COP26: na declaração os países se comprometeram a “trabalhar coletivamente para deter e reverter a perda florestal e a degradação do solo até 2030 (OLI SCARFF/AFP/Getty Images)
Marina Filippe
Publicado em 5 de novembro de 2021 às 14h06.
Por Talita Assis*
Declaração sobre florestas e uso do solo assinada na COP26
A declaração sobre florestas e uso do solo, assinada por mais de 100 países, incluindo o Brasil, no último dia 2 de novembro em Glasgow, na Escócia, durante a COP26, ressalta a importância do combate ao desmatamento no enfrentamento às mudanças climáticas, mas também na preservação da biodiversidade e desenvolvimento sustentável.
Na declaração os países se comprometeram a “trabalhar coletivamente para deter e reverter a perda florestal e a degradação do solo até 2030 e oferecer desenvolvimento sustentável e transformação rural inclusiva”. Os signatários também reconheceram a “necessidade de ações transformadoras em produção e consumo sustentável, desenvolvimento de infraestrutura, comércio, finanças e investimentos, apoio aos pequenos proprietários, povos indígenas e comunidades locais que dependem das florestas para sua subsistência e têm um papel fundamental em sua gestão”.
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A iniciativa receberá aporte de 19,2 bilhões de dólares de fundos públicos e privados, sendo 12 bilhões de dólares até 2025 por parte de 12 países, como Estados Unidos, Reino Unido, Noruega, Alemanha, Coreia do Sul, União Europeia, Canadá e Japão e 7,2 bilhões de dólares de investimento privado por parte de mais de 30 instituições financeiras.
No Brasil, segundo as estimativas do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG), 46% das emissões em 2020 foram derivadas das mudanças de uso da terra, das quais 90% ocorreram devido ao desmatamento na Amazônia e no Cerrado. Além disso, o desmatamento na Amazônia tem apresentado tendência de alta, ficando acima dos 10.000 km2 nos últimos dois anos.
Acordo para redução das emissões por metano
Além da declaração sobre florestas e uso do solo, o Brasil assinou também o acordo para redução de emissões por metano. Essa iniciativa, assinada por um grupo de 103 países, tem como objetivo reduzir as emissões de metano em 30% até 2030.
Apesar de ser emitido em quantidades muito menores que o CO2, o metano é 28 vezes mais potente para esquentar o planeta. Por outro lado, sua permanência na atmosfera é muito menor, enquanto o carbono permanece durante centenas de anos, o metano desaparece dentro de duas décadas. Por isso, a diminuição das emissões de metano é entendida como uma estratégia relativamente rápida para a redução das concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera. Sua emissão se dá pela agropecuária, manejo de resíduos e produção de combustíveis fósseis.
Segundo as estimativas do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG), a principal fonte de emissão de metano no Brasil é a fermentação entérica, conhecida como arroto do boi, que foi responsável por 64,6% das emissões do setor de agropecuária e 17% das emissões totais de gases de efeito estufa no Brasil em 2020.
Posicionamento do Brasil
Além de sua participação na declaração sobre florestas e uso do solo e no acordo de reduções por metano, o governo brasileiro anunciou a revisão de suas contribuições nacionalmente determinadas (NDC) para reduções de gases de efeito estufa, que serão apresentadas durante a COP26. Além de aumentar a meta para redução das emissões líquidas de 43% para 50% em 2030, com relação aos valores de referência de 2005, o país pretende alcançar emissões líquidas zero até 2050.
Apesar de o ministro Joaquim Leite não ter mencionado o combate ao desmatamento em seu anúncio, o documento “Diretrizes para uma estratégia nacional para neutralidade climática”, lançado pelo Ministério do Meio Ambiente no mesmo dia, traz o compromisso de zerar o desmatamento ilegal até 2028.
Além disso, o “Plano Nacional Para Controle do Desmatamento Ilegal e Recuperação da Vegetação Nativa 2020-2023” apresenta as estratégias para proteção da floresta que estão sendo adotadas pelo governo federal. O plano apresenta três temas transversais (ambiente de negócios, inovação e financiamento) e cinco eixos de ações prioritárias, a ser implementadas no período 2020-2023. São eles: combate ao desmatamento ilegal, regularização fundiária, ordenamento territorial, pagamento por serviços ambientais e bioeconomia.
As pautas de regularização fundiária e ordenamento territorial são apontadas por especialistas como passos iniciais e fundamentais para o desenvolvimento do país e especialmente da Amazônia. Já os pagamentos por serviços ambientais e o fomento à bioeconomia podem ser excelentes caminhos para o desenvolvimento sustentável.
Com relação ao metano, o documento de diretrizes apresentado pelo governo federal aponta a implementação do plano ABC+ como principal estratégia para redução das emissões. O plano ABC (Plano Setorial para Adaptação de Mudança do Clima e Baixa Emissão na Agropecuária) prevê o tratamento dos dejetos animais, que é uma das fontes de emissão desse gás. Na primeira fase do plano (2010-2019) foram tratados 38,3 milhões de m3, valor muito acima da meta de 4,4 milhões de m3. Em sua revisão, o plano ABC+ (2020) estabelece a meta de 208 milhões de m3 de resíduos animais tratados até 2030. O documento de diretrizes aponta estratégias para a redução das emissões de metano no setor de resíduos: encerramento de lixões do país até 2024 e aumento do aproveitamento de materiais.
Pontos de atenção
A redução do desmatamento e das emissões de metano são grandes desafios para o Brasil. Apesar dos avanços nos setores de resíduos e agropecuária, a fermentação entérica, relacionada à digestão bovina, é responsável pela maior parte das emissões de metano do Brasil. Dada a importância da pecuária na economia do país, é necessário investir em ciência e inovação para buscar soluções.
Embora as estratégias sejam definidas para todo o Brasil, o “Plano Nacional Para Controle do Desmatamento Ilegal e Recuperação da Vegetação Nativa 2020-2023” é voltado principalmente para a proteção da Amazônia, com poucas referências sobre os outros biomas do país, principalmente no que se refere à derrubada de vegetação nativa.
Além disso, é necessário cuidado para que, em conjunto, estas medidas não representem apenas um mecanismo para que mais desmatamentos deixem de ser considerados ilegais. O que se espera é que o Brasil possa criar alternativas de desenvolvimento que privilegiem a conservação das florestas, contribuindo no enfrentamento às mudanças climáticas, na preservação da biodiversidade e desenvolvimento sustentável, conforme acordado, juntamente com os demais países signatários, na declaração sobre florestas e uso do solo.
Participação dos estados
Os estados brasileiros também têm avançado nas negociações durante a COP26. No dia 1º de novembro o governador do estado de São Paulo anunciou na COP26 o programa Fundo Amazônia 10+, que juntamente com os estados da Amazônia Legal Brasileira irá financiar projetos de pesquisas sobre a Amazônia, de pesquisadores paulistas em cooperação com pesquisadores da Região Norte. Inicialmente a Fapesp destinará 100 milhões de reais, porém este valor poderá chegar a 500 milhões de reais com a adesão de governos, empresas e organizações internacionais.
Além disso, no dia 4 de novembro foi lançado o consórcio Brasil Verde, pelos governadores que compõem o movimento Governadores pelo Clima. A prioridade do consórcio é que os estados elaborem planos de neutralidade de carbono, com o apoio de entidades. Até o momento, 22 governadores aderiram ao consórcio, e a expectativa é de que todos os 27 participem.
*Talita Assis, cientista à frente do projeto A Amazônia em EXAME