Em novembro, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) publicou a Portaria nº 3.665, excluindo algumas das principais atividades do comércio da listagem daquelas autorizadas pelo MTE, em caráter permanente, para o trabalho em domingos e feriados (Divulgação: Somchai um-im/Getty Images)
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Publicado em 2 de dezembro de 2023 às 08h08.
Última atualização em 2 de dezembro de 2023 às 08h25.
Por Roberto Baronian, sócio do escritório Granadeiro Guimarães Advogados
Em 14 de novembro o Governo Federal, através do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), publicou a Portaria nº 3.665, excluindo algumas das principais atividades do comércio da listagem daquelas autorizadas pelo MTE, em caráter permanente, para o trabalho em domingos e feriados. A autorização, até então, constava em uma portaria de 2021, que foi parcialmente revogada.
Dentre outros, foram excluídos da lista: mercados de alimentos e inclusive os transportes a eles inerentes, farmácias, açougues, hortifrútis, atacadistas de produtos industrializados, comércios em aeroportos e estradas e o próprio comércio varejista em geral.
Contudo, após forte reação e uma enxurrada de críticas do setor empresarial, o governo publicou uma nova portaria, suspendendo temporariamente a medida, que entrará em vigor apenas em 1º de março de 2024.
As notícias são no sentido de que o Executivo tentou evitar uma derrota no Congresso, uma vez que um Decreto Legislativo, articulado por parlamentares da Frente do Empreendedorismo, já estaria pronto para ser aprovado, em caráter de urgência, a fim de derrubar a medida do ministro do Trabalho. Um grupo de trabalho será criado para avaliar o tema e, “se necessário, fazer revisões no texto”.
A intenção do governo é fortalecer a atuação dos sindicatos e privilegiar as negociações coletivas de trabalho. A necessidade de autorização para o trabalho em domingos e feriados, a cargo do Poder Executivo, deriva de leis da década de 1940 — a própria CLT, de 1943, e a lei 605/49, que trata do descanso semanal remunerado e do pagamento de salário nos feriados. Em linhas gerais, uma autorização permanente é concedida pelo MTE para determinadas atividades empresariais, em virtude de exigências técnicas ou de conveniência pública.
Contudo, no caso específico do comércio, há uma lei mais recente que trata deste assunto: a lei 10.101/00. Alterada em 2007, ela autoriza expressamente o trabalho aos domingos nas atividades do comércio em geral e, apenas para o trabalho em feriados, condiciona a autorização a uma negociação coletiva sindical.
Logo, quando a recente medida revogadora do governo entrar em vigor, em 1º de março, as atividades do comércio atingidas dependerão de autorização em negociação coletiva sindical para o trabalho em feriados, mas não para o trabalho aos domingos. A questão, no entanto, vem recebendo interpretações divergentes, no sentido de que a negociação coletiva sindical seria necessária inclusive para o trabalho aos domingos, o que gera ainda mais polêmica e acentua as críticas.
A propósito, diante deste dispositivo da lei 10.101, que exige a autorização via negociação coletiva para o trabalho em feriados, nos últimos anos alguns sindicatos chegaram a levar esta questão ao Judiciário, na tentativa de obrigar empresas a se absterem de convocar empregados para o trabalho em feriados, diante da falta de autorização na norma coletiva vigente da categoria. Contudo, houve decisões considerando que a autorização dada pelo MTE supria a necessidade de negociação coletiva, prevista na lei 10.101. Este seria, pois, o alvo desta nova ação do governo.
Outra interpretação, que vem sendo feita, diz respeito a uma suposta necessidade de autorização em lei municipal para o trabalho aos domingos e feriados no comércio, nos termos desta mesma lei 10.101.
Contudo, a lei apenas ressalva a necessidade de se observar a legislação municipal vigente, que realmente pode impor eventuais restrições ao funcionamento de estabelecimentos comerciais, em função de interesses locais. Há inclusive posicionamento consolidado no Supremo Tribunal Federal a este respeito (Súmula Vinculante nº 38).
Portanto, não se trata de uma necessidade de autorização municipal, mas sim da possibilidade de a lei local estabelecer restrições ao funcionamento do comércio, o que, se e quando houver, haverá de ser respeitado.
O Congresso Nacional realmente pode sustar a medida revogadora editada pelo governo, atualmente suspensa até 1º de março, através de um decreto legislativo. Este seria um primeiro passo, que pode comportar alguma discussão jurídica. Isto porque, nos termos da Constituição Federal, o Congresso Nacional pode sustar atos normativos do Poder Executivo que excedam o seu poder de regulamentar leis ou que extrapolem os próprios limites da lei que autoriza o governo a tratar daquele determinado assunto. Questão discutível, a princípio.
Mas o Congresso pode também aprovar um projeto de lei que, alterando a legislação vigente, permita o trabalho em domingos e feriados em caráter geral, a todos os setores da economia, sem necessidade de autorização através de negociação coletiva ou de autorização governamental. Exatamente neste sentido, o projeto de lei 5516/2023 foi proposto pelo Senador Rogerio Marinho (PL/RN) em 16/11, e aguarda o prazo para recebimento de emendas, a terminar em 29/11.
É possível, portanto, que esta medida restritiva do governo não entre em vigor. Vale acompanhar.
No âmbito das relações de trabalho, a negociação coletiva há mesmo de ser privilegiada, em especial pela sua capacidade de produzir adequações setoriais e específicas que melhor possam se amoldar às realidades vivenciadas por seus próprios atores, destinatários e maiores interessados no ajuste que promovem entre si.
Contudo, ter como regra geral a proibição do trabalho em domingos (o que, vale repetir, não nos parece ser o caso para as atividades do comércio, haja vista a autorização prevista na lei 10.101) e em feriados, adotando a autorização governamental como uma exceção e, pior, empregando-a de forma anacrônica ou até mesmo contraditória aos estritos e necessários critérios de exigências técnicas e/ou de conveniência pública, pode ser danoso não apenas à livre iniciativa, mas à própria valorização do trabalho, criando entraves para a criação de postos de trabalho e renda.
Mudanças radicais e abruptas em aspectos regulatórios como este criam um evidente clima de insegurança jurídica, aspecto quase sempre olvidado no âmbito trabalhista que, vale sempre insistir, é primordial para o aprimoramento do ambiente de negócios no país e elemento básico para facilitar a geração de emprego e renda, objetivo comum de qualquer intento de proteção do trabalho.