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Da Redação
Publicado em 9 de outubro de 2008 às 09h26.
O plano de negócios do empresário paranaense Rogério Rubini para os próximos dez anos de sua empresa de cosméticos, a Contém 1g, cabe numa única folha de papel. Em sua sala, instalada na fábrica em São João da Boa Vista, no interior paulista, ele desenha círculos interligados por flechas, com termos como unidade de produção, gestão da marca, canal de distribuição. Os rabiscos representam uma estratégia: Rubini quer terceirizar toda a produção com um parceiro que também deve assumir a logística com os fornecedores de matéria-prima e embalagem. O resto -- a parte nobre do negócio -- continuaria em suas mãos. "Quero seguir o modelo da Nike, me concentrando na criação dos produtos e na gestão da marca", diz ele.
Com esse plano de negócios, Rubini, aos 43 anos, pretende transformar a Contém 1g -- criada há uma década com foco no mercado de jovens de 15 a 25 anos -- numa empresa global. "Hoje nossa presença lá fora ainda é muito pequena", diz. "Mas em dez anos 70% do nosso faturamento virá de exportações." Os mercados-alvo para seus perfumes, artigos de maquiagem, cremes e produtos para cabelo: Estados Unidos, Japão, México, França e parte da América Latina. Pode-se encarar isso como ambição desmedida de um empresário quase desconhecido. Mas o fato é que, aos poucos e com maiores e menores obstáculos, Rubini vem colocando sua marca lá fora. Até que ponto o sonho vai se transformar em resultado é difícil dizer. Atualmente a empresa possui uma loja no México. Recentemente, passou a vender seus produtos na renomada Galerias Lafayette, de Paris.
A expansão internacional ainda é um desafio para a maioria das empresas brasileiras. No caso do concorridíssimo setor de cosméticos, com suas marcas globais e sua gigantesca necessidade de investimentos em inovação, a situação não é diferente. Executivos de companhias brasileiras grandes e vitoriosas, como Natura e O Boticário, aprenderam que ganhar espaço lá fora requer capital, paciência, tempo e energia. Na Natura, que começou a se internacionalizar nos anos 90, as vendas ao exterior ainda não chegam a 4% do seu faturamento de 1,9 bilhão de reais por ano. Em O Boticário, espera-se que as exportações atinjam 6% das receitas -- 1,3 bilhão de reais em 2002 -- num prazo de cinco anos. Então o que faz Rubini acreditar que a Contém 1g, com vendas anuais de 20,6 milhões de reais, vá chegar lá? Ele não tem uma resposta objetiva para essa questão. Não tem números. Não tem pesquisas de mercado. Não tem produtos específicos para os consumidores estrangeiros. Tem apenas uma convicção: "Sei que é difícil, mas acredito que nossos produtos têm tudo para agradar aos consumidores do mundo todo". Eis aí o estilo Rubini/Contém 1g de fazer negócio. Um estilo que mimetiza boa parte das qualidades e das fragilidades do típico empreendedor brasileiro.
A estratégia expansionista está sendo colocada em prática num momento delicado. As vendas da Contém 1g caíram 20% em 2002, ano em que o faturamento do setor cresceu 15% no Brasil. Foi o segundo ano seguido de encolhimento. Diante disso, Rubini começou um processo de reestruturação que incluiu o fechamento de vários pontos-de-venda e a extensão do portfólio de produtos. Nos últimos 12 meses, a empresa lançou 252 itens, entre cremes para o corpo, xampus, condicionadores e uma linha masculina. Está funcionando? Rubini afirma que as vendas aumentaram 44% entre janeiro e agosto. Mas se a Contém 1g está dando lucro ou prejuízo é uma coisa que ele se nega a revelar. "A empresa é operacionalmente rentável", afirma.
Talvez o principal traço de Rubini seja a obstinação em ultrapassar as dificuldades e começar tudo do zero após fracassos. Aos 13 anos, ele trabalhou como office-boy na fábrica de tintas do avô, em Jaraguá do Sul, em Santa Catarina. Aos 16, foi morar cinco meses na Itália para fazer um estágio sobre técnicas de tintas industriais. No início dos anos 80, desistiu das tintas para montar uma pequena empresa de mineração num garimpo de ouro e esmeraldas no interior de Goiás. Meses depois largou a empreitada e voltou para a cidade paulista de São João da Boa Vista, onde passou parte da infância, sem saber ao certo o que faria.
Rubini, que nunca se preocupou em cursar uma universidade, começou então a importar malhas de Santa Catarina para vender na região. No ano seguinte, abriu uma confecção de camisetas que, em 1988, passou a se chamar Contém 1g, nome que ele escolheu ao ler o rótulo de um hidratante. Naquela época, algumas grifes de roupas estavam lançando perfumes. Rubini resolveu, então, fazer a mesma coisa e passou a fabricar colônias. Sem conseguir suportar a concorrência forte que atingia o setor têxtil nos primeiros tempos de abertura de mercado, optou por deixar as camisetas para trás e ficar apenas com os perfumes. Totalmente descapitalizado, chegou a vender sua casa e foi morar de aluguel com os dois filhos e a mulher, Marta, que também trabalha na empresa. Rubini se reergueu. Hoje os produtos da Contém 1g estão presentes em cerca de 200 pontos-de-venda, entre lojas e quiosques nos principais shoppings do país.
Quando começou com os perfumes, sem dinheiro para bancar lojas e vendedores próprios, Rubini optou pelo sistema porta-a-porta, ainda adotado em todo o Brasil -- são 20 000 revendedoras. A empresa quase quebrou no final dos anos 90, após uma tentativa frustrada de trabalhar com marketing de rede -- o mesmo adotado pela americana Amway, no qual um revendedor coopta outros revendedores e forma uma corrente, ganhando comissão sobre as vendas deles. Em 2000, tentou fazer a marca crescer por meio de franquias. Em menos de um ano, mais de 100 pontos-de-venda tinham sido abertos. Um ano depois, já eram 200. Novas dores de cabeça: a inadimplência dos franqueados chegou a atingir 25%. Alguns analistas desse mercado acreditam que muitos dos problemas enfrentados por Rubini foram resultado de uma expansão atabalhoada. "O crescimento foi rápido demais e sem muito critério", diz um consultor da área de franchising. "A seleção dos franqueados não era rígida e muitos dos locais escolhidos eram inadequados." Até hoje há aspectos a ser resolvidos. A Contém 1g ainda não tem contratos com os franqueados, contrariando a Lei do Franchising. "Os contratos devem ser firmados até o fim deste ano", diz Rubini. Enquanto isso, a empresa ficará suspensa da Associação Brasileira de Franchising, entidade que promove a prática do franchising no país. Franqueados ouvidos pela reportagem de EXAME disseram não estar autorizados a falar a respeito.
Devido a percalços como esses, Rubini é visto com reservas como administrador. "Ele é ótimo na criação de conceitos e no marketing, mas decididamente não é um bom gestor", diz Marcelo Cherto, do Grupo Cherto, especializado em franquias, que prestou consultoria à Contém 1g por um ano e meio na época em que a empresa se preparava para aderir ao sistema. "O ideal seria que ele contasse com alguém com autonomia para mandar na parte administrativa e financeira." Mas, como tantos outros empreendedores, Rubini parece seguir um estilo centralizador de gestão. "Ele se nega a seguir critérios técnicos nas decisões estratégicas caso os pareceres contrariem sua intuição", diz um ex-executivo da Contém 1g. "Na prática, seus executivos são apenas assistentes de luxo." Rubini descarta a possibilidade de dividir o comando com um profissional contratado. "A empresa ainda é muito pequena para isso", diz. "Mas eu concordaria em compartilhar decisões com um sócio." Ele está mesmo em busca de um. No ano passado, chegou a colocar um anúncio num jornal especializado em economia e negócios comunicando que buscava um parceiro.
Vendendo produtos de baixo preço (um batom Contém 1g, por exemplo, custa 8,90 reais, cerca de 30% menos que um da Natura) e inusitados, como rímel cor-de-rosa e brilho labial azul, a marca tem cartaz entre os jovens. "O maior valor da Contém 1g está nesse tipo de inovação e no conceito dos produtos", diz Erwin Russell, sócio-diretor da empresa americana de capital de risco Advent, que no Brasil investe em empresas como a Microsiga e a CardSystem. Nos últimos quatro anos, Russell tem prestado atenção nos movimentos da Contém 1g -- apesar de a empresa ainda não ter o porte dos negócios em que o Advent costuma investir, acima dos 50 milhões de reais de faturamento por ano. "Acho que a estratégia de crescer fora do Brasil pode dar certo", diz Russell.
As duas primeiras iniciativas nesse rumo, com a abertura de franquias em Portugal e no Equador, no início de 2002, foram -- de novo -- problemáticas, e poucos meses depois as lojas tiveram de ser fechadas. "Os parceiros não deram a devida atenção ao negócio", diz Rubini. A operação nesses dois países vem sendo reestruturada. Há pouco mais de um ano Rubini montou uma equipe de cinco pessoas para cuidar exclusivamente da expansão internacional. Uma loja foi aberta no México em julho deste ano. E neste mês a Contém 1g está participando de um festival de produtos para o público jovem na Galerias Lafayette, de Paris. Após o final do evento, em meados de outubro, os produtos da empresa continuarão a ser vendidos na loja de departamentos francesa.
Ninguém pode garantir que Rubini um dia deixará de ser um empreendedor obstinado para se tornar um empresário de sucesso. A maior dose de otimismo, como não poderia deixar de ser, vem dele próprio. Há 18 anos Rubini segue a filosofia oriental Seicho-No-Ie. Ele se identifica particularmente com duas grandes mensagens pregadas pela doutrina: 1) seja otimista e positivo; 2) conscientize-se de que suas potencialidades são infinitas. "Muitos não acham que a espiritualidade é compatível com o mundo dos negócios", diz Rubini. "Mas eu não sou assim. Antes de uma reunião de trabalho sempre rezo e peço a Deus força e poder para realizar idéias brilhantes."
SIMPLES ASSIM | |
O esquema acima é a estratégia da Contém 1g para os próximos anos. Foi feito de próprio punho pelo seu proprietário, Rogério Rubini, e está apoiado em dois pontos: | |
DE FORA | EM CASA |
Um parceiro logístico assume a relação com fabricantes terceirizados e fornecedores de matéria-prima e embalagem | Rubini se concentra na gestão da marca, no desenvolvimento dos produtos e na relação com distribuidores e franqueados |