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Como Ford abandonou EcoSport e Ka para brigar com Audi e BMW

Fabricante deixou de produzir no Brasil há um ano para apostar em SUVs de luxo, picapes, esportivos e carros elétricos

Modelos de nicho e elétricos serão a aposta da Ford para brigar com marcas de luxo (Ford/Divulgação)

Modelos de nicho e elétricos serão a aposta da Ford para brigar com marcas de luxo (Ford/Divulgação)

GA

Gabriel Aguiar

Publicado em 12 de janeiro de 2022 às 09h40.

Última atualização em 14 de janeiro de 2022 às 11h31.

Sabia que a Ford foi o primeiro fabricante de veículos do Brasil? Essa história começou em 1919 e durou pouco mais de 100 anos – suficiente para lançar edições comemorativas –, mas acabou em janeiro de 2020, quando foi anunciado o encerramento da produção no país. E a receita da marca mudou completamente: acabou com os populares EcoSport, Ka e Ka Sedan para apostar em SUVs mais caros (Bronco Sport e Territory), esportivos, picapes e, futuramente, elétricos.

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Eles deixaram de ser marca de volume [de vendas] para se tornarem marca de boutique”, afirma Raphael Galante, da consultoria automotiva Oikonomia. E basta ver os resultados para entender a mudança de prioridades da Ford, já que a empresa encerrou 2020 na quinta posição entre os mais vendidos; em 2021, após fechar as fábricas, ficou em 11º, de acordo com a Fenabrave. “E olha que ainda existia estoque, porque o novo patamar será entre 13º e 14º. Não mais que isso”.

Na verdade, a mudança de posicionamento afetou bem mais que a oferta de modelos por aqui, já que também refletiu na rede de concessionários – que, à época do anúncio, contava com mais de 280 pontos espalhados pelo país – e nos milhares de funcionários. Tanto que a Ford destinou mais de 4,1 bilhões de dólares para pagamento de indenizações e devolução de incentivos. Só que essa decisão já teve retorno e a empresa conseguiu diminuir os prejuízos na América do Sul.

“Essa foi uma decisão pensada, planejada e acertada dentro do cenário que a Ford tinha nos anos anteriores. Estamos falando de mercado brasileiro, mas a empresa fechou várias fábricas em outras partes do mundo [como é o caso da Índia, que também perdeu a produção local], além de encerrar autopeças e caminhões há pouco tempo. Na última etapa, acabou com veículos de baixa tecnologia embarcada”, afirma Antônio Jorge Martins, coordenador da Fundação Getúlio Vargas.

Fato é que a Ford injetou cerca de 61 bilhões de reais na operação por aqui, entre investimentos e tentativas de cobrir perdas, principalmente nos oito anos anteriores ao encerramento. E, de acordo com estimativas da Reuters, cada veículo vendido pela empresa teve prejuízo de 10 mil reais. É um cenário completamente diferente daquele de 2008, quando o fabricante sobreviveu à crise dos EUA sem apelar a resgates do governo norte-americano (diferentemente de Chrysler e GM).

Liquidez, lucro e geração de caixa sempre foram preocupações para a Ford, que nunca atuou pensando apenas em participação de mercado. De forma geral, é o ‘norte’ adotado nas decisões estratégicas. Do outro lado, as empresas que seguem no mercado brasileiro não tiveram os problemas financeiros que a Ford vinha enfrentando nos últimos anos e que exigiriam esse foco em alguns nichos. Elas apostam no potencial de crescimento para garantir volume e rentabilidade”, diz Martins.

Vale lembrar que outros setores também passaram por processos semelhantes, com fechamento de fábricas de Panasonic e Sony no país, por exemplo. Para o coordenador da FGV, o mundo se voltou a outro horizonte, com menos estoque e foco na eficiência. É o caso da Tesla, que vende praticamente tudo que produz. “Tudo é maximizado em resultados. Em setores com tecnologia, é necessário saber o que priorizar e quais nichos atuar, porque o espectro é amplo e os recursos limitados”.

Com a falta de componentes que afetou o mercado automotivo global – que provocou a paralisação de diferentes linhas de montagem no Brasil –, os fabricantes que apostaram no aumento de volume para garantir rentabilidade tiveram dificuldades. Como exemplo disso, a Renault sofreu prejuízo de 8 bilhões de reais no ano passado e, de acordo com o CEO Luca Di Meo, parte do problema foi devido ao foco nas categorias de entrada, com pouco valor agregado (diferentemente da Ford).

“Eles [Ford] preferiram vender e ganhar menos. Mas, percentualmente, faturar mais que se tivessem volume. Porque participação de mercado é vaidade. E o foco é rentabilidade para garantir o dinheiro no bolso e no caixa. No caso de Ka e Ka Sedan, que tinham quase 60% das vendas, já não atenderiam às novas regras de emissões e precisariam de investimentos para mudar ou serem substituídos, além de serem categorias deficitárias e sem perspectivas de crescimento”, afirma Galante.

E, neste ano, passou a valer o Proconve L7, que determina qual é o limite de poluentes permitido em veículos de passeio – por conta disso, a Fiat retirou, de uma só vez, os modelos Doblò, Grand Siena e Uno, além de acabar com as versões de Argo, Cronos e Toro equipadas com motor 1.8. Na divisão de caminhões da Ford, o problema era parecido, já que as normas mais rígidas do Proconve P8 também exigiram mudanças na motorização (e investimentos) para manter os modelos à venda.

“No fim das contas, a Ford se tornou uma empresa de nicho, que disputa em preço com marcas de prestígio, como Audi, BMW e Volvo, por exemplo. E o comprador é aquele fiel à marca, cuja família sempre teve carros da Ford. De fato, é um posicionamento bem complicado, porque é um ser quase em extinção, com exceção dos compradores de Ranger e Transit, que são veículos comerciais. Mas a empresa ainda tem clientes apegados”, afirma o consultor automotivo da Oikonomia.

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