Fiat: a FCA afirmou em comunicado que não comenta ações que estão em andamento (Fiat/Divulgação)
Reuters
Publicado em 7 de novembro de 2017 às 18h28.
São Paulo - O relacionamento entre revendedores de veículos da montadora ítalo-americana Fiat Chrysler (FCA) no Brasil azedou neste ano, com os distribuidores decidindo recorrer à Justiça contra descumprimento de acordos prévios e competição desleal com vendas diretas.
Os processos incluem um em que os concessionários querem receber da montadora ressarcimento por tributos não pagos pela Fiat a partir de 2007 e que não teriam sido repassados à rede distribuidora na forma de redução de preço dos veículos.
As ações - cinco abertas pela associação de concessionários Fiat, Abracaf - foram iniciadas a partir de setembro e ocorrem em meio a mudanças na administração da companhia iniciadas em 2015, com a entrada do presidente para a América Latina, Stefan Ketter, afirmou uma fonte do mercado com conhecimento da situação dos revendedores.
Procurada no Brasil, a FCA afirmou em comunicado que não comenta ações que estão em andamento. A empresa "reitera que sempre manteve e continua a manter abertos os canais de diálogo com seus concessionários, na perspectiva de preservar e aprimorar as relações comerciais e institucionais, principalmente nas atuais condições adversas de mercado". Já a Abracaf não se manifestou.
O Brasil é o maior mercado para a Fiat no mundo fora da Itália. Em 2015, a montadora perdeu a liderança nas vendas de automóveis para a General Motors depois de 14 anos seguidos no topo do ranking, que ajudaram a levar o número de revendas da marca no país para perto de 600 no fim e 2015. Atualmente, a Abracaf representa 520 concessionários no Brasil.
A Fiat está na quinta posição em vendas de carros no país no acumulado deste ano até outubro, com vendas de 143,8 mil veículos, ou 9,5 por cento de participação. Em 2014, antes de perder a liderança, a participação era de 18 por cento.
Segundo uma segunda fonte com conhecimento da situação, o processo envolvendo o ressarcimento aos concessionários de tributos não pagos pela Fiat pode envolver pelo menos 3,4 bilhões de reais. O valor refere-se a 894 milhões de euros em provisões revertidas pela FCA no segundo trimestre deste ano.
Balanço da FCA do segundo trimestre afirma que o valor das provisões foi revertido depois que o Supremo Tribunal Federal decidiu no começo do ano que ICMS não pode ser incluído na base de cálculo do PIS e da Cofins. A Fiat tinha liminar desde 2007 que permitiu à empresa não recolher o imposto, mas não incluiu nessa ação os concessionários da marca, que afirmam agora no processo que a montadora não poderia aproveitar no seu balanço a totalidade da provisão sem distribuir parte dela à rede.
A parte que caberia aos concessionários seria a relativa às vendas de veículos aos consumidores finais, que em 2007 ainda eram significativamente maiores que as chamadas vendas diretas, quando o veículo é vendido diretamente pela fabricante a clientes pessoa jurídica, como locadoras de veículos. "Poderia-se dizer que 70 por cento disso (dos 894 milhões de euros) caberia às revendas", disse a segunda fonte.
Além do processo envolvendo a questão do PIS e da Cofins, os concessionários da marca se mostram insatisfeitos com descumprimento de acordo acertado pela montadora com eles em 2015, na gestão anterior a de Ketter, e que previa que os distribuidores poderiam ter no máximo veículos em estoque suficientes para 25 dias úteis de vendas, cinco a mais que o estabelecido pela lei Renato Ferrari, de 1979.
Pelo combinado, cujo descumprimento alegado pela Abracaf em um dos cinco processos contribui para pressionar financeiramente os concessionários, o volume que excedesse o limite de 25 dias úteis teria os custos financeiros bancados pela montadora.
"Ao longo desses últimos dois anos a situação se agravou significativamente, somando-se à manifesta insensibilidade e descumprimento de acordos e previsões legais por parte da FCA (Fiat)", afirma a entidade no processo.
Segundo a ação, a média anual de estoque dos concessionários obrigados a comprar veículos da montadora foi de 65 dias em 2015, 70 dias em 2016 e 67 dias no acumulado deste ano até outubro.
"A FCA não cumpriu integralmente sua obrigação de pagar os juros sobre o estoque excedente a 25 dias úteis", afirma o processo que quer a rescisão do acordo de 2015 e o cumprimento da regra prevista na Lei Ferrari, de 20 dias úteis.
"De modo geral, os interesses de uma montadora e concessionários vão até o limite das vendas. Está tudo bem quando se tem venda...É uma relação conflituosa por natureza", afirmou o gerente de desenvolvimento de negócios da consultoria automotiva Jato Dynamics, Milad Kalume Neto. "A Fiat perdeu participação de mercado relevante e essa relação fica complicada, com montadora querendo pagar menos e concessionária querendo receber mais", acrescentou.
Em outra ação, a Abracaf afirma que os preços praticados pela Fiat e os modelos oferecidos aos concessionários não têm competitividade para enfrentar rivais, enquanto a montadora oferece vendas diretas a preços abaixo do oferecido a seus próprios revendedores.
A prática de venda direta é comum na indústria de veículos do país, mas a Abracaf sustenta no processo que a Fiat tem exagerado, com a proporção neste ano chegando a mais de 60 por cento das vendas totais.
Segundo dados da entidade citados no processo, a Fiat vendeu quase 84 mil veículos em regime de venda direta, em que concede desconto de 10 a 18 por cento no preço do veículo, apenas no primeiro semestre deste ano ante vendas dos concessionários da marca de 51,3 mil. Como comparação, as vendas diretas da GM no período, segundo o processo da Abracaf, somaram 69 mil veículos.
"A distorção da conduta da FCA é evidente. Até mesmo a GM (atual líder de mercado) realiza número muito inferior de vendas diretas", afirma o processo aberto pela entidade em setembro e que afirma ainda que a FCA tem intenção de preservar seu resultado às custas dos concessionários.