Negócios

Como o supermercado carioca Guanabara se tornou um império de R$ 6 bilhões com preço baixo

Em rara entrevista, presidente da rede explica como a escuta ao cliente e a simplicidade na gestão criaram um dos supermercados mais queridos do Brasil

Supermercados Guanabara: rede mantém até 500 produtos em promoção por dia, com campanhas que duram semanas e têm ofertas rotativas (Supermercados Guanabara/Divulgação)

Supermercados Guanabara: rede mantém até 500 produtos em promoção por dia, com campanhas que duram semanas e têm ofertas rotativas (Supermercados Guanabara/Divulgação)

Daniel Giussani
Daniel Giussani

Repórter de Negócios

Publicado em 18 de agosto de 2025 às 18h07.

Última atualização em 18 de agosto de 2025 às 19h25.

É preciso ver para crer: filas dobrando quarteirões, carrinhos de supermercado disputados como carro de Fórmula 1, e centenas de clientes pelos corredores.

Todo mês de outubro, a cena se repete: é o Aniversário Guanabara, um evento que virou tradição no Rio de Janeiro — com memes, vídeos virais e disputa até por papel higiênico e sabão em pó.

Para dar conta de um evento dessa magnitude, há uma operação de varejo que precisa ser bem, mas bem azeitada.

Fundado em 1950, o Supermercado Guanabara é hoje uma das maiores redes do estado, com 28 lojas e um faturamento de R$ 5,3 bilhões em 2023, segundo os últimos dados publicados pelo ranking da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC). Com esse número, a companhia é a 40ª maior do varejo brasileiro.

Cem por cento familiar, a empresa é avessa a holofotes. Ainda assim, virou um dos nomes mais queridos e respeitados do varejo carioca.

Nesta rara entrevista à imprensa, o presidente da rede, Antonio Pinho, falou com exclusividade à EXAME sobre a trajetória da empresa, as decisões por trás da estratégia e a relação emocional com o público.

O nosso maior diferencial é esse vínculo com o cliente. É algo que vai além da compra. A gente faz parte da memória afetiva das pessoas.”

Em 2024, a rede cresceu 21% no faturamento, segundo o presidente. Sobre o valor da SBVC, significa que passou da casa dos 6 bilhões em vendas.

Para 2025, a expectativa é manter o ritmo e chegar a um aumento de 20% nas vendas, com expansão de 10% na base de clientes.

São metas ousadas para um grupo que não aposta em crescimento via aquisições ou entrada em novos mercados.

A gestão é centralizada, o controle é direto, e a tomada de decisão acontece com base na escuta diária do consumidor e da equipe.

“Ser uma empresa familiar nos ajuda a manter agilidade. A gente toma decisões rápido porque está na operação. Não tem reunião demais, não tem distância.”

A loja não quer ser a mais tecnológica do mercado, nem a mais moderna. A prioridade é ser a mais presente — na rotina, no bolso e na memória do consumidor.

“Queremos que ir ao supermercado seja uma parte prazerosa do dia da pessoa, e não só uma obrigação”, diz o presidente.

E, no caso do Rio, essa missão tem dado certo: segundo dados da própria empresa, um quarto de tudo que é vendido no varejo alimentar do estado passa por lojas da rede.

Qual é a história do Supermercado Guanabara

O Supermercado Guanabara nasceu pequeno, como tantas outras empresas familiares brasileiras.

A primeira unidade foi uma mercearia aberta em 1950 no bairro da Piedade, na zona norte do Rio, por uma família de imigrantes portugueses recém-chegada ao Brasil.

A loja se chamava Casa Guanabara. Nome simples, balcão de madeira, estoque apertado, mas um diferencial que continua até hoje: o atendimento direto, no olho do cliente.

“A gente começou pequeno, como uma mercearia mesmo. Mas com muita dedicação e foco no cliente. E isso nunca mudou”, diz Antonio Pinho.

Setenta e cinco anos depois, o grupo conta com 28 unidades espalhadas pelo Rio, Baixada Fluminense e Grande Rio.

A rede que bomba com o aniversário — e vira tema de festa

O que faz uma criança escolher um supermercado como tema de aniversário?

Foi o que o próprio Antonio Pinho se perguntou quando recebeu a notícia de que uma família tinha pedido autorização para fazer um book fotográfico com o tema Guanabara dentro de uma das lojas.

“Na semana anterior, já tínhamos recebido uma mãe que faria uma festa com o tema. A equipe se mobilizou, preparou decoração, bolo, doces e salgadinhos. Foi tudo espontâneo.”

Casos como esse vêm se tornando frequentes. Crianças e adultos homenageiam a marca, usam o bordão “Tudo por você!” como piada interna e compartilham memes nas redes sempre que começa alguma campanha.

O mais famoso é o do aniversário da rede, que anualmente vira notícia por conta das multidões e das promoções agressivas, hoje, muito mais organizadas, mas ainda com o mesmo apelo popular.

O presidente reconhece que o marketing ajuda a manter a marca viva no imaginário do público, mas garante que o afeto veio antes da estratégia.

“A verdade é que esse vínculo nasceu de forma muito natural. A gente sempre teve campanhas simples, diretas, com linguagem acessível".

Esse tipo de relação é raro no varejo brasileiro — e virou um ativo que a empresa trata com cuidado. “O preço é importante, claro. Mas o que fideliza de verdade é entrega. A gente não engana o consumidor. Faz o que promete. Isso, ao longo do tempo, constrói confiança".

A conexão não é só emocional.

“Nossos funcionários se sentem parte da história. O índice de rotatividade é de 2,5%. Isso é muito baixo no varejo. E quem está há muito tempo numa loja conhece o cliente, sabe o que ele procura, entende o que incomoda. Essa relação constante melhora o atendimento e fortalece a marca.”

O reflexo mais visível dessa cultura está no cotidiano. “Outro dia, a filha de um funcionário fez um trabalho da escola sobre o Guanabara. Aquilo me marcou.”

Estratégia de crescer com (muita) promoção

Enquanto outras redes apostam em tecnologia de ponta e expansão acelerada, o Guanabara adota uma abordagem direta: escuta o cliente, negocia com o fornecedor e entrega preço baixo.

A rede mantém até 500 produtos em promoção por dia, com campanhas que duram semanas e têm ofertas rotativas — tudo pensado para garantir acesso sem gerar aglomerações.

A lógica é simples: quanto mais tempo a campanha dura, mais gente consegue aproveitar com tranquilidade.

Foi assim na última Semana da Limpeza, que gerou um aumento de 60% nas vendas da categoria em relação ao mês anterior. O mesmo vale para o Aniversário Guanabara, que tem média de 30% de crescimento em volume de vendas e até 40% em faturamento durante o período promocional.

A estrutura por trás disso envolve planejamento, negociação e muita previsibilidade.

“Temos uma equipe que só faz isso: buscar o melhor preço. E temos uma relação de confiança com os fornecedores. Isso nos permite praticar preços muito próximos dos do atacado durante o ano inteiro, sem perder margem”, afirma Pinho.

O olhar sobre o cliente também é constante. O executivo costuma visitar lojas pessoalmente, sem ser identificado. Conversa com clientes, observa o comportamento de compra, coleta sugestões.

“Foi assim que percebemos que as pessoas não gostavam de frios embalados. Hoje temos estações de fatiamento na hora. Também implantamos o açougue tendal em várias unidades.”

Mais do que inovação tecnológica, a empresa aposta em bom senso de operação. A escuta vira dado, e o dado vira ação. “

A gente sabe que o consumidor muda o tempo inteiro. Não dá pra depender só de relatório. Ver o carrinho diz muito sobre o momento daquela família. Por isso estamos sempre no chão da loja.”

Ao mesmo tempo, a empresa tem investido em modernização das unidades antigas e na expansão do Guana Clube, o programa de fidelidade da marca.

Lançado há menos de 30 dias, já bateu 1 milhão de cadastros.

Crescimento dentro de casa

Mesmo com os bons números e a força da marca, o Guanabara não tem planos de sair do Rio de Janeiro.

O foco é manter o crescimento dentro do estado, apostando na escala regional, no conhecimento de território e na agilidade da operação local.

“A gente conhece o comportamento do consumidor daqui como ninguém. Ir para outro estado significaria perder essa proximidade, esse controle. E não estamos dispostos a abrir mão disso.”

Mas isso não significa que os planos de expansão estejam fora da mesa. A grande meta da empresa hoje é encontrar um ponto viável na zona sul carioca. “Esse é o maior desafio. A gente quer muito abrir uma loja por lá. Mas os terrenos com o tamanho que a gente precisa são raros, quase impossíveis de achar.”

A operação exige áreas grandes, com espaço para estacionamento, fluxo intenso e facilidade logística — características difíceis de encontrar em bairros como Botafogo, Flamengo ou Copacabana. Mesmo assim, a busca segue ativa. “É uma região estratégica. Temos clientes fiéis por lá. Mas, por enquanto, não temos o ponto certo.”

Enquanto isso, o grupo segue reforçando a operação nas regiões onde já atua.

Acompanhe tudo sobre:SupermercadosVarejoRio de Janeiro

Mais de Negócios

Ela trocou uma carreira promissora na cidade grande para construir um negócio milionário no interior

Com alta do ChatGPT, OpenAI pode valer US$ 500 bilhões com venda de ações por funcionários

Aos 34 anos, ele vendeu sua startup por US$ 80 milhões quatro meses após lançamento

Venezuela, El Salvador e Paraguai: os próximos destinos da H&M, após o Brasil