Negócios

Como a GE forma líderes globais

Uma conversa com Susan Peters, diretora de aprendizado

Os programas de aprendizado corporativo são as principais fontes de grandes lideranças na empresa (Getty Images)

Os programas de aprendizado corporativo são as principais fontes de grandes lideranças na empresa (Getty Images)

DR

Da Redação

Publicado em 20 de outubro de 2010 às 19h13.

A GE tem enfrentado, nos anos recentes, sérios desafios na área de negócios - a capitalização de mercado de 200 bilhões de dólares da empresa é metade do que costumava ser. Contudo, uma área de enorme força é a maneira como a empresa identifica e forma líderes como bem mostra o grande número de CEOs que passou pela GE. Boa parte do crédito vai para os programas de aprendizado corporativo, realizados num centro de aprendizagem em Crotonville, Nova York, a mais antiga universidade corporativa dos Estados Unidos.  À medida que os negócios se tornam mais globais, como o desenvolvimento de liderança na GE está mudando? Como a GE usa tecnologia para ensinar liderança? Que impacto a entrada da geração Facebook terá na maneira como a liderança é ensinada? Susan Peters - diretora de aprendizado e vice-presidente para desenvolvimento de executivos da GE, e que dará uma palestra na próxima Wharton Leadership Conference em 16 de junho - discutiu essas e outras questões com a Knowledge@Wharton.

Uma transcrição editada da conversa aparece abaixo:

Knowledge@: A Sra. poderia nos dar uma visão geral do sistema de aprendizado corporativo na GE?

Susan Peters: Na GE, estamos envolvidos em ensino e desenvolvimento há mais de 60 anos. Temos a mais antiga universidade corporativa na América em Crotonville, Nova York. A GE comprou o prédio em meados dos anos 50 e começamos a ensinar administração de negócios lá naquela época com cursos que duravam 13 semanas. Eu sei que é um pouco difícil de acreditar. Naturalmente, nós evoluímos e hoje o curso mais longo que administramos lá dura três semanas. Mas a verdade é que se pensarmos em formação de executivos, é uma parte fundamental e muito arraigada de nossa cultura corporativa.

Para dar uma visão geral do que nós fazemos, seguimos uma metodologia que chamamos GE Global Learning. Nós a dividimos em três disciplinas. A primeira é liderança. A segunda é habilidade, motivada pela função - habilidade em finanças, marketing, etc. A terceira disciplina trata de negócios. O que tentamos ensinar lá é o conhecimento especifico e necessário para um negócio ou setor. Como vocês sabem, a GE está presente numa ampla variedade de setores, da aviação ao tratamento de saúde e serviços financeiros, então temos de ensinar cada um desses setores. Se examinarmos esses três segmentos e agregarmos todos, incluindo todos os treinamentos e programas, gastamos perto de 1 bilhão de dólares ao ano em treinamento na GE.

Knowledge@: Como a Sra. define seu objetivo no ensino da liderança?

Susan: A missão de nosso projeto de liderança é inspirar, conectar e desenvolver os líderes de hoje e amanhã. Esse é nosso objetivo. Nós procuramos fazer isso por meio da experiência de Crotonville. Se nós fizermos um bom trabalho com as pessoas que freqüentam os cursos de Crotonville, ocorre um enorme efeito multiplicador. Elas voltam para seus locais de trabalho e o que se espera delas é que façam a mesma coisa - inspirem, conectem e desenvolvam seus subordinados que não podem estar presentes nos cursos administrados em Nova York.

* Publicado originalmente em 12 de maio de 2010.  Reproduzido com a permissão de Knowledge@Wharton.


Knowledge@: Qual é seu público principal? Em qual nível da organização a Sra. desenvolve liderança? O treinamento é oferecido para todos os funcionários da empresa ou está direcionado para um determinado segmento?

Susan: Nossos programas de desenvolvimento de liderança são realizados em todos os níveis da organização. Deixe-me segmentar a população da GE. Temos perto de 290 mil funcionários. Um pouco menos da metade deles é formada por profissionais; a parte restante é constituída por pessoas que trabalham em fábricas. O projeto a que me refiro se aplica quase exclusivamente à nossa população profissional. Então vamos presumir que alcance 150 mil pessoas - metade delas está localizada fora dos Estados Unidos. Esses 150 mil profissionais ao redor do mundo são nosso público-alvo.

Nós aplicamos um método progressivo para o aprendizado de liderança na GE. Primeiro, temos um conjunto de cursos sob demanda que está disponível 24 horas por semana pelo computador. Temos uma licença para todos os níveis da empresa com diversos fornecedores para oferecer materiais. Nós garantimos que esse conteúdo cubra uma ampla variedade de tópicos, de técnicas de gerenciamento a desenvolvimento de projetos - nós usamos muitos vídeos, materiais que podem ser baixados do computador, etc. Nós incentivamos as pessoas a seguirem esse caminho uma vez ou sob demanda ou participando de programas Lunch & Learn (almoço com aprendizado). Mas eu não diria que essa é uma parte essencial de nosso programa de aprendizado de liderança. É fundamental e está disponível.

O próximo grupo consiste de habilidades essenciais. Nós temos 13 ofertas envolvendo habilidades de liderança que todos devem ter: como técnicas de apresentação, gerenciamento de projetos, conhecimento de finanças de uma forma genérica, e assim por diante. Esses cursos são coordenados pelo pessoal de Crotonville, mas são direcionados para as unidades da GE ao redor do mundo. Isso é executado por meio de um conceito TTT - Treine o Treinador. A integridade do curso é mantida porque o pessoal de Crotonville garante que o pessoal responsável pelo ensino foi treinado e certificado.

Num degrau acima nós temos o que chamamos de cursos alicerces, que são programas nos quais os indivíduos entram numa instalação da GE e passam um tempo lá dentro. Esses cursos duram uma semana e são oferecidos no mundo inteiro. Há quatro cursos chaves. Nós temos um curso de Fundamentos de Liderança administrado cedo na carreira de alguém, digamos, durante o primeiro até os três primeiros anos. Então há um Curso de Desenvolvimento de Liderança, um Novo Curso de Desenvolvimento de Gestão, e um Curso de Gerenciamento Avançado. Esses cursos são administrados durante os 10 primeiros anos da carreira, depois o funcionário freqüenta esses cursos todos os anos ou a cada três anos.

* Publicado originalmente em 12 de maio de 2010.  Reproduzido com a permissão de Knowledge@Wharton.


A seguir chegamos aos cursos do nível executivo. Esses cursos duram três semanas e estão disponíveis apenas em Crotonville - há o Manager Development Course (Curso de Desenvolvimento de Gestão), Business Management Course (Curso de Administração de Negócios), e o Executive Development Course (Curso de Desenvolvimento de Executivos). Esses títulos de MDC, BMC e EDC fazem parte da GE desde os anos 60, assim há neles todo um aspecto histórico e significado de marca interna.

O curso final que oferecemos está voltado para as equipes. Assim oferecemos cursos de liderança para todos e em todos os níveis.

Knowledge@: À medida que se vai subindo nos degraus da escada, quais números são levados em consideração? A Sra. começou com 150 mil profissionais. Pode nos dar um sentido de escala?

Susan: A aplicação dos cursos sob demanda varia de ano a ano. De 50 mil a 60 mil pessoas ao ano se dedicam a algum tipo de aprendizado sob demanda. O curso de habilidades essenciais envolve 35 mil pessoas. Quanto ao restante, cerca de 9 mil pessoas ao ano passam pelos cursos que requerem presença física no centro da GE. Elas voam para Crotonville, Nova Iorque, ou para Munique, Alemanha, ou Xangai, China ou onde quer que estejamos oferecendo o curso.

Knowledge@: O centro de Crotonville é famoso. Como a Sra. disse, tem sido o eixo de atividades educacionais da GE desde os anos 50. Quantos outros centros têm a GE desenvolvido ao redor do mundo para serem pontos centrais de aprendizado para a empresa?

Susan: Nós valorizamos o fato de termos centros globais de pesquisa em Xangai, Munique e em Bangalore, Índia. Nós muitas vezes realizamos os cursos nesses lugares. Eles se tornaram nosso lar longe de casa, se vocês quiserem. Nós administramos muitos de nossos cursos de liderança em Munique, Xangai e Bangalore, mas também em outros lugares espalhados pelo mundo. Nesses casos, os cursos são muitas vezes realizados em hotéis. O centro de Crotonville em Nova Iorque é o único residencial. Nós temos 188 quartos no centro. Nos outros locais os participantes se hospedam em hotéis.

Knowledge@: É interessante ouvir seus comentários sobre a natureza global do aprendizado na GE. A Sra. encontrou mudanças no contexto cultural enquanto desenvolvia conteúdo para o ensino de liderança? Em outras palavras, algumas coisas se perdem na tradução ou é possível usar o mesmo conteúdo em diferentes partes do mundo?

Susan: O primeiro fator para o desenvolvimento ou atualização dos cursos é que seja feito por uma equipe global. A equipe normalmente se reúne em Crotonville ou Munique ou, recentemente, em Bangalore para realizar esse tipo de projeto ou mudança de projeto. Na maior parte das vezes a equipe faz alterações - é preciso sempre ajustar essas aulas para garantir que elas incluam o conteúdo e o currículo mais atualizado. Então elas começam com dados globais.

* Publicado originalmente em 12 de maio de 2010.  Reproduzido com a permissão de Knowledge@Wharton.


O segundo elemento é que tenho alguém na minha equipe sediada em Munique e outra cobrindo a Europa, o Oriente Médio e a África. Alguém na minha equipe sediada em Nova Delhi que cobre a região de Ásia-Pacífico. A função dessas pessoas é assegurar que o conteúdo do curso é ensinado conforme o ambiente local, é ensinado com os traços locais apropriados. Nós acreditamos que a essência da liderança é a mesma no mundo inteiro, então não mudamos os aspectos fundamentais ou o conteúdo. Mas há sempre o aspecto cultural e aqueles líderes locais asseguram que ele seja integrado ao curso.

Knowledge@: Qual o espaço que a tecnologia ocupa nos projetos de desenvolvimento de liderança? Qual tem sido sua experiência? Quais são os prós e os contras?

Susan: A resposta é um tanto bimodal. Há um elemento de nosso modelo de ensino que reconhecemos sempre será cara a cara e, portanto, provavelmente menos relacionado à tecnologia. Não creio que chegaremos a um ponto onde só teremos cursos baseados na tecnologia ou e-aprendizado. Nós realmente acreditamos que a meta de "inspirar, conectar e desenvolver" alcança impacto real quando as pessoas estão fisicamente juntas. Uma grande quantidade de informações é trocada entre os diferentes cargos e localidades geográficas quando as pessoas estão fisicamente juntas.  Um exemplo de um curso administrado no centro de Crotonville seria que lá pode haver 40% ou 50% de participantes estrangeiros de múltiplas unidades e setores, de diversos cargos.

A outra peça bimodal é que nós realmente estamos tentando aperfeiçoar e integrar a tecnologia para o desenvolvimento do ensino. Eu mencionei anteriormente a disponibilidade de materiais sob demanda e como estamos tentando fazer as pessoas baixarem podcasts e outros tipos de conteúdo que as pessoas podem acessar e ouvir no carro, etc. Parte disso se limita a informar as pessoas sobre o que está disponível e como tirar proveito disso e tornar o aprendizado uma parte do dia de todo mundo, o tempo inteiro.

Nós implantamos no centro de Crotonville diversas ferramentas técnicas que são muito úteis. Nós usamos a Telepresença, que nos possibilita ter um líder de outra parte do mundo presente numa sala de aula em tempo real. Também temos uma sala de colaboração virtual, pela qual as pessoas podem trabalhar com equipes em Crotonville simultaneamente com uma sala que está estruturada da mesma forma em qualquer outra parte do mundo. Nós incentivamos as pessoas a aprenderem a usar novas ferramentas quando vão para Crotonville ou tomam aulas, e para esse fim as incentivamos a produzir seus relatórios usando Webex ou Webcams nos seus laptops para se acostumarem a usar essas ferramentas não só no ambiente de aprendizado, mas também nos seus ambientes de negócios quando voltam para casa.

Nós temos Kindles. Temos jornais do mundo inteiro disponíveis nas portarias para que as pessoas - com telas de toques - possam abrir o China Daily Times enquanto estão sentadas no saguão de nosso centro educativo. Boa parte disso é para demonstrar que essas ferramentas são agora parte de nossas vidas e que o aprendizado não se restringe à liderança, mas também se trata da utilização de novas tecnologias.

* Publicado originalmente em 12 de maio de 2010.  Reproduzido com a permissão de Knowledge@Wharton.


Knowledge@: Qual é sua proposta para o ensino baseado em equipe?

Susan: Esse é um curso sobre o qual nos sentimos realmente confiantes. Iniciamos o programa no segundo trimestre de 2006 e o conduzimos naquele ano. Foi a primeira vez que a GE impulsionou de verdade o treinamento de liderança em equipe a nível sênior. Com isso quero dizer que o diretor geral de uma unidade de P&L e toda sua equipe vieram para o treinamento. É um curso de uma semana. Nós o chamamos de LIG, que significa Liderança, Inovação e Crescimento. Nesse curso a equipe basicamente se informa sobre o ambiente atual ou questões de negócios e monta sua estratégia em andamento para seus planos de negócios, que na verdade é sua perspectiva de estratégia para três anos.

Qual pode ser o conteúdo? Quando primeiro o realizamos, nos períodos letivos de 2006, 2007 e 2008, incluímos matérias como segmentação de mercado, inovação e desenvolvimento de adjacências.  O conteúdo que estamos desenvolvendo para essas equipes agora reflete mais o ambiente de hoje. Estamos nos concentrando em temas como ampliar a visão, planejamento de cenários e visão periférica. Sempre inserimos algum elemento de inovação e globalização. Sempre ensinamos liderança. Isso permite que as pessoas assimilem o pensamento corrente dos formadores de opinião do mundo inteiro. Então quando estão reunidos na sala de exercícios práticos eles dizem, "Como vamos aplicar isso no nosso ambiente? Onde queremos estar daqui a um, dois ou três anos?" Porque eles fazem isso como uma equipe de liderança, nós acreditamos que seja muito impactante.

Knowledge@: A Sra. mencionou anteriormente ter gastado perto de 1 bilhão de dólares em aprendizado corporativo na GE. Como a Sra. mede o retorno sobre o investimento?

Susan: Estou emocionada por ter o privilégio de trabalhar num ambiente onde a equipe de liderança acredita naturalmente que o aprendizado, o esforço, o tempo, o dinheiro e os recursos que colocamos no projeto de ensino têm retorno inerente. Então eu posso passar meu tempo desenvolvendo cursos e matérias sobre como inspiramos, conectamos e desenvolvemos líderes em vez de calcular se estamos obtendo retorno.

Agora acreditamos que obtemos retorno porque nossas atividades continuam crescendo e evoluindo. Temos certos cursos que complementamos e realizamos muitos trabalhos antecipados e posteriores com os diretores das pessoas que freqüentam esses cursos em Crotonville. Nós preparamos o terreno com os diretores em função do que eles devem esperar da experiência dos indivíduos enquanto eles participam do curso e depois do curso, esperando que o diretor saiba o que eles aprenderam e, por conseguinte, aproveite isso com eles quando retornarem ao trabalho. Mas nós não passamos muito tempo dizendo, "Eu fiz um retorno sobre o investimento financeiro ou o numérico?"

* Publicado originalmente em 12 de maio de 2010.  Reproduzido com a permissão de Knowledge@Wharton.


Knowledge@: Uma nova geração - quer chamemos de geração Y ou de qualquer outro nome - de pessoas que cresceram com a internet e com a mídia social está entrando no mercado de trabalho. O ingresso dessas pessoas em empresas como a GE está mudando o método de aprendizado? Como a Sra. vê a evolução que ocorre no sistema de ensino na GE?

Susan: Creio que a geração do milênio - formada por jovens entre 12 e 26 anos de idade - traz consigo uma perspectiva diferente para o sistema de ensino. Nós mencionamos anteriormente que continuamos evoluindo no uso de tecnologia e de ferramentas como podcasts, que permitem às pessoas inserir as matérias nos seus tocadores de MP3 ou em qualquer ferramenta que elas queiram usar, mesmo que possam ir diretamente para um centro em Crotonville ou Xangai ou outro qualquer. O que estamos fazendo com relação a isso é perguntar para elas o que elas querem.

Por exemplo, nós reformulamos nosso curso de Fundamentos de Liderança há um ano e isso foi feito com dados dos milênios. Esses são os jovens na faixa dos 20 anos que freqüentam esse curso. Nós ouvimos o que as pessoas tinham a dizer sobre conteúdo, mecanismos de fornecimento e métodos. E quando reformulamos o curso nos baseamos realmente em seus dados e empenhos. Estamos constantemente perguntando às pessoas o que elas querem mais e menos de... cada orador de cada aula é classificado e avaliado para entendermos o que é atual e contemporâneo do ponto de vista daquela turma. À medida que aquelas aulas se inclinam com o tempo na direção de pessoas daquela faixa etária, estamos aprendendo e recebendo informações deles.

Fizemos mudanças também em Crotonville. Algumas dessas mudanças se limitaram a substituir os flip charts das salas de exercícios práticos por mais ferramentas de tecnologia. Agora tudo é feito online - criamos um recurso tipo Facebook interno que permite aos grupos se estabelecerem. Então eles interagem durante o tempo que fazem parte daquela aula, obviamente, um pouco antes da aula, durante a aula, e então permite discussões no fim da aula. Mas há agora dentro das salas de exercícios práticos tecnologia e telas que são muito mais ativas e quadros brancos que podem entrar em conexão com outros países. Esse é um investimento continuo muito significativo, mas reflete as expectativas do grupo dos milênios.

* Publicado originalmente em 12 de maio de 2010.  Reproduzido com a permissão de Knowledge@Wharton.


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