Franquias (JaaakWorks/Getty Images)
Escritório de advocacia
Publicado em 29 de agosto de 2023 às 06h06.
Última atualização em 29 de agosto de 2023 às 10h10.
Basicamente, na franquia empresarial, um franqueador, por meio de um contrato, cede a um franqueado o direito de usar e explorar marcas e outras eventuais propriedades intelectuais – desenhos industriais, invenções, programas de computador etc. – para produção, distribuição e/ou venda de produtos ou serviços, com ou sem exclusividade, através de métodos e sistemas desenvolvidos ou detidos pelo franqueador. Tudo durante um determinado prazo e mediante uma certa remuneração, direta ou indireta, pelo franqueado ao franqueador.
O negócio é baseado em uma “Circular de Oferta de Franquia”, previamente emitida e disponibilizada pelo franqueador aos interessados, contendo uma série de informações objetivas e acessíveis, a respeito das condições gerais do negócio e dos direitos e deveres das partes no futuro contrato de franquia. Tais como:
De acordo com dados da Associação Brasileira de Franchising, em 2022 o sistema de franquias no Brasil ultrapassou o patamar das 3 mil marcas, com mais de 184 mil unidades e geração de quase 1,59 milhão de empregos. Dentre as 50 maiores franquias no Brasil, 44 são brasileiras.
Quais são as 50 maiores franquias do Brasil? Veja ranking
A franquia empresarial não caracteriza – ou ao menos não deveria caracterizar – vínculo empregatício entre o franqueador e o franqueado, nem tampouco entre o franqueador e os empregados do franqueado.
O contrato de franquia empresarial foi regulamentado no Brasil em 1994, no cenário de estabilidade e de abertura da economia e, desde logo, a lei definiu que ele não gera vínculo empregatício. O novo marco regulatório do setor, vigente desde março de 2020, reforçou a disposição legal neste sentido, deixando claro que não há relação de emprego, perante o franqueador, em relação ao franqueado e seus empregados.
Realmente, o contrato de franquia constitui uma relação eminentemente comercial, de natureza mercantil. Através dele, uma empresa concede a uma pessoa, física ou jurídica, mediante condições especiais, o direito de explorar suas marcas e de comercializar seus produtos, mediante organização, métodos empresariais e serviços fornecidos pelo franqueador, obrigando-se o franqueado a fazê-lo.
Diferentemente do que aconteceria em uma relação de trabalho, o franqueado não recebe uma remuneração do franqueador. Em sentido contrário, é o franqueado quem remunera o franqueador, em contraprestação às concessões que lhe foram feitas, mediante pagamentos de royalties, taxas, fundo de publicidade, remuneração pela transferência da tecnologia, de produtos, bens, equipamentos, projetos, dentre outros.
O franqueado, por outro lado, não apenas detém o direito, mas também o dever de explorar corretamente a marca e de promover as vendas dos produtos, executando e desenvolvendo o negócio objeto da franquia, inclusive assumindo riscos de prejuízo, como é próprio de qualquer atividade empresarial, aspecto este absolutamente incompatível com uma relação de emprego.
Diferentemente de um empregado, o franqueado realiza investimentos e os recupera através do desenvolvimento do negócio, ou seja, de suas atividades empresariais e do lucro resultante de sua atividade mercantil.
Há muito temos decisões judiciais reconhecendo a inexistência de vínculos empregatícios em contratos de franquia empresarial.
Contudo, há também precedentes que apontam que a celebração do negócio foi feita com o intuito de fraudar a legislação trabalhista, haja vista o reconhecimento, na prática, de elementos caracterizadores do vínculo empregatício – em especial, a subordinação jurídica. Obrigações e metas impostas ao franqueado e controles exercidos pelo franqueador são tidas, a nosso ver equivocadamente, como exemplos destes elementos de vínculo empregatício.
Há ainda decisões que impõem responsabilidades do franqueador em relação a eventuais débitos trabalhistas do franqueado, partindo da premissa de que, sob o ponto de vista da CLT, franqueador e franqueado compõem “grupo econômico”, dada a comunhão de interesses, a atuação conjunta das empresas e a “direção” exercida pelo franqueador. Sob esta perspectiva, da qual discordamos, seria possível vislumbrar uma responsabilidade trabalhista solidária não só do franqueador, mas de todos os integrantes de uma rede franqueada, ou de toda uma rede de distribuição comercial, vinculada a uma determinada marca (as chamadas “redes autorizadas”), o que, convenhamos, seria inclusive impraticável sob o ponto de vista econômico.
É certo que fraudes visando o mascaramento de uma relação de emprego e a isenção de obrigações trabalhistas devem mesmo ser sempre detectadas e combatidas, dado o caráter impositivo da legislação de proteção ao trabalho.
Entretanto, as obrigações assumidas pelo franqueado e o poder de vigilância do franqueador, próprio e inerente ao objetivo da franquia, não podem ser confundidos com subordinação jurídica empregatícia. Nem mesmo a dependência econômica existente entre as partes em maior ou menor medida poderia, por si só, ser articulada neste sentido.
Na franquia, não há relação de trabalho entre franqueador e franqueado, mas uma relação de natureza mercantil. A franqueadora não é tomadora dos serviços do empregado da empresa com quem mantém um contrato de franquia, nem tampouco o franqueado é um mero fornecedor de mão de obra para o franqueador. Em sentido diverso, o franqueado utiliza seus empregados na sua própria atividade econômica. A vinculação entre as duas empresas é comercial, eminentemente econômica, mais do que jurídica.
O poder de controle do franqueador se justifica, dado que a atividade empresarial desenvolvida pelo franqueado está diretamente vinculada ao nome, à marca, aos produtos, à clientela, ao renome e à rentabilidade do franqueador e, consequentemente, de toda a rede franqueada. O modelo de distribuição comercial idealizado pelo franqueador é que propõe o sucesso almejado na franquia e a imposição de obrigações contratuais que garantam o seu correto desenvolvimento é legítima, sob o ponto de vista econômico e jurídico.
Relações mercantis diversas e dinâmicas, como de franquia, distribuição, agência, representação comercial, fornecimento de produtos, dentre outras, não podem ser tidas genericamente como relações de trabalho, nem como mera prestação de serviços, para fins responsabilidades trabalhistas advindas da relação de emprego, como há muito se reconhece na jurisprudência.
Discussões e incertezas sobre um aspecto basilar da matéria após quase trinta anos de sua regulação legal não é um bom sinal. O fortalecimento da segurança jurídica, aspecto muitas vezes esquecido no âmbito trabalhista, é primordial para o aprimoramento do ambiente de negócios no País e elemento básico para facilitar a geração de emprego e renda, objetivo comum de qualquer intento de proteção do trabalho.