As famílias precisam garantir que suas práticas e estruturas de tomada de decisão funcionem efetivamente em tempos de incerteza e mudanças (Stefan Wermuth/Bloomberg via Getty Images/Getty Images)
Karina Souza
Publicado em 24 de novembro de 2020 às 17h00.
Última atualização em 24 de novembro de 2020 às 18h25.
Mais de seis meses após o início de uma pandemia global, as equipes de gestão estão saindo da resposta à crise rumo ao planejamento para o futuro. Elas avaliam mudanças de longo prazo nas preferências dos consumidores, reconsiderando as estratégias existentes, se não todo o seu modelo de negócios, e identificando os talentos que possam colocar as novas estratégias em prática.
No entanto, esse planejamento se dá em um ambiente incerto e em rápida mudança, onde as perspectivas de curto e médio prazo para a maioria das empresas ainda são altamente imprevisíveis. O sucesso, sem dúvida, necessitará agilidade e flexibilidade.
As empresas familiares multigeracionais têm uma grande vantagem. Pela sua própria existência, elas demonstram capacidade de evoluir para atender às novas demandas, por vezes honrando o legado e, simultaneamente, mantendo os valores da família. Muitas empresas familiares de grande porte em funcionamento hão mais de um século já se reinventaram várias vezes.
Serve como exemplo a fabricante industrial Milliken & Company, com sua longa história de inovação. Desde a invenção da fibra Agilon usada em náilons na década de 1950 ao primeiro produto químico ligado a polímero na década de 1960, até os tecidos de proteção reutilizáveis, ideais para os EPIs que usamos hoje. Podemos ver também a JM Huber Corporation, que evoluiu de fabricante de pigmentos em 1883 para ser fornecedora de ampla gama de produtos industriais e de consumo. Hoje em dia, como diz o seu site, “Mantemos o vento e a chuva na parte externa da sua casa, o chocolate suspenso no leite, as peças de seus aparelhos eletrônicos resfriadas”.
Ainda assim, o sucesso futuro dessas empresas familiares não é nada garantido. Além de reagir às expectativas de mercado em rápida mudança, as famílias também devem continuar a avaliar como o negócio atende às suas necessidades e como podem se adaptar para suprir as necessidades do negócio.
Ideal para uma família
Mesmo na prosperidade, à medida que as famílias crescem e evoluem, os proprietários podem optar por adaptar os negócios para atender às suas próprias necessidades também em mudança.
Veja o caso de uma família de agricultores que se acostumou a enfrentar os altos e baixos dos mercados de commodities, assim como o clima. Ao passar da terceira para a quarta geração, o perfil de propriedade evoluiu da maioria dos proprietários trabalhando na empresa (e se beneficiando por salários e bônus) para a maioria dos proprietários não trabalhando na empresa (e se beneficiando pelos dividendos). A nova geração de proprietários desempregados sentia-se menos à vontade com os altos e baixos do negócio. Assim, reavaliaram o portfólio de ativos da empresa, liquidando algumas áreas agrícolas para reinvestir em propriedades comerciais que gerariam um retorno estável.
Com o tempo, as famílias também adaptam o portfólio de negócios para se alinhar com seus valores sociais ou com o interesse em estimular o empreendedorismo da próxima geração. Por exemplo, o Rockefeller Brothers Fund, uma fundação familiar financiada pela dinastia de refino de petróleo Rockefeller, prometeu se desfazer de ativos de combustíveis fósseis a pedido da geração mais jovem. Outras famílias podem disponibilizar ativos para financiar ideias de investimento da próxima geração.
Após uma crise como a covid-19, pode ser preciso às famílias acelerar esse tipo de mudança para garantir a continuidade de seus negócios.
Por exemplo, uma família com grandes investimentos em imóveis comerciais, o que normalmente significa investimento de risco bastante baixo, pode ter ficado completamente bem com o perfil de risco dos ativos em fevereiro. Mas, em outubro, talvez seja necessário reestruturar drasticamente o portfólio para manter o perfil de risco desejado, enquanto avalia as tendências de trabalho em home office no longo prazo.
Outras famílias podem estar pensando em se transformar para seguir as atividades empreendedoras de uma nova geração, ou apoiar uma causa social, também podem se ver acelerando sua programação, à medida que surgem novas oportunidades ou as necessidades sociais se tornam mais urgentes.
Como se adaptar à incerteza e à mudança
Esses exemplos demonstram como as famílias podem desenvolver seus ativos para atender às suas necessidades. Porém, as famílias também precisam adaptar suas próprias práticas para atuar como um grupo de propriedade produtiva. Muitas vezes, as famílias pensam em inovação como algo que diz respeito apenas ao domínio da empresa, mas ela é igualmente importante no domínio da família e da propriedade.
O que isso significa? As famílias precisam garantir que suas práticas e estruturas de tomada de decisão funcionem efetivamente em tempos de incerteza e mudanças. Pode exigir uma nova forma de governança, talvez através de um conselho de administração ativo com membros independentes qualificados e envolvidos.
Mesmo as famílias que já têm um conselho de administração independente podem achar útil expandir o grupo e atualizar as qualificações de seus conselheiros independentes, possivelmente reduzindo o número de diretores no conselho ocupados por membros da família para abrir espaço para outros talentos.
A administração familiar também pode descobrir que está na hora de ceder mais controle aos líderes de fora da família. Os líderes da família têm um vínculo inerente com as operações e práticas comerciais legadas que os serviram bem ao longo da história. No entanto, o momento atual pode exigir talentos com exposição a diferentes setores e práticas. (Pela mesma razão, também pode ser útil ceder mais controle aos membros mais jovens da família, de uma geração mais atual, com novas perspectivas e conjuntos de habilidades, seja em funções operacionais ou de direção.)
Mesmo quando os proprietários aceitam de braços abertos a liderança não familiar, geralmente ficam atentos às operações e mantêm o controle das principais decisões. Em um ambiente onde não há certezas e onde as mudanças ocorrem diariamente, os proprietários serão beneficiados pela adoção de uma filosofia “olho no negócio, mas sem colocar as mãos”, onde se mantêm informados, mas evitam questionar a administração.
Com o tempo dos gerentes tomado pelo desenvolvimento de contingências para se adaptar às perspectivas futuras em evolução, os proprietários devem adotar uma abordagem disciplinada ao fazer perguntas, questionando apenas em benefício do negócio, e não para satisfazer sua própria curiosidade ou medos. Afinal, as famílias devem se lembrar de que desejam que sua equipe de gestão dedique tempo ao que realmente importa.
Mas talvez o maior desafio para muitas empresas familiares multigeracionais seja a alteração das alocações de capital. Mesmo nos melhores momentos, existem necessidades concorrentes pelo capital. Os retornos devem ser reinvestidos em um negócio principal, usados para diversificar ou devolvidos aos proprietários na forma de dividendos ou recompra de ações?
Como a maioria dos setores empresariais se beneficiou de um forte ambiente econômico nos últimos anos, muitos proprietários se acostumaram a uma rotina e ao aumento do fluxo de dividendos, mesmo que suas equipes de gestão preguem que os proprietários não devem depender dos dividendos. Entretanto, em tempos difíceis, talvez os proprietários devam ser os primeiros a aceitar uma redução nos seus rendimentos. Sem dúvida, muitos proprietários de empresas familiares concordaram de boa vontade em suspender os dividendos no segundo trimestre deste ano. Mas, à medida que a crise avança, será que os proprietários permanecerão tão complacentes? Uma empresa familiar enfrentou esse desafio adiando, em vez de suspendendo, as distribuições aos proprietários e planeja pagar os valores adiados aos membros mais idosos da família, que contam com as distribuições para seu sustento na aposentadoria, antes de repassar recursos aos proprietários mais jovens.
Outras famílias têm enfrentado o desafio de como compensar os gerentes em um momento em que trabalham com cargas horárias extremamente longas e podem estar se colocando em risco físico de exposição à covid. Com a queda nos lucros, muitos conselhos de administração defendem que sejam pagos bônus discricionários aos funcionários, realocando capital dos proprietários para a empresa. É em momentos como este que os valores das famílias são testados. Uma coisa é dizer que os funcionários vêm em primeiro lugar, outra é abrir mão do retorno financeiro para pagar os empregados.
Por fim, é importante destacar que esta não é uma lista completa de considerações. Todas as famílias e empresas são diferentes e seguirão um caminho diverso para avançar na crise atual. Mas todas as famílias podem e devem pensar cuidadosamente sobre o que têm a contribuir: para sua equipe de gestão, para seus funcionários e para suas comunidades.
Por exemplo, os membros da família de uma empresa de hotelaria que precisou dispensar em caráter de licença 75% de seus funcionários contribuíram para um fundo de auxílio aos funcionários que normalmente é financiado pela própria empresa. Nesse caso, os membros individuais da família abriram seus bolsos para apoiar os funcionários necessitados.
Outra opção popular para as famílias são fundos recomendados por doadores (como uma conta de poupança para investimento, mas para causas de caridade) administrados por fundações comunitárias. A riqueza da família é uma das principais categorias de financiamento dentro das fundações comunitárias, que supostamente arrecadaram mais de 1 bilhão de dólares nos Estados Unidos para dar apoio às iniciativas relacionadas à covid.
Há sem dúvida muitos caminhos a seguir no momento atual. Porém, muitas empresas familiares multigeracionais bem-sucedidas, com seu horizonte de investimento de longo prazo ou possivelmente infinito, estão reconhecendo que é sensato colocar outras partes interessadas na linha de frente.