Raimunda Teixeira da Silva, fundadora da Rai Arte Poti: “Meu sonho é fortalecer ainda mais o meu empreendimento e gerar mais oportunidades"
Jornalista especializada em carreira, RH e negócios
Publicado em 13 de novembro de 2025 às 15h25.
O artesanato brasileiro é um dos pilares da chamada economia criativa, setor que representa 2,6% do PIB nacional, segundo estudo da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan). São mais de 8,5 milhões de artesãos espalhados pelo país, dos quais cerca de 78% são mulheres, conforme dados do Sebrae. Muitas delas, como Raimunda Teixeira da Silva, de 61 anos, encontraram na produção manual não apenas uma fonte de renda, mas também um instrumento de empoderamento e mobilização social. Atualmente, ela comanda a Cooperart-Poty, rede de artesãs que ajuda a levar a cultura do Piauí para todos os cantos do país e, até, para o exterior, e a Rai Arte Poti, que vende mensalmente cerca de 300 peças – de bonecas a itens religiosos e de decoração.
Filha de um lavrador e de uma quebradeira de coco, Dona Raimundinha, como é conhecida, nasceu na comunidade Santa Maria das Vassouras, no Piauí, e desde cedo aprendeu a transformar trabalho duro em sobrevivência. Aos 11 anos, começou a ajudar a mãe, que vendia verduras no Mercado do Mafuá, e mais tarde a transportar tijolos nas olarias locais – atividade que exerceu por mais de duas décadas. “Passei 22 anos carregando tijolo na cabeça. Foi dali que tirei o sustento dos meus filhos, mas queria algo diferente para proporcionar uma vida melhor a eles”, diz.
A virada aconteceu em meados dos anos 1980, quando decidiu abandonar as olarias e se aproximar dos artesãos do bairro onde morava. Primeiro, vendia lanches no local. Depois, pediu a uma vizinha que lhe ensinasse pintura em cerâmica. “Comecei pintando pequenas peças e logo percebi que era um trabalho muito mais leve e gratificante. Desde então, não parei mais.”.
O gosto pela cerâmica logo se transformou em algo maior. Determinada a ampliar o impacto das artes manuais em sua comunidade, Raimunda liderou a criação da Associação dos Ceramistas do Poti Velho (Acepoti), com apoio do Sebrae. Ali, reuniu mulheres que começaram a se destacar produzindo jarros, esculturas, itens de decoração e aparelhos de jantar, além de joias a partir da argila extraída de uma lagoa próxima. “Eu me descobri empreendedora dentro do trabalho coletivo. Sempre digo que meu caminho não é individual. Foi por meio da união que cresci.”
A experiência levou à fundação, em 2006, da Cooperart-Poty, que já recebeu o Prêmio Sebrae Top 100 de Artesanato e conquistou o 3º lugar no Casa Piauí Design, em 2009 e 2010. O espaço reúne área de produção, forno e loja para comercialização das peças moldadas manualmente em diferentes formas, texturas e cores. Também se tornou um ponto turístico em Teresina, atraindo compradores de vários estados e do exterior. Atualmente, 40 artesãs sustentam suas famílias por meio do ofício.
Como reflexo do sucesso da iniciativa, em 2024, a cooperativa foi contemplada com uma reforma dentro do projeto de ampliação e revitalização do Polo Cerâmico, um projeto do governo estadual. “Agora produzimos com mais inspiração. A reforma tornou o local mais visível e atraiu novos clientes”, diz a piauiense, que é diretora-presidente da Cooperart-Poty e atua na capacitação e acolhimento de novas artesãs.
Com o tempo decidiu dar outro passo e investiu no próprio empreendimento: a Rai Arte Poti, espaço que comercializa mensalmente cerca de 300 peças, como bonecas e artigos religiosos e de decoração. “Antes, eu tirava menos de um salário mínimo por mês. Hoje, consigo ter uma boa renda, tenho minha loja estruturada e clientes de todo o Brasil e de fora do país”, afirma. Mas, segundo a Dona Raimundinha, o caminho exigiu superação. Ela demorou anos para acreditar no potencial do negócio. “O desafio foi entender que minhas peças tinham valor e poderiam ser usadas como itens de decoração e de luxo, capazes de contar histórias e representar uma cultura”, explica. “Nunca pensei em desistir, mas aprendi que primeiro precisamos entender nosso potencial.”
Ela também enfrentou preconceito em um setor historicamente dominado por homens. A região era conhecida pela produção de tijolos e só mais tarde abriu espaço para o artesanato cerâmico. “Antigamente, viam essa área como ‘coisa de homem’, e as mulheres ficavam em casa. Mas nos organizamos, buscamos capacitação e mostramos que também podíamos estar na produção e no mercado”, diz.
Histórias como a de Raimunda refletem uma tendência mais ampla. Segundo o Global Entrepreneurship Monitor (GEM), o público feminino já representa 34% dos empreendedores no Brasil, embora ainda enfrente mais barreiras no acesso a crédito e capital de giro. No trabalho artesanal, a informalidade ainda é predominante, mas pesquisas do Sebrae indicam que cada vez mais pessoas estão formalizando empresas e ampliando canais de venda – especialmente no ambiente digital.
Atualmente, a empreendedora divide a gestão da loja com o filho artesão, gera empregos na comunidade e já foi reconhecida em prêmios nacionais e internacionais. Ela credita sua trajetória a três fatores: fé, união e apoio institucional. “Costumo dizer que sou resultado do Sebrae. Foi lá que encontrei capacitação, consultoria e oportunidades que me transformaram na líder que sou hoje.”
Olhando para o futuro, quer ampliar a comercialização, investir na marca e participar de mais feiras dentro e fora do Piauí. “Meu sonho é fortalecer ainda mais o meu empreendimento e gerar mais oportunidades. Quero mostrar que é possível começar de baixo, mas chegar longe com coragem, parceria e união”, afirma.
E deixa uma mensagem a outras mulheres: “Primeiro, acredite em si mesma e nunca pense que não vai conseguir por ser mulher. O sol brilha para todos. Quando nos juntamos, ficamos mais fortes e chegamos mais longe.”