares mais resilientes ao clima, mas também tornando-os mais eficientes em carbono. “Precisamos expandir a fronteira de possibilidades”, disse. “Precisamos ter certeza de que podemos lidar com as mudanças climáticas e tornar esses sistemas alimentares mais resilientes ao clima de uma maneira que atendam às 800 milhões de pessoas que ainda passam fome.”
Fitzgerald levantou dados sobre o desperdício de alimentos no mundo. Segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), 1,3 bilhão de toneladas de alimentos são desperdiçadas por ano no mundo – cerca de 1/3 do que é produzido globalmente. E a produção desse total de alimentos que é perdido responde por 8% das emissões de gases de efeito estufa.
Para a CEO da U.S. Farmers & Ranchers in Action, é muito importante que as pessoas tomem consciência sobre a importância de evitar o desperdício, e assim ajudar a reduzir as emissões e contribuir para a segurança alimentar de todos. “Enquanto há um desperdício grande, parte importante da população global está em insegurança alimentar”, pontuou a executiva. “A questão da proteína é crítica, mas é uma parte da solução, precisamos de uma abordagem mais holística, e olhar para o desperdício é relevante.”