Nespresso: modelo Vertuo deve atingir, primeiro, consumidores que já conhecem a marca (Nespresso/Divulgação)
Karina Souza
Publicado em 9 de abril de 2022 às 08h00.
Última atualização em 14 de abril de 2022 às 11h38.
A marca Nespresso é sinônimo de um café em cápsula, curto e forte como um bom espresso italiano deve ser. Dito isso, o braço da multinacional de alimentos Nestlé para o mercado de cafés finos tem uma visão diferente para o futuro da marca.
Daqui para frente, a ideia é conciliar o cafezinho curto com um portfólio mais amplo. No rol das novidades já para 2022 está uma máquina de café para taças grandes, a partir de 80 mililitros. (Uma dose de café espresso tem geralmente de 25 a 35 ml.)
Chamada Vertuo, a novidade deve responder por 30% das vendas neste ano e chegar a 50% até 2025, segundo a expectativa de Ignacio Marini, diretor-geral da operação brasileira da Nespresso. É uma meta encorpada para uma empresa com faturamento global de 7 bilhões de dólares em 2021 — alta de 9% na comparação com o ano anterior.
O público-alvo prioritário da Vertuo é, inicialmente, a comunidade de clientes que já possui uma máquina Nespresso em casa. A curiosidade de contar com duas máquinas de café dentro de casa fará parte do marketing da empresa nesta fase. A partir do ano que vem, a ideia é chegar a públicos ainda sem relação com a marca.
O lançamento da Vertuo pode esbarrar no hábito arraigado entre muitos brasileiros de tomar um pingado num bar ou padaria próximo de casa. A baixa adoção do café em cápsula no Brasil não ajuda: só 13% do consumo desse tipo de bebida é feito dessa maneira por aqui. O restante é dividido entre espressos convencionais, tirados em máquinas de grande porte com design italiano, ou o tradicional café coado em casa ou na rua.
“O Brasil consome muito, mas ainda demora muito para desenvolver cafés com mais tecnologia", diz Marini, um engenheiro argentino com passagem pela cervejaria Quilmes, a maior do país vizinho, e que desde 2020 comanda a unidade Nespresso no Brasil.
Tudo isso não afasta o otimismo do executivo. O brasileiro é apaixonado por café — o consumo da bebida por aqui só perde para o de água. "O país está no ‘Top 10’ em receita dentro da companhia hoje, não só pela preferência do café, mas pelo tamanho da economia”, diz.
A bem da verdade, o hábito de consumir café já vem mudando país afora. Para além da popularização das cápsulas, hoje em dia vendidas até mesmo em atacarejos, o acesso a porções extra grandes em redes de cafeterias fast-food aumentou recentemente. Vide a expansão da rede Starbucks, dona de mais de 128 lojas no país e de um cardápio com opções como o venti, um copo com 500 ml da bebida. O mesmo apelo aos "copões" também pode ser visto em redes de cafeterias com apelo regional, como a catarinense Café Cultura, ou a paranaense To Go.
Chegar neste objetivo é um pensamento de longo prazo, mas a Nespresso se apoia em dois pilares para construí-lo: investimento em inovação e olho atento ao que os clientes querem. O foco não vem por acaso. No auge do baque do isolamento social, a companhia conseguiu manter receita de vendas no Brasil apoiada quase que exclusivamente nas vendas ao consumidor pessoa física – já que empresas e restaurantes estavam fechados.
A sensação geral é a de que o esforço maior para incluir recursos como vendas por WhatsApp e por telefone trouxe resultados. Sem dizer números, o executivo se limitou a dizer que “O chefe ficou feliz com o resultado”.
Para além da pandemia, a abordagem customer centric foi capaz de entregar, como produto, o próprio lançamento do sistema Vertuo. A máquina levou oito anos de pesquisa por parte do time global – já que usar o modelo atual de cápsulas não seria suficiente para entregar um café nos padrões estabelecidos. Como resultado, chegou-se a um novo método, chamado Centrifusion, que lê o código de barras de cada cápsula, identifica o tipo de café e a quantidade de água a ser utilizada. Uma vez que enche de água, a máquina roda a cápsula, para extrair todo o café de dentro do recipiente.
E não para por aí. A companhia já projeta entregar, em médio prazo, uma máquina de café gelado (cold brew) direto da cápsula, já que hoje é necessário extrair o café quente da máquina e gelar depois. O principal motivo para investir nisso é o acompanhamento dos hábitos de consumo da bebida, além de gerar novas oportunidades para trazer o café à rotina das pessoas – como ir à praia, por exemplo.
Voltando para o presente, a combinação de pilares – inovação e clientes – também chega às linhas de negócio já estabelecidas (Nespresso tradicional para pessoa física e B2B), principalmente na análise dos sabores especiais. A cada ano, a Nespresso lança de 6 a 8 sabores edição limitada para as máquinas tradicionais. Hoje, são 30 tipos de café disponíveis – e, curiosamente, não há um que concentre vendas sozinho. “A média de compras por cliente é de 4 a 6 variedades de café e temos os heavy users, que compram entre 8 e 12 variedades por vez. Daí a necessidade de ter sempre algo novo para instigar a curiosidade”, diz Ignacio.
Com uma abordagem tão focada em ouvir clientes, a Nespresso consegue até mesmo identificar padrões de hábitos de consumo do café por região, tornando mais claras as diferenças entre o Brasil e os demais países da América do Sul, por exemplo. Uma curiosidade é que, enquanto aqui o café preto, quente, de até 150 ml é o forte, na Argentina o padrão é usar muito mais leite para misturar ao café, enquanto no México o comportamento é mais parecido ao do norte-americano, até mesmo por causa da proximidade geográfica. “O importante é escutar. Acompanho de perto o trabalho da área de marketing e especialmente de CRM para melhorar ao máximo a nossa oferta”, afirma.
De olho na permanência e expansão da companhia no Brasil, a questão socioambiental tanto da exploração do café quanto do descarte das cápsulas está à espreita. O executivo define a preocupação com o meio ambiente e com as pessoas como uma “obsessão” da Nespresso. E cita como exemplo o fato de que as centenas de fazendas com que trabalham no Brasil têm certificação Triple A de sustentabilidade, o que resulta num investimento anual de R$ 10 milhões.
Os planos para este ano, ainda na vertical de sustentabilidade, também incluem tornar a operação local carbono neutra. Nesse caminho, a Nespresso usa veículos elétricos em 100% das entregas realizadas para clientes corporativos no país e já substituiu as sacolas feitas com plástico reciclado por outras à base de milho, biodegradáveis.
Na ponta final desse processo – as cápsulas – a companhia investiu para criar uma cadeia logística própria, capaz de reciclar 100% das vendidas no Brasil. Entrando em detalhes, o alumínio é separado do café durante esse processo e, enquanto o pó vira adubo (dentro do Projeto Hortas, sediado em SP), o alumínio volta a ser fundido e transformado em outros produtos.
O principal empecilho para a reciclagem avançar no país está relacionado ao hábito das pessoas, segundo Ignacio. Hoje, no Brasil, apenas um terço dos consumidores é super engajado e traz os resíduos de volta para a companhia – principalmente para as lojas, que têm pontos de coleta. Outro um terço dos clientes vai ocasionalmente descartar esses resíduos e, por fim, os demais não trazem nenhuma cápsula para ser descartada.
“Precisamos desses dois terços, esse é o desafio. Queremos passar cada vez mais a ideia de que é um compromisso de todos, não só com a Nespresso, mas a nível de sociedade. Tem a ver com o lixo que deixamos, somos todos responsáveis pelo futuro”, afirma o executivo.
Em relação à preocupação com as pessoas (a famosa letra S da sigla ESG), a preocupação da Nespresso durante a pandemia foi a de não demitir pessoas: ao todo, 70% do pessoal fica em lojas. Com o fechamento, algumas migraram para funções on-line, como vendas por WhatsApp e por telefone, mas outras também foram realocadas para funções diferentes dentro do grupo Nestlé – como a apresentação de produtos em supermercados, por exemplo.
Essa última estratégia foi específica para o Brasil durante a pandemia, afirma Ignacio. “Europa e Estados Unidos já têm menos lojas e mais e-commerce por causa do comportamento do consumidor”.
No Brasil de 2022, a Nespresso não se abala com fatores como a alta do dólar e o cenário eleitoral brasileiro. A visão da companhia é de longo prazo, focando em atingir o maior número de consumidores dentro do tíquete médio que as máquinas estabelecem.
“O mundo todo está sofrendo, em relação à economia, mas o Brasil sempre mostrou uma capacidade considerável de continuar crescendo. Isso sem falar que se trata do maior produtor e maior consumidor de café no mundo. A oportunidade de desenvolvimento é gigante e vamos aproveitá-la ao máximo”, diz Ignacio. Se depender da empresa, o café em cápsula espresso é só o começo da jornada.